Saudade: a palavra que ninguém pesquisou e todos encontraram
2020 não vai deixar saudades, mas materializou-as: em cada jantar que não fizemos, em cada abraço que desperdiçamos, cada lugar que não visitamos, todas as viagens que adiamos, todos os sonhos que suspendemos.
Covid-19, coronavírus, confinamento, quarentena, assintomático, zaragatoa e meia volta do mesmo devem ser as palavras mais pesquisadas em 2020. Mas não é preciso nenhum motor de busca potente ou algoritmo sofisticado para saber que a palavra que mais suspiros nos arrancou foi, sem dúvida alguma, saudade. Ninguém a procurou, mas todos a encontrámos. Sentir muito a falta de alguém, de um lugar, de um momento, passou a ocupar cada espaço vazio em quase tudo o que não nos foi permitido viver.
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Covid-19, coronavírus, confinamento, quarentena, assintomático, zaragatoa e meia volta do mesmo devem ser as palavras mais pesquisadas em 2020. Mas não é preciso nenhum motor de busca potente ou algoritmo sofisticado para saber que a palavra que mais suspiros nos arrancou foi, sem dúvida alguma, saudade. Ninguém a procurou, mas todos a encontrámos. Sentir muito a falta de alguém, de um lugar, de um momento, passou a ocupar cada espaço vazio em quase tudo o que não nos foi permitido viver.
Talvez saudade venha logo seguida de medo, ou vice-versa, uma ordem que pouco interessa na desordem que as duas nos causaram. Em Março e nos dias que se seguiram, estivemos entretidos a levantar a poeira dos livros, organizar gavetas, cozinhar, comer, voltar a cozinhar, nos intervalos discutimos, cantamos e até nos deixamos encadear pelo orgulho apalermado de estarmos a viver algo histórico. O tédio já tolhia as nossas cabeças quando chegou o Sol. Espantamos o bafio das cortinas amareladas e fomos em direcção aos dias longos. Uma pausa na preocupação, para escaparmos das sombras que se adensavam. Veio Setembro e os meninos nas escolas. Não choveu muito nem fez grande frio, mas os números agigantaram-se e nós ficamos mais pequenos, mais desamparados e fechados. Outubro e Novembro em suspenso, de mãos atadas a um calendário do advento preguiçoso. Dezembro doce-amargo, com sabor a recomeço.
O ano termina, com todas as medidas renovadas, metade dos dias vividos e uma saudade que passou de estado latente a emergência comum. Piora um pouco mais todos os dias, sem prognóstico de fim à vista e reservado aos que a sentem como nós. Mesmo saudáveis, não nos deixa respirar, ganhar fôlego para o que aspiramos fazer em 2021. Vai ser um ano bom se… com tantos ses dependentes da ciência, da nossa resiliência, alguma sorte e muita esperança.
2020 não vai deixar saudades, mas materializou-as: em cada jantar que não fizemos, em cada abraço que desperdiçamos, cada lugar que não visitamos, todas as viagens que adiamos, todos os sonhos que suspendemos. Merece que lhe batam a porta com rudeza e um ou outro palavrão, mas vai ficar a rir-se cinicamente porque sabe que ainda não o podemos desprezar.
Até nós, especialistas nesta nostalgia, habituados a longas distâncias e verdadeiras maratonas de ausência, estamos com dificuldades em gerir o esforço. Ninguém nos avisou que isto demorava tanto, que íamos ter esperança e desânimo na mesma curva, que chegar a casa no negativo ia saber a prémio gordo da lotaria. Ninguém nos avisou, ou talvez ninguém soubesse. São apenas nove meses, muitos dirão. O meu pai esteve quatro anos na guerra. Os meus tios estão há mais de 40 anos emigrados. Nelson Mandela esteve preso 27. Sim, mas são nove longos, estranhos, inacreditáveis meses na vida de cada um. Uma gestação difícil que desejamos que termine numa hora pequena, com saúde, como se quer!