Parques fotovoltaicos geram “perda significativa de área florestal”
A substituição de floresta de pinheiro-bravo, eucalipto ou sobreiro por centrais fotovoltaicas, como a da Torre Bela, “comporta um impacto negativo” para o sector florestal e para a biodiversidade do território. Os alertas vêm da CELPA e da associação ambientalista Zero.
Após uma montaria na Quinta da Torre Bela, na Azambuja, em meados de Dezembro, durante a qual foram abatidos 540 veados, gamos e javalis, o Ministério do Ambiente mandou suspender o procedimento de avaliação de impacte ambiental, incluindo a consulta pública, referente aos 775 hectares de uma central fotovoltaica já aprovada pela câmara local. Esta estava localizada dentro dos 1100 hectares da herdade e integrava o lote 18 do leilão solar de Julho 2019.
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Após uma montaria na Quinta da Torre Bela, na Azambuja, em meados de Dezembro, durante a qual foram abatidos 540 veados, gamos e javalis, o Ministério do Ambiente mandou suspender o procedimento de avaliação de impacte ambiental, incluindo a consulta pública, referente aos 775 hectares de uma central fotovoltaica já aprovada pela câmara local. Esta estava localizada dentro dos 1100 hectares da herdade e integrava o lote 18 do leilão solar de Julho 2019.
Esta suspensão decretada pelo Governo não apaga, porém, os impactos no sector agrícola, florestal e na biodiversidade gerados pelos parques de energia solar instalados em Portugal. E os últimos dados (de Outubro) da Direcção-Geral de Energia e Geologia (DGEG) são elucidativos. Revelam que o país já dispõe de capacidade instalada para mais de um gigawatt (GW) de produção de electricidade a partir de centrais solares fotovoltaicas. Nos últimos nove anos, Portugal quintuplicou a sua potência fotovoltaica.
“No final de Outubro de 2020, a potência instalada em unidades de produção de energia eléctrica a partir de fontes renováveis foi de 14 541 megawatt (MW). No ano móvel de Novembro 2019 a Outubro de 2020, o peso da energia eléctrica renovável atingiu de 62% relativamente à produção bruta + saldo importador”, lê no documento estatístico da DGEG. De acordo com a metodologia da directiva 2009/28/CE, que estabelece os objectivos a atingir em 2020, essa percentagem situou-se nos 58%, refere o mesmo documento.
O PÚBLICO questionou o Ministério do Ambiente e Acção Climática sobre se o Governo tem consciência do impacto que o projecto da central fotovoltaica da Torre Bela tem no sector agrícola, florestal e na biodiversidade da região e do país, sabendo-se também que, além desta, há outras centrais de grande dimensão instaladas ou em vias de instalação no país.
A assessoria de imprensa do ministério apenas fez saber que “estes projectos são sujeitos a avaliação ambiental, tal como tantos outros”, e que estamos em presença de um “processo legal e geral para qualquer projecto”.
O PÚBLICO questionou ainda o gabinete do ministro João Pedro Matos Fernandes sobre se os ganhos energéticos gerados por estas centrais fotovoltaicas compensam o impacto negativo gerado no sector agrícola, florestal e na biodiversidade do país. “Nada mais tenho a acrescentar” foi a resposta da mesma assessoria de imprensa.
Escassas horas após esta resposta, o ministro do Ambiente anunciava publicamente a suspensão do procedimento de avaliação de impacte ambiental da central da Torre Bela.
Floresta substituída por parques fotovoltaicos
A instalação de uma central fotovoltaica com 775 hectares numa só herdade plantada com eucaliptos e sobreiros, projecto apresentado pelas empresas CSRTB e Aura Power e que tinha sido aprovado pelo município de Azambuja, não é indiferente aos produtores florestais e à indústria que opera à base de madeira.
Questionado pelo PÚBLICO, o director-geral da Celpa – Associação da Indústria Papeleira, que agrega 14 empresas industriais e florestais pertencentes à Altri, DS Smith, Renova e The Navigator Company, mostra-se preocupado.
“Infelizmente, a exemplo do que está a acontecer na Quinta da Torre Bela, muita área de floresta está a ser substituída por parques fotovoltaicos, resultando numa perda significativa de área florestal”, diz Luís Veiga Martins.
O responsável da Celpa não tem dúvidas de que “esta substituição de floresta de produção, seja ela composta por pinheiro-bravo, eucalipto ou sobreiro, comporta um impacto negativo, nomeadamente em termos de perda de biodiversidade”.
E é isso que está a suceder na Quinta da Torre Bela, “cuja área é também ocupada por floresta de produção e onde subsiste uma elevada biodiversidade que se perderá com a sua transformação numa gigantesca área estéril em termos de vida”, alerta o director-geral da Celpa.
Propõe, em alternativa, “que as áreas que se perderão para a instalação destes projectos sejam passíveis de florestação noutros locais sem as perdas decorrentes do regime de compensações”. Desta forma, diz Luís Veiga Martins, “garantimos que não existe uma variação líquida negativa”.
“Artificialização da paisagem”, diz a Zero
O presidente da associação ambientalista Zero tem idêntica opinião. Ao PÚBLICO, Francisco Ferreira diz que “assistimos actualmente a uma corrida para a instalação de mega-parques solares, ocupando áreas com várias centenas de hectares”. Situação que, acrescenta, constitui “uma realidade bem distinta, quando comparada com os investimentos realizados nos últimos anos” e que “levanta um conjunto de preocupações, que nos parecem legítimas”.
Francisco Ferreira diz que “estamos perante uma artificialização da paisagem, que está a ser permitida em muitos casos em Reserva Ecológica Nacional, uma estrutura biofísica que integra áreas com valor e sensibilidade ecológicos ou expostas e com susceptibilidade a riscos naturais, que está sujeita a condicionalismos e restrições na ocupação do uso do solo, mas que tem como uso compatível com os seus objectivos a instalação de estruturas para aproveitamento de energia renovável”.
O presidente da Zero compreende “a compatibilização com a ocupação de pequenas áreas da Reserva Ecológica Nacional para a produção de energia renovável”. No entanto, “quando a escala começa hoje a ultrapassar os 300 hectares, dificilmente poderemos pensar que os impactes são reduzidos”.
Desde logo, porque “estamos perante uma forte artificialização da paisagem com grande impacte visual, a perda de vastas áreas com relevância ecológica para inúmeras espécies que forçosamente vão ter de procurar locais mais favoráveis”. Depois, porque tudo isto “promove a destruição de manchas florestais importantes para o sequestro de carbono, fornecimento de materiais, assim como outro tipo de serviços de ecossistema”.
Problemas de soberania alimentar
Noutras situações, lamenta Francisco Ferreira, “temos projectos em áreas de Reserva Agrícola Nacional (RAN), onde se localizam os solos mais produtivos que temos para a actividade agrícola e cujo uso fica destinado a terem apenas uma cobertura de painéis fotovoltaicos”. E lembra, aliás, que foi Gonçalo Ribeiro Telles quem criou estes instrumentos de classificação e salvaguarda do território.
A questão agrícola é, para o responsável da associação ambientalista, “algo que hoje já começa a colocar-se”. É que, “com a procura de terrenos para a instalação de centrais fotovoltaicas, um negócio apetecível tendo em consideração os valores praticados, as áreas agrícolas são também elas apetecíveis e já alvo de aquisição e aluguer”, uma vez que os valores praticados “podem ultrapassar o rendimento obtido com a lucrativa intensificação agrícola”.
Francisco Ferreira mostra-se receoso: “Este é um cenário que pode, no futuro, levantar problemas em termos de soberania alimentar, com a ocupação de terrenos que, pelas suas características, deveriam ser preferencialmente utilizados para a produção de alimentos e que, durante pelo menos duas décadas, irão ficar com essa capacidade hipotecada.”
Redução na área de sobreiro e azinheira
O presidente da Zero fala, por último, da “redução na área de sobreiro e azinheira, associado ao corte, ou não, de áreas de eucaliptal”. Nestes casos, diz Francisco Ferreira, como estes espécimes que não estão inseridos na definição de montado, que estão dispersos, “a autoridade nacional tem dado autorização ao seu corte em prol da produção de energia renovável”. E, “se olharmos para os efeitos cumulativos da instalação de várias infra-estruturas desta natureza na mesma região, certamente que o impacte não será desprezível”.
Ao mesmo tempo, admite Francisco Ferreira, dá-se “a necessidade de investimentos em energias renováveis, onde o solar é uma fonte com maior potencial no nosso país, a par da necessidade de maior independência energética e de descarbonização do nosso país. É absolutamente crucial.”
Por todas estas razões, no entender da Zero, “é crucial uma discussão transparente e participada com os diferentes agentes e interlocutores (Governo, investidores, administração, organizações não-governamentais, municípios), sobre os locais onde as centrais solares estão a ser implantadas, em muitos casos sem lhes ter de ser exigida uma avaliação de impacte ambiental”.
Para o dirigente da associação ambientalista, “a falta de uma avaliação de aptidão prévia do território” para a instalação destes investimentos em energias renováveis “vai levar a e/ou agravar conflitos significativos nos próximos meses e anos”.
Na opinião de Francisco Ferreira, “ou há um entendimento e uma concertação de interesses, ou a pressa, que é má conselheira, vai acabar por nos conduzir a atrasos maiores do que a aplicação de um princípio de precaução e de respeito pela sustentabilidade dos investimentos necessários em causa”.