Ao contrário de Espanha, Portugal não terá registo das pessoas que recusarem vacina contra a covid-19

Ministro da Saúde espanhol disse que informações seriam partilhadas com os parceiros europeus. Graça Freitas diz que Portugal não vai ter esse registo, salvo raras excepções.

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Vacinação contra a covid-19 em Portugal arrancou no domingo LUSA/CARLOS BARROSO

Espanha vai manter um registo de quem não quiser ser vacinado contra a covid-19, mas a medida anunciada na segunda-feira pelo ministro da Saúde espanhol não será replicada em Portugal. A garantia foi dada pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, justificando que a organização desta vacina seguirá uma lógica semelhante à das restantes campanhas de vacinação. A acontecer, esse registo será feito apenas em casos excepcionais, como, por exemplo, a vacinação de menores.

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Espanha vai manter um registo de quem não quiser ser vacinado contra a covid-19, mas a medida anunciada na segunda-feira pelo ministro da Saúde espanhol não será replicada em Portugal. A garantia foi dada pela directora-geral da Saúde, Graça Freitas, justificando que a organização desta vacina seguirá uma lógica semelhante à das restantes campanhas de vacinação. A acontecer, esse registo será feito apenas em casos excepcionais, como, por exemplo, a vacinação de menores.

“Quero dizer que estamos no início de um movimento muito complexo e, portanto, há coisas que podem evoluir ao longo do tempo. Mas até à data – e temos uma task force para comandar este movimento – esta vacina está a ser considerada semelhante às outras, porque apesar de ser nova, feita num tempo recorde e usar uma tecnologia diferente, não deixou de passar pelo crivo da Agência Europeia do Medicamento. Não é um medicamento experimental. É uma vacina plenamente autorizada. Em Portugal, a vacinação é um acto voluntário, fortemente incentivado, mas as pessoas podem exercer o seu direito a não quererem ser vacinadas. Uma pessoa que não se apresente no serviço para ser vacinada não o é, mas não fica registado que não o quis”, explicou Graça Freitas.

Esta preocupação com o registo de quem prefere não receber a vacina contra a covid-19 teve origem numa entrevista do canal La Sexta ao ministro da Saúde espanhol, Salvador Illa. O governante revelou que o país vai fazer um registo com as pessoas que rejeitarem tomar a vacina contra o novo coronavírus, de modo a garantir que todos os cidadãos foram contactados pelas autoridades. O ministro afirmou ainda que estas informações serão partilhadas entre parceiros europeus, sendo que a identidade destes utentes será salvaguardada, uma garantia confirmada pelo Ministério da Saúde espanhol em resposta às perguntas colocadas pelo PÚBLICO.

Em Espanha, os tratamentos médicos são voluntários. No caso da vacinação contra a covid-19, o registo recolherá os dados clínicos das pessoas que forem vacinadas. Também os dos que forem chamados e manifestem expressamente a sua recusa de vacinação. Essas informações são recolhidas com o objectivo de identificar se o facto de uma pessoa não ter sido vacinada se deve a uma decisão pessoal, uma falha de sistema ou não foi citada. Em qualquer caso, os regulamentos de protecção de dados serão cumpridos”, detalha ao PÚBLICO o Ministério da Saúde espanhol, numa resposta enviada por escrito.

Dados partilhados têm de ser anonimizados, defendem especialistas

Ainda antes de Graça Freitas revelar que Portugal não adoptará este registo – e com as declarações do ministro espanhol como pano de fundo –, o PÚBLICO tentou perceber a que regras teria de obedecer este registo e as principais preocupações dos especialistas de várias áreas.

Para o presidente do Conselho Nacional de Ética para as Ciências da Vida, Jorge Soares, a principal preocupação prende-se com a garantia de que esta lista não servirá como justificação para o exercício de medidas sancionatórias sobre os cidadãos. “Não se deve fazer um registo com sentido punitivo, isso nunca”, reitera ao PÚBLICO, compreendendo porém que as autoridades de saúde têm de recolher dados para conseguirem organizar os seus planos de vacinação. “Sobretudo em Espanha, onde as pessoas se podem movimentar de uma região autónoma para outra. Nas outras vacinas também existe”, finaliza.

A mesma opinião é partilhada por André Dias Pereira, director do Centro de Direito Biomédico, que foca a questão levantada pelo ministro espanhol da partilha deste registo com os países europeus. A protecção dos dados pessoais tem de ser obrigatoriamente uma salvaguarda, com o professor da Faculdade de Direito de Coimbra a defender uma anonimização destes dados. “Se for uma lista a dizer que 30% dos cidadãos não quer ser vacinado, tudo bem. É uma informação científica e política que depois terá de ser analisada. [A questão] é se pessoas concretas são identificadas ou identificáveis”, resume o jurista em conversa com o PÚBLICO.

Vacina poderá começar a ser requisito, considera Ricardo Mexia

“Olhe, nem acho bem nem mal, antes pelo contrário”, remata Ricardo Mexia, com um toque de humor na fala. Para o presidente da Associação Nacional Médicos de Saúde Pública, esta informação recolhida pelo Governo espanhol é um dado clínico disponível em outras campanhas de vacinação e a sua utilização está devidamente regulada.

Não colocando sequer a hipótese de que as pessoas que não queiram a vacina sejam prejudicadas por essa decisão, Ricardo Mexia relembra que algumas funções podem passar a ter como requisito a imunização contra o vírus, especialmente as que envolvem maior risco de contágio.

“O que é importante é que as pessoas tenham a percepção de que [esta decisão] não pode inviabilizar qualquer tipo de cuidado de saúde. Não é por uma pessoa não se ter vacinado que lhe podem dizer que não é tratada. Isso é eticamente inaceitável e não há hipótese de ser sequer considerado. Agora, sabemos que pode existir implicações para quem não quiser ser vacinado, designadamente determinado tipo de funções que não podem ser desempenhadas porque representam um risco importante. Profissionais de saúde ou pessoas que trabalhem em lares, por exemplo. Não sendo obrigatória, poderá existir um requisito para exercer determinado tipo de funções. Não está em causa apenas a protecção do próprio mas também as pessoas com quem vão interagir, que podem ser pessoas vulneráveis”, conclui o médico de saúde pública.