As partes perturbadoras

Mais tarde ou mais cedo, todos chegamos “à idade das partes perturbadoras” – quando achamos perturbador sermos confrontamos com o sexo de alguém –, e que esse abalo se vai alterando ao longo da vida, muitas vezes passando de negativo a positivo, mas a perturbação desse confronto mantém-se em cada um de nós.

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Anelya Okapova/Unsplash

— Mãe, porque é que os filhos nascem pelas partes perturbadoras?
— O que é que são as partes perturbadoras?
— O pipi, a pilinha e o rabo.
— São perturbadoras?
— Sim, porque as pessoas ficam perturbadas quando as vêem.

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— Mãe, porque é que os filhos nascem pelas partes perturbadoras?
— O que é que são as partes perturbadoras?
— O pipi, a pilinha e o rabo.
— São perturbadoras?
— Sim, porque as pessoas ficam perturbadas quando as vêem.

Depois de se deparar com a lição lúcida e surpreendente da sua filha, lembrou-se da tarde em que, muitos anos antes, brincava num extenso pinheiral que rodeava a piscina pública, onde se divertia todos os verões com o seu primo um pouco mais velho. O mês de Agosto prometia e cumpria o calor esperado, como habitualmente, e os primos meneavam-se pelo matagal envergando somente um fato de banho e um boné. Descalços, esquivando os pés aqui e acolá derivado da caruma picante. Apanhar pinhas e sacar-lhes os pinhões fazia parte de um ritual veraneante que datava de várias gerações. Retiravam os pinhões das pinhas caídas junto aos pinheiros altíssimos, usando os dedos pequenos e finos de criança como pinças precisas. Depois colocavam-nos num saco de plástico, que seria mais tarde entregue aos adultos para os pinhões serem descascados e comidos por todos, miúdos e graúdos. Esta tarefa de saque era sempre iniciada no mesmo período do dia, com o sol a pique, enquanto tinham de fazer tempo para terminar a digestão das sandes com ovo e alface feitas pelos progenitores. 

Durante este período, a água com cloro era-lhes interdita. O primo parou de apanhar os pinhões pousando o saco no chão, que ainda ia a menos de meio, e perguntou-lhe se não se queria sentar. A prima sentou-se junto dele, debaixo da sombra larga que açambarcava a luz de um grande pedaço de terreno. Sentiu a caruma picar-lhe o rabo, mas não se queixou. O primo propôs-lhe então algo absolutamente inesperado.

— Se me mostrares o teu pipi, mostro-te a minha pilinha. “Estranha forma de colocar a questão”, pensou. Não tinha qualquer interesse naquela troca.
— Não quero ver a tua pilinha — disse-lhe a prima.
— Vá lá, não sejas maricas. Eu mostro-te a minha e tu mostras-me a tua — insistiu o primo, sem valorizar a falta de interesse da prima. E, não esperando pela resposta, baixou os calções de banho o suficiente para deixar à vista uma pilinha minúscula e imberbe, mas que, na altura, lhe pareceu a imagem de um monstro que causava asco e medo.

Ela levantou-se prontamente, perante a imagem que a perturbou, e saiu a correr com uma pinha na mão pela mata que a levaria novamente para junto da piscina e para perto dos adultos, onde jamais contaria o que se passou. Nunca se esqueceu deste episódio com o primo. Ao ouvir a filha falar em partes perturbadoras, referindo-se à genitália dos humanos, percebeu que mais tarde ou mais cedo todos chegamos “à idade das partes perturbadoras” – quando achamos perturbador sermos confrontamos com o sexo de alguém –, e que esse abalo se vai alterando ao longo da vida, muitas vezes passando de negativo a positivo, mas a perturbação desse confronto mantém-se em cada um de nós.