Covid-19: número de infectados em Wuhan quase dez vezes superior ao divulgado, diz estudo chinês
Taxa de prevalência de anticorpos contra o novo coronavírus na cidade onde o primeiro caso foi detectado é muito superior à de outras cidades. O estudo foi realizado pelo Centro Chinês de Controlo de e Prevenção de Doenças.
Quase meio milhão de residentes da cidade chinesa de Wuhan, onde o novo coronavírus foi detectado pela primeira vez em Dezembro do ano passado, podem ter sido infectados com o SARS-CoV-2. Este valor é quase dez vezes superior ao número oficial de casos confirmados pelas autoridades da China, de acordo com um estudo do Centro Chinês de Controlo de e Prevenção de Doenças (CDC).
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Quase meio milhão de residentes da cidade chinesa de Wuhan, onde o novo coronavírus foi detectado pela primeira vez em Dezembro do ano passado, podem ter sido infectados com o SARS-CoV-2. Este valor é quase dez vezes superior ao número oficial de casos confirmados pelas autoridades da China, de acordo com um estudo do Centro Chinês de Controlo de e Prevenção de Doenças (CDC).
O estudo teve como base uma amostra de 34 mil habitantes de Wuhan, o primeiro epicentro da pandemia, e de outros locais muito afectados pela doença na província de Hubei. Residentes de Pequim, Xangai, Guangdong, Jiangsu, Sichuan e Liaoning também foram incluídos na análise. O objectivo era estimar as taxas de infecção de covid-19.
Os investigadores descobriram que a taxa de prevalência de anticorpos entre aqueles 34 mil residentes de Wuhan, uma metrópole com cerca de 11 milhões de pessoas, era de 4,4%. Quer isto dizer que essa fatia da população esteve, em algum momento, em contacto com o vírus e que acabou por desenvolver anticorpos contra a doença. Esta proporção sugere que até 500 mil residentes podem ter sido infectados, quase dez vezes mais do que os 50.354 casos oficialmente confirmados até este domingo, segundo os últimos dados da Comissão Municipal de Saúde de Wuhan.
Em comparação com outras cidades da mesma província, esta taxa é significativamente mais alta, o que sugere que um número maior de pessoas esteve exposta ao vírus sem ser contabilizada. Noutras cidades de Hubei, por exemplo, apenas 0,44% dos residentes tinham anticorpos contra o novo coronavírus. E fora da província, essas imunoglobulinas foram detectadas apenas em duas pessoas entre os mais de 12 mil residentes incluídos no estudo.
Os resultados foram publicados na conta oficial do CDC chinês na rede social de troca de mensagens WeChat. Não é dito, no entanto, se o estudo foi ou será publicado em revistas científicas, mas é referido que estas conclusões não serão consideradas para as estatísticas finais sobre a doença na China. Segundo a CNN, as autoridades chinesas afirmam que o estudo foi realizado um mês depois de a China ter conseguido “conter a primeira vaga da epidemia de covid-19”.
“Os resultados do estudo mostram que o nosso país tem uma baixa taxa de prevalência. Isto indica que a China conseguiu controlar a epidemia em Wuhan, o principal campo de batalha, e controlou efectivamente a propagação em grande escala da epidemia”, dizem ainda os responsáveis pelo estudo.
Os estudos serológicos têm sido utilizados por profissionais de saúde em todo o mundo para avaliar a verdadeira escala das epidemias. Os resultados destas análises podem ajudar a orientar os esforços de mitigação e vacinação. Em Portugal, os dados do último inquérito deste tipo foram divulgados em Julho.
Jornalista condenada por noticiar surto em Wuhan
Mais de um ano depois de o primeiro caso ter sido detectado, a origem da covid-19 continua a ser uma incógnita, mas os estágios iniciais do surto revelaram que as autoridades foram lentas a agir. Além disso, no final de Dezembro, já vários médicos em Wuhan alertavam para uma nova doença desconhecida, mas a polícia deteve vários para os “educar” sobre os perigos associados a espalhar rumores. Um deles, Li Wenliang, acabou mesmo por morrer infectado com a doença.
Esta segunda-feira, Zhang Zhan, uma jornalista independente que noticiou o surto inicial da covid-19 em Wuhan foi condenada a quatro anos de prisão por “causar distúrbios e provocar problemas”.
Três semanas após o primeiro caso de uma “misteriosa pneumonia” ter sido anunciado pelas autoridades de Wuhan, no centro da China, em 31 de Dezembro, as autoridades chinesas adoptaram restritas medidas de prevenção, que incluíram isolar cidades com milhões de habitantes.
À CNN, Yanzhong Huang, especialista sénior em saúde internacional, diz que as conclusões deste estudo realçam o problema de subnotificação de casos não só durante as primeiras semanas, mas também nos meses mais difíceis da epidemia em Wuhan. No início, por exemplo, os casos assintomáticos não eram incluídos na contagem oficial.
Além disso, em Janeiro e Fevereiro, quando os pacientes com uma “estranha forma de pneumonia" começaram a ocupar todas as camas dos hospitais de Wuhan, havia falta de espaço, de equipamentos de protecção, de conhecimento e de recursos para diagnosticar e tratar a doença. Muitos doentes acabaram por ser orientados a ir para casa e a ficarem em isolamento.
Equipa da OMS vai à China em Janeiro
O Governo chinês já foi acusado por diversas vezes de difundir dados mais optimistas nos estágios iniciais do surto do novo coronavírus do que a realidade sugeria, de tardar em confirmar casos já diagnosticados e de minimizar a gravidade do surto. Mas a China rejeitou veementemente as acusações de vários governos ocidentais de que deliberadamente reteve informações sobre o vírus. Em Junho passado, o Conselho de Estado da China defendeu que o Governo chinês sempre publicou informações sobre a epidemia de “forma oportuna, aberta e transparente”.
Vários governos têm pedido a colaboração da China com uma investigação da Organização Mundial da Saúde (OMS) sobre as origens do vírus. Para preparar a chegada de uma missão internacional à China, um epidemiologista e especialista em saúde animal da OMS esteve no país este Verão. Desde então, dez especialistas têm-se reunido regularmente com cientistas chineses.
Apesar de acreditarem que o hospedeiro original do vírus é um morcego, ainda ninguém identificou o animal intermediário que permitiu a contaminação humana. Será preciso, por um lado, “voltar atrás no tempo” e examinar os vários vestígios guardados pelas autoridades chinesas, e ver se há casos anteriores, para além daqueles identificados no final de 2019. Outra abordagem será determinar o papel desempenhado pelo mercado de Wuhan, onde animais exóticos eram vendidos vivos. Com Lusa