A luta para manter portas abertas: como a pandemia afectou novos negócios

Este ano a pandemia de covid-19 dificultou ainda mais as possibilidades de sucesso de novos empreendedores. Numa luta constante para manterem as portas abertas, os estabelecimentos que começaram a surgir no final de 2019 e início de 2020 viram os seus rendimentos iniciais reduzidos pelo confinamento.

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Gerentes a trabalhar por detrás do balcão do The Whisk Café, em Lisboa 16/12/2020 Carolina Alves

“Tudo o que não poderia acontecer num primeiro negócio aconteceu”, diz Bruno, sentado numa mesa interior da Chasing Rabbits, uma loja de vinis que funciona também como café, da qual é dono. Juntamente com a sua parceira Ana, Bruno abriu o espaço há pouco mais de um ano, em Novembro de 2019.

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“Tudo o que não poderia acontecer num primeiro negócio aconteceu”, diz Bruno, sentado numa mesa interior da Chasing Rabbits, uma loja de vinis que funciona também como café, da qual é dono. Juntamente com a sua parceira Ana, Bruno abriu o espaço há pouco mais de um ano, em Novembro de 2019.

Na Rua do Sol ao Rato, entre Campo de Ourique e o largo do Rato (Lisboa), Ana e Bruno decidiram começar um negócio baseado nas respectivas vivências e no que gostam de fazer. Formados na área da publicidade e do design gráfico, decidiram investir num negócio que é uma “continuidade de uma partilha musical” que já faziam em casa.

No salão principal da loja costuma está sentada uma cadela Border Collie chamada Grace. Estão expostos à venda postais de artistas conhecidos, desde Tom Waits a Lou Reed, vários pins, sacos de pano com o logótipo da loja e ainda algumas revista da área da música. Há algumas mesas para os clientes se sentarem, mas o espaço é apertado.

Em frente há uma passagem para uma pequena esplanada exterior, decorada de verde com plantas e flores. À esquerda a divisão onde estão expostos discos, livros e mais recentemente uma exposição fotográfica intitulada Do Espaço que existe entre o Princípio e o Fim, bem como um cantinho de audição de música com um gira-discos e um longo sofá em pele.

Os primeiros meses foram suficientes para se ligarem ao bairro e para conquistarem alguns clientes que se tornaram habituais, mas o sucesso do negócio é difícil de medir, precisamente por causa do início da pandemia. “Tanto pode estar a tapar um futuro muito promissor, como pode estar a tapar um futuro não muito promissor”, diz Bruno.

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Grace sentada no interior da Chasing Rabbits, em Lisboa Carolina Alves

Quando projectaram o futuro, Bruno e Ana não equacionaram uma pandemia que levaria ao encerramento contínuo da fonte de rendimento. “Nunca achas que chega perto de casa... e de repente chega”, explica o dono. Fecharam as portas durante o primeiro fim-de-semana do confinamento, por perceberem “que as pessoas estavam assustadas” e que “já não estavam a circular da mesma forma”.

Pensaram que “poderia não valer a pena abrir” novamente, visto que o negócio estava a começar e que não tinham ainda alicerces e rotinas. “Decidimos não o fazer porque o processo já estava em curso, há dinheiro investido”, justifica. “Achámos que nos poderíamos adaptar”.

E foi o que fizeram. Abriram a esplanada exterior para haver alguma circulação de ar e a possibilidade de as pessoas manterem o distanciamento. Apostaram no formato online através do site, que agora funciona também como loja, bem como das redes sociais. Mas não foi o suficiente para colmatar as falhas no rendimento.

“Perdemos rendimento porque tivemos o espaço fechado com rendas para pagar, com fornecedores para pagar, com comida para nos alimentarmos”, diz Bruno. “É dinheiro que se foi da bolsa que era o que nos daria alguma almofada na construção do negócio. Foi-se, e está cada vez mais difícil neste momento.”

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Vitrina da Chasing Rabbits, em Lisboa Carolina Alves

Do Estado receberam o apoio aos sócios-gerentes, mas recusaram as linhas de créditos. “É um assumir que vamos ter outra corda ao pescoço”, explica o dono.

O objectivo dos gerentes é tentar reduzir a dívida ao máximo e aumentar o lucro para tornar o negócio sustentável, mas a imprevisibilidade da pandemia tornou qualquer planeamento impossível. Encomendas de stock, contratação de pessoal, flexibilização de horários, tudo é posto em causa devido à covid-19.

“É bom ainda estarmos cá. É muito mais difícil do que era há um ano. É muito mais desgastante do que era há um ano atrás, mas ainda continuamos cá.”, confessa Bruno. “Quanto tempo vamos continuar? Não sabemos”, admite. “Temos ainda alguns indícios positivos, mas a margem de erro é gigante”.

Pôr um negócio em pausa

Um pouco mais abaixo, ainda na Rua do Sol ao Rato, abriu em Setembro de 2020 o The Whisk Café. Catarina e Ricardo, que gerem o café, conheceram-se em Angola, enquanto trabalhavam os dois na área de consultoria de gestão. Planeavam que o espaço abrisse em Maio, mas a pandemia veio adiar esses planos e pôr uma pausa em todo o desenvolvimento do projecto.

A ideia surgiu em Novembro de 2019 e o casal empenhou-se na procura de um espaço para começar a planificação e construção do café. As obras começaram em Fevereiro, altura em que abandonaram outras fontes de rendimento para se focarem no projecto. Os planos estavam feitos para abrir o mais depressa possível, mas em meados de Março, quando a taxa de propagação do coronavírus começou a aumentar em Portugal, o arquitecto desapareceu.

As obras pararam quinze dias na altura do confinamento e o espaço acabou por ser desenhado pelos donos. O The Whisk é um salão algures entre o estilo industrial e vintage com uma longa mesa de madeira ao meio, acompanhada em comprimento por um espelho na parede. Várias mesas de diferentes formatos ocupam a montra e os cantos do café e as paredes estão enfeitadas com placas metálicas de estilos diferentes. Ao pé da porta lê-se, num sinal iluminado, “The Whisk”.

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Aliados à falta de arquitecto e ao adiamento das obras surgiram outros desafios. “A maior dificuldade foi por parte da EDP”, explica Ricardo. “Precisávamos de ter um aumento de potência significativa e eles não nos deram resposta. Pedimos em Fevereiro e só nos responderam em Agosto”.

Outro problema foi a entrega de equipamentos. A máquina de café do The Whisk, que veio de Itália, atrasou-se porque as fábricas encerraram devido à covid-19. O mesmo aconteceu com os equipamentos da cozinha, que vieram da Alemanha. Todo este tempo entre problemas significou apenas despesa e nenhum rendimento para os donos.

Não conseguiram ajuda financeira por parte do Estado. “Uma candidatura que fizemos em Abril, recebemos uma resposta negativa há um mês”, diz Ricardo. “De 60 e tal projectos que foram submetidos, apenas três candidaturas não foram aprovadas e a nossa foi uma delas”, diz Catarina.

“Quando o presidente da câmara de Lisboa disse que iam haver apoios para a restauração eu telefonei para a Câmara e eles disseram-me: «Você só começou actividade este ano, não tem histórico do ano passado, por isso não há nada»”, lamenta Ricardo. “Eu vou pagar na mesma os impostos, nós começámos este ano, é este ano que precisamos de ajuda”.

Associado à falta de clientes e de rendimentos está também a dificuldade em gerir um café num momento tão imprevisível. A falta de uma matriz de instruções clara e as constantes mudanças nas medidas de restrição contra a covid-19 causaram já alguns mal entendidos.

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Interior do The Whisk Café Carolina Alves

“No primeiro fim-de-semana nós fechámos porque achámos que as notícias não eram muito claras. Não queríamos estar a abrir e depois receber uma multa. Foi um rombo enorme porque depois percebemos que o fim-de-semana teria corrido bastante bem”, explica Catarina.

Segundo a empresária, o mesmo aconteceu com as segundas-feiras antes dos feriados de 1 e 8 de Dezembro, em que o café fechou mais cedo do que podia ter fechado porque as instruções não era claras.

O orçamento para o plano de negócio foi ultrapassado apenas por cerca de 10%, mas os custos fazem-se sentir nas poupanças pessoais dos donos, já que estiveram vários meses com o negócio parado e continuam na expectativa de como será o futuro.

“Quando se falava em retorno ao investimento em três, quatro anos se tudo corresse bem, hoje não consigo prever quando é que as coisas voltam ao normal”, explica Ricardo.

“Há dias em que não entram 10 pessoas na loja”

Germano Roriz, dono da mercearia de produtos brasileiros Mercadim, em Picoas (Lisboa), lamenta o mesmo: “Eu fiz um plano de dois anos. Em dois anos, teoricamente, um negócio bem administrado consegue começar a ter o seu ponto de equilíbrio. Já se passou um ano e eu estou muito longe do ponto de equilibro”.

Germano abriu o Mercadim em abriu em Novembro de 2019 com a sua mulher Flávia, depois de terem decidido mudar-se para Portugal para passar o resto da vida. A maioria dos seus clientes é imigrante brasileira que vêm à procura de produtos da sua terra. Entre as prateleiras podem-se encontrar bombons Malandro, farofa de mandioca e paçoca Moreninha do Rio, entre outros produtos tradicionais do Brasil.

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Porta de entrada da mercearia Mercadim, em Picoas, Lisboa Carolina Alves

Na esquina da Rua São Sebastião da Pedreira com a Rua Viriato, em frente ao Hotel Turim Europa, o negócio está posicionado de forma estratégica.

“Escolhi este lugar porque estou perto de uma agência do SEF, estou perto do Fogo de Chão que é uma churrasqueira brasileira muito movimentada, estou perto de uma Conservatória, onde os brasileiros têm de ir muito, estou perto das Finanças, estou perto do Boi Preto, que é outra churrasqueira brasileira. Ou seja, o lugar que eu escolhi é o lugar que os brasileiros frequentam”, explica Germano.

No entanto, o início da pandemia retirou alguma da relevância comercial da zona ao mercado. A agência do SEF fechou, as churrasqueiras fecharam, a conservatória também. O Mercadim perdeu clientes que entravam na loja vindos da rua, passando a depender de pessoas que vinham especificamente para fazer compras de produtos especializados. “Muitos clientes habituais voltaram para o Brasil”, acrescenta Germano.

Embora seja um negócio de bens essenciais e tenha a possibilidade de ficar aberto mais tempo que os restaurantes, o facto de ser uma mercearia especializada significa que a quantidade de clientes é mais reduzida. “Há dias em que não entram 10 pessoas na loja”, diz o empresário.

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Balcão e expositores no interior da mercearia Mercadim, Lisboa Carolina Alves

Como os donos do The Whisk, Germano também não teve acesso a apoios financeiros por parte do Estado porque não tinha rendimentos relativos ao ano anterior, e portanto teve de utilizar a sua reserva destinada ao negócio para se sustentar numa altura em que os clientes são escassos e o lucro é incerto.

“Estamos a comer a nossa reserva, o que não era o planeado. Não era suposto estarmos a usar o nosso dinheiro de reserva para morar e para comer”, explica. “O que a pandemia fez foi dilapidar aquela reserva que era específica para a manutenção do negócio até que ele se conseguisse equilibrar”.

As encomendas de stock sofreram muita instabilidade durante o início da pandemia, devido ao desconhecimento do que se passava e iria passar. Antes, como não sabiam o que se avizinhava, os donos fizeram uma compra de stock para o número de vendas que esperavam fazer. Com o início da pandemia e do confinamento, muito desse stock teve de ir para o lixo por passar a data de validade, porque não havia procura. Todas as compras de têm de ser, portanto, calculadas minuciosamente, para que não haja mercadoria em falta ou a mais.

Retomar uma normalidade de vendas a médio prazo mantém-se como o objectivo de Germano, que tem visto o negócio que construiu a sofrer com a falta de clientes, a falta de apoios e a imprevisibilidade das pessoas e da pandemia. No entanto, mantém-se optimista com o início da vacinação. “Eu só olho para a frente”, conclui.