Plantas limpam água numa zona de Famalicão que se quer protegida
Parte das águas residuais que confluem para a ETAR de Agra, em Famalicão, vão ser purificadas para rega por plantas assentes em ilhas flutuantes de cortiça. A iniciativa insere-se num projecto de adaptação às alterações climáticas para os próximos cinco anos, financiado pela União Europeia e destinado às Pateiras do Ave, zona que a autarquia deseja classificar como Paisagem Protegida Local em 2021.
Ao primeiro olhar, o tanque parece desinteressante: as ervas alastram-se pelo reservatório sem uso na estação de tratamento de águas residuais (ETAR) de Agra, a escassas centenas de metros do rio Ave. Mas é ali, em Fradelos, no extremo sudoeste do concelho de Vila Nova de Famalicão, que vai nascer uma fito-ETAR, sistema que recorre exclusivamente a plantas e a bactérias para tratar as águas residuais e torná-las viáveis para rega. “O tanque foi desenhado para receber as lamas da ETAR, mas ficou abandonado. Agora vai ser reutilizado para o tratamento dos efluentes”, explica ao PÚBLICO o ecológo Vasco Flores Cruz, ligado às Pateiras do Ave, projecto em curso desde 2016 que visa a preservação ambiental daquele território.
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Ao primeiro olhar, o tanque parece desinteressante: as ervas alastram-se pelo reservatório sem uso na estação de tratamento de águas residuais (ETAR) de Agra, a escassas centenas de metros do rio Ave. Mas é ali, em Fradelos, no extremo sudoeste do concelho de Vila Nova de Famalicão, que vai nascer uma fito-ETAR, sistema que recorre exclusivamente a plantas e a bactérias para tratar as águas residuais e torná-las viáveis para rega. “O tanque foi desenhado para receber as lamas da ETAR, mas ficou abandonado. Agora vai ser reutilizado para o tratamento dos efluentes”, explica ao PÚBLICO o ecológo Vasco Flores Cruz, ligado às Pateiras do Ave, projecto em curso desde 2016 que visa a preservação ambiental daquele território.
A fito-ETAR representa 45% dos 1,8 milhões de euros destinados ao “LIFE Pateiras”, projecto elaborado pela Câmara Municipal de Famalicão que visa minimizar os efeitos das alterações climáticas, de 01 de Janeiro de 2021 até 31 de Dezembro de 2025, já aprovado pela União Europeia (UE), através do LIFE, instrumento de financiamento para a acção climática em vigor desde 1992, que vai garantir um milhão de euros.
Segundo a Águas do Norte, entidade parceira da autarquia no “LIFE Pateiras”, a fito-ETAR vai tratar quatro mil metros cúbicos dos 42.288 que a ETAR de Agra recebe diariamente. A instalação não será inédita no país; só no Norte, existem mais seis, adianta a Águas do Norte ao PÚBLICO. Mas a tecnologia que a sustenta promete facilitar a sua manutenção. Em vez de presas directamente à terra, desenvolvendo-se num processo “caro e moroso”, as plantas vão crescer em ilhas flutuantes de cortiça, material biodegradável. “Para trocar as plantas, há um sistema rápido e fácil. As ilhas funcionam por módulos de cortiça, que são bastante leves. Desmontam-se módulo a módulo, em pouco tempo e a custo reduzido”, esclarece Vasco Flores Cruz.
A água purificada vai servir para rega, mas também pode criar lagoas que atraiam ainda mais patos e garças, aves que já hoje se deslocam ao tanque para se alimentarem, realça o ecólogo. Face à proximidade com uma zona industrial na freguesia vizinha de Ribeirão, Vasco Flores Cruz também considera viável “criar-se uma linha de águas cinzentas”, não potáveis, para lavar pavimentos, carros, jardins e abastecer sistemas de arrefecimento.
Pateiras: casas de anfíbios e de aves
A restante verba do “LIFE Pateiras” destina-se à recuperação de sistemas de regas tradicionais, como levadas, poços e tanques, que seguravam a água em pontos altos para a distribuir através da gravidade, a acções de sensibilização para o uso sustentável da água e à recuperação de dois ecossistemas: a ribeira de Fradelos e as Pateiras, áreas formadas por charcos.
Nos últimos 30 anos do século passado, aqueles charcos eram depósitos de terras que sobravam de obras em redor e a área húmida diminuiu, conta. Mas o trabalho da European Ponds Conservation Network (Rede Europeia de Conservação de Lagoas, em português), despertou o interesse para estes ecossistemas que armazenam mais “água doce do que rios ou lagos”. “Não se dava importância por serem pequenos”, observa Vasco Flores Cruz, autor de uma dissertação de mestrado em Ecologia pela Universidade do Porto, sobre o tema. Ao reterem a água, as pateiras diminuem o “efeito das cheias”, mas não impedem a infiltração da água nos lençóis freáticos, prossegue. Além disso, abrigam sete espécies de anfíbios, duas delas ameaçadas: o tritão-palmado e a rã-de-focinho-pontiagudo.
Enquanto conversa com o PÚBLICO numa faixa de caminho enlameada, o ecólogo esclarece as funções complementares das várias pateiras. De um lado do trilho, vai nascer um habitat florestal, com salgueiros, carvalhos e amieiros que “se vão desenvolver naturalmente”, sem plantações. Do outro, vão surgir matos hidrófilos, habituais em terrenos alagados.
A zona é ainda um corredor para aves que migram do Norte da Europa para África no final do Verão, como o rouxinol-pequeno-dos-caniços e alvéola-amarela, descreve o ecólogo. “Por norma, existem aqui 60 a 70 espécies de aves, mas, entre o final de Agosto e o final de Setembro, o número sobe para 90”, diz. A propósito desse fenómeno, realizaou-se, em Setembro último, o Festival Pio-Pardo, para observação de aves.
Paisagem protegida é desejo para 2021
As Pateiras do Ave inserem-se numa área de 18 quilómetros quadrados, pertencente às freguesias famalicenses de Fradelos, Ribeirão e Vilarinho das Cambas, que se pode tornar Paisagem Protegida Local em 2021. Esse é pelo menos o desejo do vereador municipal com o pelouro do Ambiente, Pedro Sena. “Não tenho a certeza se será no primeiro trimestre ou no primeiro semestre de 2021. Gostava que assim fosse, mas não prometo datas, até pela questão da covid-19”, afirma ao PÚBLICO.
O regulamento, prossegue, já está “praticamente fechado” para ser votado em reunião de Câmara e posteriormente submetido à discussão pública. Mesmo com a vontade de ver o processo finalizado, Pedro Sena frisa que a paisagem protegida local só terá futuro com o envolvimento das comunidades locais. “Estamos a trabalhar com a população a nível ecológico e patrimonial e afins. Isto tem de ser visto como uma mais-valia para quem lá mora”, conclui.