Das pescas aos transportes, dos automóveis aos medicamentos: o que prevê o acordo pós-”Brexit” para áreas-chave?
O acordo que regula a relação futura entre Londres e Bruxelas deixa espaço para renegociações.
O acordo anunciado na quinta-feira entre o Reino Unido e a União Europeia inclui acordos em áreas que permitiram alívio em sectores importantes como o de transporte e logística, mas há ainda partes sujeitas a negociações urgentes a curto prazo, ou a médio prazo após avaliação.
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O acordo anunciado na quinta-feira entre o Reino Unido e a União Europeia inclui acordos em áreas que permitiram alívio em sectores importantes como o de transporte e logística, mas há ainda partes sujeitas a negociações urgentes a curto prazo, ou a médio prazo após avaliação.
Pescas
Na divisão de quotas de pesca entre o Reino Unido e a União Europeia houve um compromisso dos dois lados, com a UE a concordar com um corte de 25% à quota de pesca em águas britânicas (Bruxelas queria manter o limite actual, Londres queria um corte de 60%). Há um período de transição até 2026 e renegociações anuais para fixar os totais admissíveis de capturas depois desse prazo. Há ainda a possibilidade de a União Europeia levar a cabo medidas de retaliação, incluindo impor taxas ao peixe exportado pelo Reino Unido, caso este deixe de permitir o acesso previsto às suas águas.
Livre circulação de pessoas e profissionais
Os profissionais – de medicina, enfermagem ou veterinária, de engenharia a arquitectura, etc. – deixam de ter reconhecimento imediato das suas competências e terão, assim, de recorrer ao processo de reconhecimento no país em que pretendam trabalhar. Estadias de mais de 90 dias vão precisar de visto. Há coordenação nas pensões de reforma para assegurar que não se perdem contribuições feitas até agora.
Serviços empresariais e financeiros
São a espinha dorsal das exportações do Reino Unido e não estão contemplados com provisões específicas neste acordo. Isso quer dizer que para já o Reino Unido irá perder algum acesso ao mercado europeu, sublinha o site Politico, e que terá de ser ainda negociado o que vai acontecer, diz o Financial Times: se Londres consegue obter “equivalência” para as suas empresas terem acesso ao mercado único, ou se estas terão de lidar com cada Estado membro individualmente.
Transportes
Um alívio para as empresas de logística é que aviões de passageiros e carga e camiões de longo curso podem continuar a operar como antes. E o diário britânico Financial Times aponta queixas do sector de camiões de longo curso, já que antes estes podiam fazer três paragens em países da União Europeia e com o novo acordo podem fazer apenas uma.
Na aviação, as empresas britânicas não poderão operar voos que não tenham origem ou destino no Reino Unido, mas como isso já era esperado, companhias aéreas dos dois lados estabeleceram subsidiárias para poder continuar as rotas que vinham a operar.
A parte do acordo relativa à aviação é temporária, sublinha o jornal britânico The Guardian, com um novo entendimento a ter de ser renegociado com urgência.
Segurança
O Reino Unido mantém-se em programas importantes de troca de informação, mas não em todos, saindo, por exemplo, do sistema de mandado de detenção europeu, e deixando de ter acesso em tempo real a bases de dados de crimes, embora mantenha acesso suficiente para a cooperação contra o terrorismo e o crime organizado. Londres manterá a cooperação com a Europol e a Eurojust, mas deixará de ser membro de ambas as organizações, uma de polícia e outra de justiça criminal, mas segundo o Financial Times não será mais do que a cooperação que a União Europeia tem com países terceiros.
Concorrência e level playing field
As preocupações com potencial concorrência desleal por subsídios do Estado ou por aplicação diferente de regras como por exemplo de protecção de direitos laborais ou de critérios de preservação ambiental (o chamado level playing field) levaram ao estabelecimento de um mecanismo de fiscalização e potenciais sanções – imposição de taxas de importação – se o Reino Unido ou a UE invocarem concorrência desleal. Este sistema de arbitragem não depende da lei europeia ou do Tribunal de Justiça da UE, o que era uma reivindicação do Reino Unido. O Governo britânico fica, assim, livre para definir as suas regras, mas arrisca-se a ter o acesso ao mercado europeu restrito se se afastar demasiado (embora não automaticamente).
Ciência
O Reino Unido continua no importante programa de investigação e inovação em ciência Horizonte Europa (que conta com um investimento de quase 100 mil milhões de euros entre 2021 e 2027), assim como nos programas Copérnico (de observação da Terra) e Euratom (energia nuclear).
Mas sai do programa Erasmus+, não querendo comprometer-se ao plano de pagamento de sete anos para o icónico programa de intercâmbio de estudantes. A Irlanda vai criar uma excepção para estudantes da Irlanda do Norte, abrindo-lhes acesso a intercâmbio nas suas universidades.
Regras de origem
O que é made in Britain? Produtos em que não mais de 40% de componentes venham de países terceiros. O Reino Unido conseguiu que materiais vindos de países da UE contassem para a percentagem britânica do produto, mas não que também contassem como tal os vindos de países com quem tanto a UE como o Reino Unido têm acordos comerciais, como o Japão ou a Turquia, nota o Guardian.
Isto tem especial relevância, acrescenta o Financial Times, para a indústria automóvel e a potencial aplicação de taxas alfandegárias no mercado europeu para os automóveis britânicos que são fabricados com muitos componentes estrangeiros.
Químicos e produtos farmacêuticos
O alívio por não haver taxas alfandegárias foi temperado pela possibilidade de um duplo regime regulatório tanto no caso dos químicos em geral como nos produtos farmacêuticos em particular. Para os químicos, as empresas temem ter de estabelecer um sistema de segurança depois de terem investido mais de 500 milhões de libras nos últimos anos.
E as farmacêuticas só conseguiram que inspecções realizadas no Reino Unido sejam considerados válidas na União Europeia, mas não os testes, que terão de ser repetidos pelas farmacêuticas britânicas, levando a custos adicionais e provável demora no acesso ao mercado.