Requalificação da mata do Congro é a homenagem necessária nos 200 anos de José do Canto
José do Canto foi um importante empresário e criador de paisagens açoriano. Uma das suas criações, a mata-jardim da lagoa do Congro, carece de requalificação. Governo dos Açores diz que a intervenção é um “desígnio” e irá avançar em 2021.
José do Canto (1820–1898) é uma das figuras açorianas mais ilustres da contemporaneidade. Homem rico, transformou a agricultura regional, mudou a paisagem de São Miguel e impulsionou o progresso daquelas ilhas atlânticas no final do século XIX.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
José do Canto (1820–1898) é uma das figuras açorianas mais ilustres da contemporaneidade. Homem rico, transformou a agricultura regional, mudou a paisagem de São Miguel e impulsionou o progresso daquelas ilhas atlânticas no final do século XIX.
Através de uma das suas mais vincadas facetas, a da botânica, criou um legado que permanece vivo até hoje: “sobre José do Canto concluo que, para além da visão à frente do seu tempo que teve no domínio da agricultura, também contribuiu para alterar a paisagem de São Miguel”, começa por dizer ao PÚBLICO Raimundo Quintal, botânico e geógrafo, que estudou a obra do micaelense.
Mas se o legado de José do Canto permanece vivo, nem toda a sua obra está devidamente conservada. Como construtor de paisagens, José do Canto foi responsável pela criação de três importantes áreas na maior ilha açoriana: o jardim botânico em Ponta Delgada, a mata-jardim da lagoa das Furnas e a mata-jardim da lagoa do Congro. Esta última carece de uma requalificação, reivindicação antiga de vários ecologistas, que defendem que a intervenção seria a homenagem merecida a José do Canto, na altura em que se comemoram 200 anos do seu nascimento (a 20 de Dezembro).
Indo por partes. Tendo vivido em Londres e em Paris, José do Canto contactou com viveiristas e botânico de “todo o mundo” e, sendo “um homem muito rico”, comprou “imensas plantas dos quatro cantos do mundo”. Experimentava, depois, as espécies no jardim botânico para perceber “quais as que se dariam melhor” nas suas diferentes propriedades. “Ele terá experimentado no jardim cerca de seis mil espécies. É um número astronómico”, afirma Raimundo Quintal, ressalvando que, naturalmente, “algumas não resistiram”.
Dos três espaços, dois – o jardim botânico e a mata-jardim das Furnas – foram alvo de requalificações recentes. Entre 2014 e 2017, Raimundo Quintal trabalhou na recuperação de ambos espaços, pertencentes a dois ramos distintos dos herdeiros de José do Canto.
Na mata-jardim das Furnas, actualmente com 110 hectares (longe dos 600 de quando foi criada), existe um “conjunto de árvores notáveis”: “tive oportunidade de as inventariar e há notáveis como sequóia da América ou grandes tulipeiros arbóreos, exemplares com uma importância grande”. Já o jardim botânico, actualmente cunhado com o nome do criador, tem uma “variedade de árvores monumentais” – figueiras da austrália, pinheiros de Damara, Canforeira -, uma “colecção fantástica” que “não é fácil encontrar pelo mundo fora”: “o jardim José do Canto é uma jóia que tem importância para o património da região autónoma dos Açores, para o património de Portugal e com interesse para os botânicos mesmo à escala mundial”.
Mas a situação é diferente na mata ajardinada da Lagoa do Congro, no concelho de Vila Franca do Campo, que carece de uma intervenção. “No fundo, o que se pretende é fazer com que o governo regional se interesse por aquele espaço e o requalifique, porque é um espaço com uma qualidade muito grande”, defende Raimundo Quintal, que foi um dos signatários de uma petição, criada em 2019 pelo ecologista açoriano Teófilo Braga e levada ao parlamento regional, para a requalificação daquela zona. Destacando a importância de todo o espaço ser tratada como uma “unidade” (até porque uma parte pertence a descendentes e a outra é pública), Raimundo Quintal considera urgente a “inventariação de tudo” e a “limpeza” de algumas das plantas invasoras. Seria igualmente necessário, defende, “redescobrir os velhos caminhos do jardim” destinado aos visitantes e “preservar aquelas espécies monumentais” e outras “mais pequenas de grande interesse”.
O geógrafo realça que José do Canto “criou uma unidade de paisagem muito atractiva”, que, para os “menos atentos”, parece “apenas a natureza”, mas que apresenta um “cunho humano”, que gerou uma “paisagem onde existe a natureza e também uma vertente cultural”. “Lanço o repto: quando estamos a comemorar o segundo centenário do nascimento de José do Canto, seria necessário e seria uma boa medida do governo regional avançar para a requalificação daquele espaço, possibilitando a visitação, mas de forma controlada”, afirma.
Repto lançado, governo alertado. A propósito da petição, o anterior governo liderado pelo PS, anunciou em 2019 a intenção de criar o parque botânico da Lagoa do Congro, mas não chegou a iniciar qualquer intervenção.
O actual secretário regional do Ambiente e Alterações Climáticas, Alonso Miguel, afirma ao PÚBLICO que a requalificação daquele espaço será um dos “desígnios” da sua secretaria. “A intenção da secretaria é dar seguimento ao processo e dar início à elaboração de um projecto para a requalificação” da mata-ajardinada da lagoa do Congro, afirma.
Sem querer entrar em detalhes, até porque o novo governo do PSD, CDS e PPM, só entrou em plenas funções a 11 de Dezembro (os directores regionais ainda não foram sequer nomeados), o secretário regional centrista defende a “importância de recuperar” a zona, salientando que, pelas discussões públicas ao longo dos anos, “toda a gente parece concordar” com a necessidade de uma intervenção. “Temos de cumprir calendários. A ideia é avançar em 2021”.