PAN quer que vítimas de mutilação genital não fiquem “fora do radar”

Projecto de resolução recomenda ainda ao Governo que garanta que médicos no privado também possam registar casos de corte genital feminino.

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daniel rocha

A mutilação genital feminina (MGF) é uma prática que afecta milhares de meninas e mulheres residentes em Portugal, mas o país ainda está longe de erradicar esta prática do seu território. “Continuamos aquém do cumprimento estabelecido, quer ao nível do conhecimento quer ao nível de estratégias eficazes para o seu combate”, lê-se num projecto de resolução do PAN, que foi aprovado na semana passada na comissão de assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias e aguarda discussão em plenário da Assembleia da República.

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A mutilação genital feminina (MGF) é uma prática que afecta milhares de meninas e mulheres residentes em Portugal, mas o país ainda está longe de erradicar esta prática do seu território. “Continuamos aquém do cumprimento estabelecido, quer ao nível do conhecimento quer ao nível de estratégias eficazes para o seu combate”, lê-se num projecto de resolução do PAN, que foi aprovado na semana passada na comissão de assuntos constitucionais, direitos, liberdades e garantias e aguarda discussão em plenário da Assembleia da República.

Numa altura em que o crime de mutilação genital chega pela primeira vez a tribunal em Portugal, o PAN quer que o Governo se aplique em alargar a todo o país o seu leque de acções de combate a esta prática, assim como o envolvimento de profissionais de saúde do sector privado na sinalização de casos. O projecto de resolução foca-se ainda na necessidade de apoiar as mulheres que foram submetidas à prática de mutilação genital feminina e as respectivas comunidades, que estão em situações de vulnerabilidade devido a outras formas de discriminação.

No projecto de resolução apresentado pelo PAN, que ouviu diversas entidades no terreno para compreender os desafios actuais, há uma série de questões já anteriormente levantadas em relatórios e pelas ONG que actuam na área, como o alargamento da formação de profissionais para além de Lisboa, garantir acompanhamento especializado das sobreviventes desta prática, promover mais e melhor recolha de dados e produção de conhecimento científico sobre as comunidades afectadas pela prática em Portugal. 

A líder da bancada do PAN no Parlamento, Inês de Sousa Real, sublinha a importância da capacitação dos profissionais para identificarem indícios da prática, não apenas no sentido de reconhecer clinicamente o corte genital, no caso dos médicos, mas também para que se consiga ultrapassar barreiras culturais, sem o que “dificilmente se consegue entrar nesta esfera mais privada da mulher”. O que ainda acontece, alerta a deputada, é que “as pessoas ficam fora do radar”. 

O problema, muitas vezes, começa no facto de se tratar de comunidades que sofrem “múltiplas formas de discriminação”, onde “há um trabalho muito profundo do ponto de vista social”. Mas a aposta deve estar no “empoderamento” das mulheres e no “acolhimento destas comunidades”, já que, considera a deputada, “também não podemos achar que vamos chegar e explicar às pessoas que isto não se faz”. 

Silêncio da DGS

O PAN propõe ainda uma medida que recupera uma das recomendações do grande estudo sobre o corte genital feminino em Portugal publicado em 2015, recomendação que nunca se concretizou por causa das limitações do sistema do SNS: “implementar a obrigatoriedade de registo de dados de mutilação genital feminina em todas as unidades de saúde, garantindo também o alargamento da possibilidade de registo dos casos de MGF por parte dos profissionais de saúde que não estão nos serviços públicos”. 

No estudo de 2015, coordenado por Manuel Lisboa, da Universidade Nova de Lisboa, uma das recomendações era que a Plataforma de Dados da Saúde fosse acessível a médicos do sistema privado, já que há muitas mulheres a serem aí atendidas. Outra característica da plataforma que dificulta a sinalização é o facto de apenas pessoas com número de utente poderem ter o seu perfil registado, o que faz com que algumas mulheres submetidas à prática que vivem no país em situação irregular não possam ser devidamente acompanhadas.

De acordo com as metas previstas na estratégia nacional para a igualdade, deveria ter sido entregue até ao final de 2019 um relatório de reformulação da Plataforma de Dados em Saúde (PDS), “integrando as recomendações produzidas no estudo de prevalência da MGF em Portugal”. Em resposta ao PÚBLICO, a secretaria de Estado para a Cidadania e Igualdade informou que a DGS decidiu dar prioridade à medida relacionada com a actualização da Orientação sobre MGF para profissionais de saúde, “calendarizada apenas para 2020, (...) relegando o relatório de reformulação da Plataforma de Dados em Saúde (PDS) para uma fase posterior.”

O PÚBLICO tenta desde Fevereiro saber, junto da DGS, em que ponto estão a actualização da orientação e o relatório de reformulação da PDS, sem resposta até ao momento. 

A área da saúde, contudo, ainda é uma das que mais tem visto avanços nesta área. Desde 2019, o projecto Práticas Saudáveis tem formado profissionais na região de Lisboa e Vale do Tejo. O projecto abrange neste momento dez localidades onde vivem comunidades afectadas, onde os serviços de saúde têm estabelecido protocolos de actuação e trabalhado em colaboração com ONG locais envolvidas no trabalho de combate a esta prática.