Os britânicos nunca caminharão sozinhos
Esta é a hora de dizer aos britânicos aturdidos pela pandemia e cada vez mais isolados do mundo que jamais caminharão sozinhos.
A canção You'll never walk alone (nunca caminharás sozinho, numa tradução livre) apareceu num filme britânico em 1945, ganhou fama numa versão pop de 1963 e tornou-se hino de vários clubes de futebol das ilhas e do mundo, com destaque para o Liverpool. Nestes dias sombrios, é bom que a União Europeia a dedique ao Reino Unido.
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A canção You'll never walk alone (nunca caminharás sozinho, numa tradução livre) apareceu num filme britânico em 1945, ganhou fama numa versão pop de 1963 e tornou-se hino de vários clubes de futebol das ilhas e do mundo, com destaque para o Liverpool. Nestes dias sombrios, é bom que a União Europeia a dedique ao Reino Unido.
Imaginemos o estado de espírito do país, mesmo que temperemos a imaginação com a bravura ou a arrogância que distinguem os britânicos: a nova estirpe do novo coronavírus isolou a capital, elevou o número de contágios para níveis recorde e agravou a ansiedade dos cidadãos; vários países decidiram isolar as ilhas, proibindo ligações aéreas ou exigindo controlos sanitários severos; a França impôs uma suspensão do trânsito entre as duas orlas do canal por 48 horas, provocando filas intermináveis de camiões; sem acordo para o pós-“Brexit” à vista, o Reino Unido está a dias de cortar laços comerciais com o seu principal parceiro, passando de um mercado livre para controlos nas fronteiras que ameaçam as cadeias de abastecimento e os fundamentos da economia.
Mesmo descontando o proverbial cinismo com que os franceses olham para o outro lado da Mancha, é impossível não concordar com o comissário europeu do mercado interno, Thierry Breton, quando afirma que a nova mutação do vírus é “uma tragédia” que poderia ser mitigada com o apoio europeu se a irresponsável loucura do “Brexit” não tivesse acontecido.
A frase foi associada ao plano europeu de 750 mil milhões de euros, mas é impossível não encontrar aqui outra leitura, essa bem menos consensual: fora da União, os britânicos deixaram de fazer parte de uma comunidade, passaram a ser estrangeiros e começaram a ser tratados como tal. Se o vírus mutante tivesse aparecido, por exemplo, na Bélgica, haveria um cordão sanitário como o que a UE montou em torno do Reino Unido?
Os britânicos sofrem os danos da irresponsabilidade dos seus líderes e da arrogância que os levou a escolher o “orgulhosamente sós” em detrimento da partilha de um destino comum e de um espaço de solidariedade possível na Europa. A recusa de Boris Johnson em prolongar mais uns dias o processo negocial para o pós-“Brexit” é apenas mais uma exibição dessa vaidade vã dos britânicos contra o resto da Europa.
Mas é nestes momentos críticos que se desenha o futuro. E o futuro da relação entre a União e o Reino Unido não pode contemplar espírito punitivo nem insensibilidade ao drama dos britânicos. Pelo contrário, esta é a hora de dizer aos britânicos aturdidos pela pandemia e cada vez mais isolados do mundo que jamais caminharão sozinhos.