Rui Moreira diz que acusação no caso Selminho é “uma peça de combate político”
O presidente da Câmara do Porto considera que a acusação que lhe imputa um crime de prevaricação é “ultrajante e infame”.
O presidente da Câmara do Porto considera que, no tempo em que surge assim como no conteúdo, a acusação do Ministério Público no caso Selminho “é uma peça de combate político”. O autarca abriu o período antes da ordem do dia da reunião de Câmara, esta segunda-feira de manhã, com uma reacção mais detalhada à decisão do MP, que lhe imputa um crime de prevaricação ao considerar que Moreira terá agido em conflito de interesses para tentar beneficiar a empresa de que ele e os seus irmãos são sócios, numa disputa que a Selminho vinha mantendo com o município sobre a capacidade de construção de um terreno na escarpa da Arrábida.
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O presidente da Câmara do Porto considera que, no tempo em que surge assim como no conteúdo, a acusação do Ministério Público no caso Selminho “é uma peça de combate político”. O autarca abriu o período antes da ordem do dia da reunião de Câmara, esta segunda-feira de manhã, com uma reacção mais detalhada à decisão do MP, que lhe imputa um crime de prevaricação ao considerar que Moreira terá agido em conflito de interesses para tentar beneficiar a empresa de que ele e os seus irmãos são sócios, numa disputa que a Selminho vinha mantendo com o município sobre a capacidade de construção de um terreno na escarpa da Arrábida.
"É preciso que se saiba do que sou acusado. É de conscientemente ter violado a lei, beneficiando a minha família e prejudicando a Câmara do Porto. Esta acusação é ultrajante e infame, porque assenta em conclusões falsas, surgindo no tempo e no conteúdo como uma peça de combate político. Quero deixar claro que é absolutamente falso e mentiroso que alguma vez tenha tido alguma intervenção enquanto presidente do município. Era preciso ser muito tolo para que, depois de me ter candidatado e recandidatado ao cargo que hoje ocupo, me colocasse numa posição tão frágil”, afirmou Moreira nos primeiros minutos da reunião, marcados pela discussão sobre este desenvolvimento do chamado caso Selminho.
A procuração
Ao chegar ao município, no final de 2013, Rui Moreira assinou uma procuração indicando os representantes legais do município num processo judicial que opunha a empresa de que era sócio à autarquia a que passara a presidir. Esta é uma das decisões que, para o MP, configura um conflito de interesses. Mas, segundo o autarca, “os advogados em causa patrocinaram o município neste processo já há muito tempo” e, por isso, garante que não lhe “passou pela cabeça substituí-las”, explicou Moreira, que oito meses depois dessa procuração acabou por se afastar deste processo, entregando-o à sua vice-presidente de então, Guilhermina Rego.
O autarca desvalorizou o resultado das diligências feitas naqueles primeiros meses. “Não soube na altura, mas soube entretanto que o resultado se resumiu a suspender esse processo” judicial, disse Moreira esta manhã. A questão é que a suspensão do processo judicial resultou de um acordo entre as partes cujos termos, na perspectiva do Ministério Público, teriam sido determinados por Moreira e que, nota a acusação, consubstanciou uma mudança na posição do município, que passou a admitir alterar a viabilidade construtiva daquela zona da escarpa.
O acordo
A zona de escarpa em causa tinha passado a ser área non aedificandi no Plano director Municipal de 2006 mas, nos termos daquele acordo, numa revisão do PDM que se previa ter terminado em 2016, a situação poderia ser revista ou, em contrapartida, o caso seria colocado perante um tribunal arbitral para decidir uma eventual indemnização à empresa, que avaliava o terreno em milhão e meio de euros. O caso teve contudo outro desfecho porque, no final de 2016, perante as notícias que iam saindo, um funcionário municipal descobriu que uma grande parte parte da parcela coincidia com um terreno municipal. No Verão de 2017, sob forte escrutínio público e político, que o autarca descrevia como “uma campanha suja”, o município avança com um processo judicial para reclamar a titularidade desse terreno, tendo ganho a causa na primeira instância e na relação, ainda em 2019, e no Supremo, já este ano.
“É público e notório que foi durante os meus mandatos que o diferendo entre o município e a Selminho ficou resolvido, numa acção favorável à Câmara do Porto. Reitero solenemente que desde que assumi as funções de presidente da Câmara do Porto não tenho qualquer intervenção directa ou indirecta no funcionamento da empresa Selminho. Esta acusação ofende o bom nome da então vice-presidente da câmara, insinuando que todos agiram contra os seus deveres funcionais manietados por mim. A então vice-presidente, Guilhermina Rego, exerceu sempre com empenho e idoneidade as suas funções e é absolutamente insuspeita de ter realizado qualquer acção contrária”, insistiu Rui Moreira esta manhã.
Duas investigações
O autarca lembrou que, na sequência desta polémica, a CDU apresentou uma denúncia ao Ministério Público. No Verão de 2017, submetido a um forte escrutínio que classificava, então como hoje, como “uma campanha difamatória”, chegou-lhe a notícia de que o MP não encontrara nada de ilícito na sua atitude mas a questão tinha sido analisada do ponto de vista dos eventuais ilícitos administrativos, e não do ponto de vista criminal. A PJ continuou a investigar o caso e a acusação agora conhecida é o resultado da avaliação que o Ministério Público faz ao trabalho da Judiciária que, entre outras diligências, fez buscas na Câmara do Porto, como o PÚBLICO noticiou.
“Com espanto e tristeza, fui notificado por uma acusação produzida por outros procuradores do MP, no âmbito de outro inquérito, que conclui, ao contrário da anterior investigação, pela acusação de prevaricação. Repudio os factos que me são imputados e a infundada fundamentação jurídica”, frisou Rui Moreira. Que, como qualquer cidadão poderá contestar, pedindo a abertura de instrução do processo antes de este seguir, ou não, para julgamento.
O autarca deu esta manhã a entender que o fará. “Ninguém está acima da lei, nem mesmo os políticos. Não é este o caminho para me afastarem do exercício cabal das minhas funções. Uma acusação tão absurda terá de ter a adequada resposta processual. Recuso ceder à demagogia e me afastar do exercício das minhas funções. Quando fui reeleito em 2017, esses factos foram amplamente escrutinados pela opinião pública. Na política, como na vida, não vale tudo”, insistiu.
Oposição pede respeito pela justiça
Neste período antes da ordem do dia da reunião de Câmara, a oposição tomou também posição sobre o caso. “Eu e o PS mantemos a total coerência com as diligências de 2017. Há uma acusação do MP, vivemos num estado de direito com separação de poderes, veremos o que resultará. Há uma vantagem no meio disto tudo para a cidade, o terreno tinha sido roubado à Câmara há algumas décadas, pelo menos voltou para a Câmara do Porto”, afirmou o vereador socialista Manuel Pizarro.
Já a comunista Ilda Figueiredo defendeu a vigilância com que a coligação de esquerda, na altura representado pelo vereador Pedro Carvalho, acompanhou o caso desde o primeiro momento. “Sei que houve uma participação ao Departamento de Investigação e Acção Penal pela CDU na sequência de um acordo extrajudicial entre o município e a Selminho, que não veio à Câmara. Foi nesse sentido que a CDU pediu que se averiguassem os factos e isto entretanto ficou nas mãos da justiça”. A autarca comunista não avançou com mais comentários a um processo que diz desconhecer e que está em segredo de justiça. “Teremos ainda muitos episódios em torno desta questão”, assinalou.
O social-democrata Álvaro Almeida insistiu na necessidade de separar a vertente política e judicial deste caso. “Sobre o processo jurídico em curso, digo o que diria sobre qualquer outro caso, espero que a justiça funcione. Sobre a questão política, o PSD foi um dos que levantou esta questão publicamente em 2017, considerou que havia falta de transparência sobre o processo e que era preciso defender os interesses da Câmara, e esses entretanto foram defendidos”, lembrou, referindo à recuperação do terreno por via da reclamação apresentada em tribunal e ganha pela autarquia.
"Veredicto foi dado em 2017"
Em defesa de Rui Moreira, o vice-presidente da Câmara, Filipe Araújo, afirmou que, nos últimos dias se sentiu de regresso a 2017, “altura em que o caso Selminho foi usado como arma de arremesso político. Temos de distinguir política e politiquice. Este caso teve como único propósito criar dúvidas sobre a forma de actuar do Dr. Rui Moreira e de estar na vida pública. Surgiram ataques à sua seriedade em cima das eleições, tentando obter vantagens eleitorais”.
Para Filipe Araújo, “Rui Moreira foi quem mais fez para que se resolvesse esta diligência entre a Câmara e a Selminho. Sou testemunha da sua visão, da sua independência e da sua idoneidade”, disse, secundado, neste argumento, pela vereadora Catarina Araújo. “Foi o município que reivindicou a propriedade desses terrenos, foi com o Dr. Rui Moreira que foi intentada uma acção judicial para recuperar esses terrenos. Foi com este presidente que foi efectuada toda a regularização predial destes terrenos”.
“Legalidade, imparcialidade, prossecução e defesa do interesse público, foi o que sempre aconteceu desde que Rui Moreira assumiu a presidência e desde que me encontro nestas funções”, acrescentou a autarca do movimento de Rui Moreira. Garantindo, ainda, que este “nunca interferiu neste processo nem com nenhum elemento dos serviços jurídicos, que sempre puderam trabalhar com total isenção, independência e sucesso. A única indicação que recebi do sr. presidente foi que deveria defender os interesses da autarquia”, frisou.
Antes, numa intervenção em que começou por afirmar ter respeito “pela separação de poderes”, o vereador do urbanismo considerara que “a máquina judicial parece ser vítima de instrumentalização política”. Na perspectiva de Pedro Baganha, “o veredicto dos cidadãos quanto a este processo já foi dado em 2017”, com a reeleição de Rui Moreira. “Nos sete anos que trabalhei com ele, não tenho dúvidas de que o que o move é amor absoluto e altruísta à cidade”, afirmou.
Acordo tem de ser anulado, pede o BE
Em reacção ao que se conhece dos desenvolvimentos do caso Selminho, o Bloco de Esquerda lembrou, esta segunda-feira, que também fez uma participação ao Ministério Público, em Junho de 2017, sobre este processo municipal. Essa participação aconteceu na sequência da Assembleia Municipal potestativa, que decorreu, a pedido do BE e do movimento de Rui Moreira, a 29 de Maio. O mesmo dia em que o PÚBLICO revelou os termos do acordo entre o município e a imobiliária da família Moreira.
Os bloquistas recordam que já então “consideraram muito grave que “no processo Selminho não tenham sido integralmente cumpridos”, pelo presidente da câmara, “os deveres a que os eleitos locais estão vinculados pelo Estatuto dos Eleitos Locais” e defenderam que o acordo deveria ser considerado “nulo e de nenhum feito” por ter ultrapassado competências no âmbito do PDM que seriam, argumentam, da Assembleia Municipal.
Aliás, acrescentam, “independentemente do desfecho do processo-crime em curso, está ainda por resolver a situação decorrente do acordo homologado por sentença do Tribunal administrativo e Fiscal de 10 de Julho de 2014, entre a Selminho e o Município do Porto, o qual prevê uma indemnização pelo município num valor superior a um milhão de euros. Para a necessária revisão da sentença (que se fundamentou, entre outras invalidades, no facto falso de que a propriedade dos terrenos era da Selminho), é indispensável a iniciativa processual do Ministério Público que, apesar das diligências dos eleitos municipais do BE, ainda não se concretizou”, explicam.
Noticia actualizada às 16h20 com a reacção do Bloco de Esquerda