A escolha responsável da vacina
É extremamente preocupante perceber que temos cidadãos que já decidiram não se vacinar. Invocando dois tipos de argumentos. Sobre os efeitos secundários desconhecidos destas vacinas, mas também o da liberdade de escolha.
Há quase um ano que o mundo vive com o SARS-CoV-2 e que o número de mortos não para de crescer. Esta evolução ajuda-nos a perceber porque é que encaramos e lidamos com o “risco” de maneira tão errática.
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Há quase um ano que o mundo vive com o SARS-CoV-2 e que o número de mortos não para de crescer. Esta evolução ajuda-nos a perceber porque é que encaramos e lidamos com o “risco” de maneira tão errática.
Duas ideias têm vindo a reforçar-se. Que o caminho do conhecimento afinal é demasiado lento. E que, na ausência de um consenso sólido sobre os mecanismos de contágio, as soluções políticas parecem arbitrárias. Ambas fazem aumentar sentimentos de impaciência e frustração com o protagonismo de tantos intervenientes nos mais variados setores.
É absolutamente crucial tentar perceber e contrariar estas duas ideias.
Desenhar e produzir uma nova molécula que estimule o nosso sistema imunitário o suficiente (nem demais nem de menos) para nos proteger deste novo vírus, e que não tenha efeitos secundários graves a longo prazo, leva tempo. Isso devia ser óbvio e devíamos é estar imensamente gratos às dezenas de milhares de voluntários que já se disponibilizaram para testar os novos fármacos. Conseguir várias vacinas em menos de um ano é absolutamente extraordinário. Para o HIV, que surgiu há 40 anos e que já infetou perto de 80 milhões e fez mais de 33 milhões de vítimas, ainda não temos vacina. No entanto, a vacina contra a “gripe” é redesenhada de forma eficaz todos os anos, e muitas outras continuam a proteger centenas de milhões de seres humanos por esse mundo fora.
Não é fácil lidar com a incerteza, e ao sermos convocados a agir, temos dúvidas sobre o que significa ser prudente. Batalhões de investigadores continuam a tentar perceber porque é que tantas pessoas são assintomáticas, outras exigem cuidados intensivos, e qual o nível de imunidade que adquirimos após a infeção. O programa de vacinação maciço que agora se inicia irá levantar novas perguntas, não só em relação à definição das prioridades, como à duração da imunidade adquirida.
Como seria de esperar, a evolução da pandemia continuará a depender da forma como os cidadãos e as instituições encaram as recomendações das entidades competentes. E teremos de tudo. Desde os que acham que elas são exageradas, irrealistas e até injustas, aos que acham que são insuficientes e demasiado permissivas. Não faltarão os comentadores que, explorando a ignorância, reforçam a ideia de que todas as opiniões são equivalentes. É, infelizmente, ainda muito cedo para termos uma ideia clara da fatura a ser paga em vidas humanas e em instabilidade social e económica.
Mas, a experiência acumulada mostra claramente que quanto mais rigorosas foram as estratégias de proteção impostas e seguidas, menor foram os contágios. Tudo indica que a vacinação será ainda mais eficaz nessa redução. Com o agravamento da situação a nível mundial, percebe-se a urgência do acesso a essa vacinação.
É extremamente preocupante perceber que temos cidadãos que já decidiram não se vacinar. Invocando dois tipos de argumentos. Sobre os efeitos secundários desconhecidos destas vacinas, mas também o da liberdade de escolha.
Não ignoram certamente que sem a vacina, não só arriscam a sua própria vida, como a de todos com quem contactam. Numa democracia, proibir alguém de comportamentos que ponham em risco a sua própria vida, é difícil. Mas sensibilizar para que não ponham em risco a vida (ou a saúde) dos outros é fundamental. A proibição de fumar em espaços públicos fechados é um bom exemplo. Os programas de vacinação infantil são outro exemplo.
A notícia falsa (e posteriormente desmentida), publicada numa revista científica prestigiada, de que certas vacinas provocavam autismo nas crianças teve como consequência o ressurgir de muitas doenças graves (e mortes) nas comunidades que deixaram de vacinar as suas crianças. Nenhum tratamento tem risco zero, e atualmente, a esmagadora maioria dos efeitos secundários dos medicamentos é conhecida antes de serem aprovados. Hoje, é praticamente inconcebível que uma vacina seja lançada no mercado europeu sem que o seu uso tenha sido comprovado seguro pelas entidades responsáveis.
O meu grande receio é o de um possível “mercado negro” de falsas vacinas que serão divulgadas nas redes sociais.
O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico