Covid-19: O esquecimento dos doentes de risco com menos de 50 anos no plano de vacinação
Na coordenação da task force portuguesa para a vacinação da covid-19 só estão presentes três elementos técnico-científicos. Não sabemos o que foi discutido. Dada a opacidade do processo, é urgente iniciar em fórum público uma discussão transparente.
A task force para a definição do Plano de Vacinação da Covid-19 em Portugal foi criada pelo Despacho nº 11737/2020, de 26 de Novembro, e apresentou já uma versão inicial do plano. No entanto, a task force reconhece que uma versão mais detalhada do plano terá de ser apresentada no prazo máximo de 30 dias após a sua criação.
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A task force para a definição do Plano de Vacinação da Covid-19 em Portugal foi criada pelo Despacho nº 11737/2020, de 26 de Novembro, e apresentou já uma versão inicial do plano. No entanto, a task force reconhece que uma versão mais detalhada do plano terá de ser apresentada no prazo máximo de 30 dias após a sua criação.
É fácil perceber que dada a complexidade clínica, ética e logística para definir a estratégia de vacinação e os grupos prioritários, este documento terá de ser discutido e modificado várias vezes durante os próximos meses. Este facto foi realçado recentemente pela directora do Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças, Andrea Ammon, que alertou para a provável necessidade de se rever a prioridade dos grupos de risco que serão abrangidos na primeira fase de vacinação, dada a hipótese de escassez de vacinas contra a covid-19.
É muito surpreendente por isso a escassa discussão pública sobre o plano, do ponto de vista clínico ou técnico. Nos Estados Unidos, os grupos prioritários são definidos pelo Advisory Committee on Immunization Practices (ACIP) 3 dos Centros para Controlo e Prevenção de Doenças (CDC). Esta comissão é constituída por 15 membros com direito a voto, peritos em imunologia, vacinas, medicina interna, pediatria, medicina familiar, saúde pública, doenças infecciosas e enfermagem. Participam ainda 30 representantes de várias associações e sociedades médicas. As reuniões são públicas. Os votos são públicos.
No núcleo de coordenação da task force portuguesa estão apenas presentes três elementos técnico-científicos: o coordenador Dr. Francisco Ramos, um representante da Direcção-Geral da saúde (DGS), e um representante do Infarmed. Não sabemos o que foi discutido, nem se mais alguém contribuiu para a prioritização dos grupos de risco. Dada a opacidade do processo, é urgente iniciar em fórum público uma discussão transparente, baseada em evidência científica, sobre como ajustar ou melhorar o plano preliminar.
Nesta versão do plano todos os doentes crónicos com menos de 50 anos são completamente esquecidos e apenas incluídos na terceira fase de vacinação, juntamente com todos os cidadãos sem qualquer prioridade. Essa opção não tem qualquer fundamentação científica. Em Portugal, as comorbilidades que foram associadas a maior risco relativo de internamento em unidades de cuidados intensivos foram a doença cardíaca, as imunodeficiências, a doença renal, e a doença pulmonar crónica. Mas pouco sabemos sobre as diferenças de risco para pessoas de diferentes idades dentro destes grupos. Por exemplo, não existem dados que mostrem que um doente com 40 anos e doença coronária severa, proposto para a fase 3, tenha menos risco do que uma pessoa com 51 anos e hipertensão arterial, que é incluída na fase 2 de vacinação. Muito menos que um doente transplantado renal, com 20 anos de idade e imunossuprimido (fase 3) tenha menos risco de contrair covid-19 e ter doença severa que uma pessoa com 51 anos e doença renal crónica, mas sem diminuição acentuada da taxa de filtração glomerular (TFG>60 ml/min) (fase 2).
Estes são apenas exemplos de muitas questões clínicas complexas que se levantam com a actual da estratégia de vacinação. Uma solução seria, dentro dos grupos com elevado risco, não excluir doentes com base na idade. Em suporte desta solução, uma análise de todos os planos preliminares, publicada pelo Centro Europeu de Prevenção e Controlo das Doenças (ECDC), mostra que 29 de 31 países europeus (94%) consideram prioritária a vacinação dos grupos de risco elevado independentemente da idade. Não há razão para Portugal ser uma excepção.
O primeiro-ministro António Costa também foi extremamente claro ao afirmar que a idade não pode ser factor de exclusão, quando inicialmente se considerou excluir os maiores de 75 anos. Também agora é preciso ter a mesma determinação para afirmar que a idade não pode ser factor de exclusão para doentes crónicos severos. Não só por critérios éticos, mas essencialmente por critérios técnicos e científicos. A Ordem dos Médicos caracteriza muito bem a questão indicando que é preciso “reforçar a importância da equidade para vacinar primeiro quem mais beneficia em termos de gravidade e risco de exposição e transmissão, bem como o respeito pela fundamentação técnico-científica assente numa comunicação responsável e coerente. É urgente que a classe médica, seja a título individual, ou através das suas associações, contribua para a optimização da estratégia de vacinação. É também preciso que a task force mantenha a abertura para melhorar o plano.
Dada a escassez de vacinas, e embora se reconheça a importância de incluir profissionais das forças armadas e de segurança na primeira fase, pode ser preciso redefinir o que são serviços críticos neste grupo. Estou certo de que alguns destes profissionais, seguindo o exemplo do general Ramalho Eanes que disse que, caso fosse necessário, cederia o ventilador a uma pessoa mais jovem, não hesitarão em esperar mais alguns meses para permitir que doentes com elevado risco de hospitalização e mortalidade por covid-19 sejam vacinados mais cedo. Caso esses profissionais não integrem os grupos de maior risco para covid-19 severa.
As opiniões neste artigo são expressas a título individual e não reflectem qualquer perspectiva da instituição a que o autor se encontra afiliado