PAN quer que políticos declarem filiações na Maçonaria

Proposta foi criticada por ter natureza facultativa e indefinição de conceitos, mas vai ser discutida em comissão.

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André Silva mostrou-se disponível para acolher as propostas de melhoria do diploma LUSA/MIGUEL A. LOPES

A bancada do PAN propõe que os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos possam declarar filiação em organizações maçónicas. Mas o preenchimento desse novo campo no registo de interesses seria facultativo, uma natureza que foi amplamente criticada pelas restantes bancadas no debate parlamentar desta sexta-feira de manhã. O projecto de lei baixou à comissão sem votação.

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A bancada do PAN propõe que os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos possam declarar filiação em organizações maçónicas. Mas o preenchimento desse novo campo no registo de interesses seria facultativo, uma natureza que foi amplamente criticada pelas restantes bancadas no debate parlamentar desta sexta-feira de manhã. O projecto de lei baixou à comissão sem votação.

Na apresentação da proposta, o líder da bancada do PAN, André Silva, argumentou que a “legislação em vigor é um convite à indiferença” já que há um campo em aberto que permite declarar incompatibilidades e impedimentos, uma formulação que faz com que esse espaço “acabe por ficar vazio e não mencionar a filiação maçónica”.

Já a natureza facultativa do preenchimento do novo campo na declaração de interesses foi justificada com a intenção de não sobrecarregar com novas competências a Entidade da Transparência. André Silva lembrou nomes da Maçonaria como António Arnaut e Mário Martin Guia por defenderem a revelação voluntária da filiação maçónica.

Mas se na sua intervenção, o líder da bancada do PAN se referiu por várias vezes a filiações maçónicas, já o texto da alteração à lei é mais genérico, referindo-se à “filiação ou ligação com associações ou organizações que exijam aos seus aderentes a prestação de promessas de fidelidade ou que, pelo seu secretismo, não assegurem a plena transparência sobre a participação dos seus associados”. E foi esta solução que vários partidos criticaram.

O bloquista José Manuel Pureza considerou que “o conceito de sociedades discretas é um eufemismo para falar de Maçonaria e Opus Dei”, defendendo que a proposta revela assim “falta de ambição”. Já João Cotrim de Figueiredo questionou a abrangência do conceito: “São juras de amigos?”.

André Ventura, do Chega, partilhou das dúvidas sobre a definição de sociedades discretas mas colocou a tónica no carácter facultativo para concluir que o “projecto é inócuo”. A mesma conclusão é partilhada pelo líder da bancada do PCP, João Oliveira, que considerou que a iniciativa “é como o ‘Melhoral’, não faz bem nem faz mal”. O deputado comunista contestou, no entanto, a ideia de que, na actual interpretação da lei, a opção de preenchimento seja facultativa, referindo que ele se cinge à declaração de “incompatibilidades e impedimentos”. Acima de tudo, João Oliveira identifica um problema de “eficácia” por não ficar claro que entidades são visadas, abrindo a porta a que também sejam declaradas filiações em associações “animalistas”.

O mesmo problema foi apontado pelo líder da bancada parlamentar do CDS. “Quem faz parte não diz – pela natureza secreta, quem não faz parte – que é o meu caso – não sabe o que se passa lá dentro”, afirmou Telmo Correia, embora tenha considerado a iniciativa do PAN “louvável”. Em jeito de brincadeira e respondendo a João Cotrim de Figueiredo que disse só usar “avental na cozinha”, Telmo Correia disse: “Eu nem isso. Mas por falta de talento”.

Mais crítico sobre o projecto do PAN, o socialista Pedro Delgado Alves trouxe a lume o mesmo argumento de outras bancadas sobre o carácter redutor das organizações visadas. “Se o objectivo é pôr tudo a nu então esta peca por defeito. Onde estão as referências à associação clubística? Se é tudo transparente, então que se assuma com coerência”, disse, defendendo que o que pode estar em causa é um “conflito de interesses” e que isso a lei já permite declarar.

Apontando a definição do conceito como “um problema”, o deputado considerou que não se pode “caricaturar a transparência com iniciativas que são inócuas”.

O carácter facultativo foi o principal defeito apontado pelo social-democrata André Coelho Lima. “Para o PSD só faz sentido a aprovação do diploma se for obrigatória. Pode contrariar a natureza secreta das organizações? É verdade, mas essa natureza não pode servir de escudo aos seus membros”, disse o deputado, citando o parecer favorável do constitucionalista Jorge Miranda sobre o diploma. André Coelho Lima citou ainda pareceres favoráveis da Associação Sindical de Juízes e do Conselho Superior da Magistratura.

José Luís Ferreira, do PEV, também incidiu na natureza do novo campo de preenchimento. “Actualmente essa referência é facultativa, e com esta proposta facultativa continua. O que faz é alterar a forma”, disse o deputado, expressando assim as suas “reservas” sobre a iniciativa.

Pedro Delgado Alves disse mesmo que a bancada não iria acompanhar a proposta mas acabou por não ser votada. Foi apenas aprovado um requerimento para que possa ser discutido em comissão nos próximos 60 dias. No final do debate, André Silva mostrou-se disponível para acolher as propostas dos demais partidos, incluindo as referências a associações ambientalistas e animalistas.