Menores acolhidos. “Não é por causa da pandemia que crianças não devem ir a casa no Natal”, diz Rosário Farmhouse
Em causa está decisão de juíza que proibiu deslocações a casa no Natal. A Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens não tem recebido pedidos de esclarecimento sobre o que fazer no Natal e na passagem de ano, mas recebeu nas férias de Verão.
Rosário Farmhouse, presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, não comenta decisões judiciais, mas extrajudiciais, isto é, as tomadas pelas comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ). E a essas estruturas de carácter local quer dizer que “não é por causa da pandemia que as crianças não devem ir a casa no Natal”.
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Rosário Farmhouse, presidente da Comissão Nacional de Promoção dos Direitos e Protecção das Crianças e Jovens, não comenta decisões judiciais, mas extrajudiciais, isto é, as tomadas pelas comissões de protecção de crianças e jovens (CPCJ). E a essas estruturas de carácter local quer dizer que “não é por causa da pandemia que as crianças não devem ir a casa no Natal”.
O alerta foi lançado pela AjudAjudar – Associação para a promoção dos direitos das crianças e jovens, nascida em plena pandemia. Há crianças e jovens acolhidas por instituições que passam fins-de-semana com familiares e, em nome da prevenção da propagação de covid-19, foram proibidas de ir a casa nas festas.
Uma juíza do Tribunal de Oliveira do Bairro estará a tomar decisão semelhante em todos os pedidos que lhe vão chegando. O PÚBLICO confirmou onze até agora. O método repete-se. O Ministério Público propõe que se indefira, invocando o “contexto pandémico”, o “estado de emergência”, “o risco sério de surgirem casos de covid-19 em casas de acolhimento, caso os jovens e as crianças se desloquem para diferentes pontos do país e se encontrem com familiares e amigos”. A juíza afirma que concorda, “na íntegra”, e indefere o pedido apresentado pela família.
Actualmente, são cerca de sete mil as crianças e jovens retiradas às famílias e postas à guarda de instituições. Esta que é a mais gravosa medida de protecção é tomada por CPCJ ou tribunais de família e menores, sobretudo, quando o rapaz ou rapariga vive entregue a si próprio, não recebe os cuidados adequados, sofre maus tratos físicos ou psíquicos ou é vítima de abusos sexuais.
“Nem todas as famílias biológicas têm condições para receber a criança ao fim-de-semana ou nas férias”, lembra Rosário Farmhouse. A decisão é tomada com base na situação de cada criança ou jovem. Os convívios podem ser definidos à partida, conquistados progressivamente ou nunca.
A Comissão Nacional não tem recebido pedidos de esclarecimento sobre o que fazer no Natal e na passagem de ano. As estruturas locais colocaram esse tipo de dúvidas nas férias de Verão. Naquela altura, houve um grande protesto porque a própria Direcção Geral de Saúde emitira uma norma que equiparava estas crianças e jovens aos idosos residentes em lares, forçando quarentenas mesmo com teste negativo de covid-19.
“A pandemia não pode ser desculpa para alterar a dinâmica da criança”, diz aquela responsável. “Se já tinha a possibilidade de estar com a família ao fim-de-semana, nas férias, também deve estar no Natal”, prossegue. “Tem é de ter cuidado, como todos, nos reencontros familiares.”
Se a criança ou jovem não tinha convívio regular com a família e esta o pede, há que analisar o contexto concreto, a dinâmica familiar concreta. “O superior interesse da criança deve ser o centro.” As decisões por atacado não lhe parecem apropriadas. “Cada caso deve ser visto individualmente”, reitera. “Há crianças que não têm condições para estar com a família nesta altura ou noutra e há crianças que têm e não há razões para não estarem.”
A juíza não quis prestar declarações, alegando o dever de reserva. Manuel Ramos Soares, presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, tão-pouco. Lembrado de que a decisão tem por base não uma análise caso a caso, mas uma posição sobre prevenção de surtos de covid-19 nas casas de acolhimento, colocando as crianças com processo naquele tribunal numa situação de desigualdade, aquele dirigente diz apenas que “a existência de decisões contraditórias não é anormal”. Para a insatisfação há o recurso. O Conselho Superior de Magistratura também se escusa a comentar, lembrando que os magistrados têm independência e que quem discorda de alguma decisão só tem um caminho: recorrer ao tribunal superior.
Já não dá tempo para recorrer aos tribunais superiores. Há quem tenha pedido ao Tribunal de Oliveira do Bairro para reconsiderar a decisão. E as casas têm as suas estratégias, como diz João Pedro Gaspar, investigador e coordenador da Plataforma de Apoio a Jovens Ex-Acolhidos e membro da AjudAjudar. Umas não perguntam. Outras podem tentar dar a volta à decisão, já que o Natal calha perto de um fim-de-semana.