Queda do nível dos alunos em Matemática
Estaremos forçados a desistir de melhorar, eliminando os poucos meios de demonstração do bom trabalho que se faz em muitas escolas?
Serenem os leitores, este título não se refere a Portugal. Não existe e nunca existiu entre nós um sistema de aferição dos conhecimentos adquiridos pelos alunos que permita comparações interanuais fiáveis. O melhor que temos é o resultado de estudos internacionais como o PISA, o TIMSS ou o PIRLS e todos recordamos como foram recebidos com muitas reservas.
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Serenem os leitores, este título não se refere a Portugal. Não existe e nunca existiu entre nós um sistema de aferição dos conhecimentos adquiridos pelos alunos que permita comparações interanuais fiáveis. O melhor que temos é o resultado de estudos internacionais como o PISA, o TIMSS ou o PIRLS e todos recordamos como foram recebidos com muitas reservas.
A afirmação em título é do jornal Le Monde de 1 de outubro passado e refere-se ao relatório publicado pelo Ministério da Educação Nacional, da Juventude e dos Desportos: Cedre 2008-2014-2019 Mathématiques en fin de collège: des résultats en baisse. Um tal relatório seria atualmente impensável em Portugal e nem é necessária uma intervenção política porque todos os dirigentes da nossa administração pública (e alguns jornalistas) conhecem as consequências da eventual divulgação de uma notícia desagradável. Todos sabem que lugar ocupam e o que se espera que digam ou escrevam. Quase todos. Os franceses têm ainda muito que aprender.
Em França, a agência estatística do Ministério da Educação publica sem escândalo nem castigo esta Nota Informativa n.º 20.34, de setembro de 2020, que se refere ao mais recente de uma série de estudos regulares dos resultados das aprendizagens dos alunos no termo do 1.º ciclo (aos 11 anos) e do 2.º ciclo (aos 15 anos). Depois de uma avaliação cuidadosamente aferida para ser comparável, a mensagem desta Nota Informativa é muito clara ao concluir que houve uma baixa entre 2008 e 2014 e que a situação se agravou em 2019. Note-se que o estudo inclui as escolas estatais e as privadas com contrato de financiamento estatal. (O ensino privado abrange mais de dois milhões de alunos, 20% do total, a maioria em cerca de 9000 escolas católicas, das quais 7300 têm contrato de financiamento. As escolas judias recebem cerca de 30.000 alunos e as islâmicas cerca de 2000.)
Os poucos exames nacionais que sobrevivem hoje em Portugal são organizados pelo IAVE, um instituto público que deveria ser independente e que tem dificuldade em elaborar provas comparáveis de ano para ano, sendo bem conhecidas as enormes variações que nunca foram explicadas nem interpretadas. Aceitam-se oscilações das médias superiores a 2 valores em anos sucessivos. E não me refiro ao ano corrente porque a pandemia tudo justifica, até notas totalmente desalinhadas para empurrar mais jovens para uma licenciatura, independentemente da sua preparação nas disciplinas nucleares.
Infelizmente para a França, os estudos internacionais confirmam o mal detetado pelo estudo nacional, mas são estes estudos nacionais detalhados e a sua análise cuidada que permitem planear as reformas corretivas com que os franceses esperam mudar o rumo dos últimos anos. Em Portugal, a queda no TIMSS 2019 levou-nos para uma posição próxima da francesa, mas o Ministério da Educação entrou em estado de negação, o que confirma que as más notícias nunca serão aceites e que a política educativa não será reorientada para recuperarmos o caminho de melhoria dos últimos 20 anos. O Governo dá sinal de querer reforçar ainda mais a queda da aprendizagem dos nossos alunos.
Em Portugal temos ainda 25% dos nossos jovens de 25 a 34 anos sem o ensino secundário (OCDE, Education at a Glance, 2020) e há uma corrente forte de oposição aos exames. Apenas metade dos alunos que concluem o ensino secundário o fazem pela via, dita (impropriamente) regular, com exames finais nacionais em algumas disciplinas. A outra metade obtém o diploma sem nenhuma prova nacional comparável que nos permita aferir os conhecimentos adquiridos e as capacidades desenvolvidas, mas ninguém se preocupa, talvez por ser a metade socialmente mais frágil.
Não teria de ser assim. A Irlanda tem já 91% dos jovens de 25 a 34 anos com o ensino secundário e todos estes fizeram provas nacionais que permitem aferir o seu progresso escolar e o trabalho das escolas com os diversos segmentos de uma população escolar naturalmente heterogénea. Estaremos forçados a desistir de melhorar e até abertos a regredir, eliminando os poucos meios de demonstração do bom trabalho que se faz em muitas escolas e assim acabando com os incentivos a que todas melhorem?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico