Duas décadas depois da morte de Sampedro, Espanha aprova a eutanásia
Diploma foi aprovado pelo Congresso dos Deputados, com apoio da esquerda e do Cidadãos, e oposição da direita e extrema-direita. Regime tem mais garantias que em outros países.
O Congresso dos Deputados de Espanha aprovou esta quinta-feira uma lei que viabiliza e regula a eutanásia e o suicídio assistido. Numa das sociedades mais católicas da Europa, o tema é fracturante. Para trás ficaram quatro tentativas de aprovação falhadas nos últimos anos.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
O Congresso dos Deputados de Espanha aprovou esta quinta-feira uma lei que viabiliza e regula a eutanásia e o suicídio assistido. Numa das sociedades mais católicas da Europa, o tema é fracturante. Para trás ficaram quatro tentativas de aprovação falhadas nos últimos anos.
Os espanhóis passam a estar mais perto de poderem requerer a eutanásia ou o suicídio assistido, em casos de “doença, grave, crónica e incapacitante, ou doença grave e incurável, causadoras de um sofrimento intolerável”, de acordo com a lei aprovada.
A proposta recolheu o apoio de 198 deputados, a rejeição de 138 e duas abstenções. Aos partidos que integram o Governo – o Partido Socialista (PSOE) e o Unidas Podemos (UP) – juntaram-se outras formações de esquerda, como os independentistas catalães da ERC e da CUP, mas também o Cidadãos, de direita, reforçando o respaldo político à medida.
A oposição ficou cingida aos conservadores do Partido Popular (PP), à extrema-direita do Vox e também ao partido regional União do Povo Navarro.
O ministro da Saúde, Salvador Illa, saudou a aprovação da lei da eutanásia, que descreveu como um “pedido transversal da sociedade”. A deputada do PSOE e principal promotora do diploma, María Luisa Carcedo, disse que Espanha dispõe agora de “um instrumento para pôr ao serviço de um projecto humanizador”.
O porta-voz do descontentamento da direita foi o deputado do PP, José Ignacio Echániz, que descreveu a lei como “inconstitucional, inoportuna, frívola, trapalhona e injusta”. Já a deputada do Vox, Lourdes Méndez-Monasterio, disse que a aprovação da lei vai permitir a instalação da “indústria da morte” em Espanha e lamentou a coincidência do voto com o momento em que “o mundo vai celebrar o nascimento do filho de Deus”.
A luta pela eutanásia em Espanha está intimamente ligada à figura de Ramón Sampedro, que durante mais de vinte anos foi o principal rosto a favor da morte assistida no país e cuja memória foi saudada no Congresso esta quinta-feira. Em Janeiro, assinalam-se 23 anos da sua morte, que inspirou o filme Mar Adentro.
A lei agora aprovada oferece várias garantias para prevenir potenciais abusos, mostrando como o tema é sensível na sociedade espanhola.
O paciente tem de passar por um longo processo em que deve confirmar, em pelo menos quatro ocasiões, a intenção de terminar a sua vida, duas das quais por escrito. A autorização para o processo se iniciar cabe a uma “comissão de avaliação”, composta por médicos e juristas. Esta é a principal diferença face ao regime de eutanásia noutros países europeus, como a Holanda ou a Bélgica, que permite que a morte assistida seja aprovada pelo médico do paciente com a aprovação de outros dois especialistas.
O diploma vai ser debatido no Senado, onde pode sofrer alterações, e deverá entrar em vigor três meses depois, provavelmente em Março ou Abril.