Morreu a cantora cabo-verdiana Celina Pereira
Revelada em 1979 pelo single Bobista, nha terra, só se estrearia em álbum sete anos depois. Estava radicada em Portugal há décadas.
A cantora cabo-verdiana Celina Pereira morreu esta quinta-feira em Lisboa, onde residia, vítima de doença, confirmou à agência Lusa o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, Abraão Vicente.
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A cantora cabo-verdiana Celina Pereira morreu esta quinta-feira em Lisboa, onde residia, vítima de doença, confirmou à agência Lusa o ministro da Cultura e das Indústrias Criativas de Cabo Verde, Abraão Vicente.
Natural da ilha cabo-verdiana da Boavista, sobrinha de Aristides Pereira, primeiro Presidente de Cabo Verde, Celina Pereira viu o seu primeiro single Bobista, nha terra/Oh, boy! editado em 1979, mas só em 1986 lançou o primeiro disco Força di Cretcheu ("Força do Meu Amor"), com arranjos e direcção musical de Paulino Vieira, que inclui histórias e cantigas de roda, brincadeira, casamento e trabalho. Seguiram-se depois Estória, Estória... No Arquipélago das Maravilhas (1990), Nós Tradição (1993), Harpejos e Gorjeios (1998) e Estória, Estória... do Tambor a Blimundo (2004). O seu último álbum, lançado em Abril do ano passado, intitulou-se Areias Mornas de Bubista.
Da Boavista ao Mindelo
Cantora mas também educadora, contadora de estórias e escritora, como se lê na sua biografia, Celina Pereira foi condecorada em 2003 com a medalha de mérito (grau comendadora) pelo Presidente português, Jorge Sampaio, pelo seu trabalho na área da educação e da cultura cabo-verdiana. E em 2014 foi galardoada com o Prémio Carreira na quarta edição dos Cabo Verde Music Awards (CVMA), um dos vários prémios que recebeu ao longo da sua carreira.
Nascida há 75 anos, herdou da família veia artística, já que o seu avô paterno, pai de 17 filhos e padre católico, era filólogo, poeta, músico e pintor. Com seis anos de idade, Celina mudou-se com a família da Boavista para a ilha de S. Vicente, começando aí a cantar aos 8 anos, como solista de orfeão na igreja protestante. E foi também em S. Vicente que começou a cantar na noite, pela mão do músico e compositor Humbertona, nos saraus do Éden Park, no Mindelo, com o conjunto Ritmos Caboverdianos. O que lhe valeu passar a ser convidada por Bana (1932-2013), um dos expoentes da música cabo-verdiana, para os seus próprios espectáculos.
Em Portugal, para onde se mudou definitivamente em 1970, depois de ter estudado em Viseu na década de 1960, estreou-se na televisão no programa Arroz Doce, de Júlio Isidro, por ocasião do lançamento do disco Mar Azul - Cantá Mudjers, uma gravação a várias vozes resultante do Festival de Vozes Femininas na Cidade da Praia, em Março de 1985. Foi a partir daí que a sua carreira teve maior impulso, não só na gravação de discos a solo como no trabalho com outros músicos, de várias nacionalidades.
No seu disco Harpejos e Gorjeios gravou uma morna (Bejo de sodade) com o fadista Carlos Zel, colaborou com o cantor brasileiro Martinho da Vila no disco Lusofonia, editado no ano 2000 (cantando com ele Nutridinha do Sal) e com o italiano Mariano Deidda no disco Deidda Interpreta Pessoa (de 2001), só com poesia de Fernando Pessoa. Isto entre muitas outras colaborações.
Uma alma cheia de luz e arte
Como escritora e contadora de estórias, o seu derradeiro trabalho foi o livro A sereia Mánina e os seus sapatos vermelhos, lançado em Lisboa no dia 8 de Novembro de 2018 na sede da UCCLA (União das Cidades Capitais de Língua Portuguesa), numa edição bilingue, em português e crioulo, e com tradução em braille. No prefácio, assinado por Lígia Dias Fonseca (primeira dama de Cabo Verde), podia ler-se: “Uma alma cheia de luz e arte ilumina muitos outros caminhos, junta povos, congrega pessoas diferentes, com necessidades especiais outras, numa vontade de tocar todos os corações. Assim é Celina Pereira.”
E no posfácio, assinado por Manuela Jorge Soares de Brito, havia este retrato (perfeito) de Celina: “É verdadeiramente pioneira e quase única no seu género de expressão artística, de cantar e contar. No seu conto/canto quase tudo tem lugar, procurando coisas perdidas na nossa memória colectiva nas mornas, fado, samba, coladeira, cantigas de roda, cantigas de ninar, colá, contradança, mazurca, galope, funaná, etc, tornando-a numa divulgadora por excelência dos géneros musicais de Cabo Verde.”