Covid-19: investir na literacia em saúde para promover a vacinação
As medidas que se tomarem agora em relação à comunicação de risco em saúde em torno da questão das vacinas poderão ditar o sucesso, ou não, da estratégia de vacinação, e travar cenários dominados por rumores e desinformação.
Soube-se por estes dias que a Agência Europeia do Medicamento poderá aprovar a primeira vacina contra a covid-19 ainda em Dezembro, o que pode antecipar a época vacinal em Portugal e permitir que os primeiros “contemplados” recebam a vacina em 2020. Entretanto, uma sondagem feita pela Universidade Católica dá conta de que apenas cerca de 60% dos portugueses estará receptivo a receber a vacina assim que esta estiver disponível.
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Soube-se por estes dias que a Agência Europeia do Medicamento poderá aprovar a primeira vacina contra a covid-19 ainda em Dezembro, o que pode antecipar a época vacinal em Portugal e permitir que os primeiros “contemplados” recebam a vacina em 2020. Entretanto, uma sondagem feita pela Universidade Católica dá conta de que apenas cerca de 60% dos portugueses estará receptivo a receber a vacina assim que esta estiver disponível.
Apesar de todas as movimentações políticas em torno do início do plano de vacinação contra a covid-19, o presidente da associação das Unidades de Saúde Familiar, que representa as estruturas do SNS onde as vacinas deverão ser administradas, diz ter pouca ou nenhuma informação sobre a operação. Ao que parece, não foram ainda identificadas, a nível local, as pessoas a incluir na primeira fase de vacinação, nem se sabe o que irá acontecer aos profissionais de saúde que recusem vacinar-se. Embora, tradicionalmente, Portugal seja um país com elevadas taxas de vacinação, e com uma reduzida expressão de grupos anti-vacinas e de hesitação ou recusa em relação à vacinação, a verdade é que a pandemia que estamos a atravessar é singular e tem gerado inúmeros desafios, quer aos especialistas quer aos decisores políticos.
A este respeito, Heidi Larson, responsável pelo Projecto Confiança na Vacina, afirmava há dias que a Europa é a região do globo mais céptica em relação a vacinas – e isto inclui a vacinação contra a covid-19. Esta especialista tem-se dedicado a estudar os impactos que os rumores podem ter na confiança das pessoas relativamente aos sistemas de saúde, e especialmente nas políticas de vacinação. Larson alerta para a existência dos grupos anti-vacinas, que diz serem muito eficazes na forma como operam. A hesitação vacinal, que pode ser definida como a relutância ou recusa relativamente à vacinação, apesar da disponibilização de vacinas, tem sido amplamente estudada. A própria Organização Mundial de Saúde reconhece que esta é uma das maiores ameaças à saúde global. A questão da vacinação é certamente um dos maiores desafios da comunicação de risco em saúde durante esta pandemia.
É preciso não esquecer que o aparecimento de um novo vírus, no início do ano, gerou uma circulação de informação de saúde sem precedentes. Esta foi a primeira pandemia quase transmitida em directo pelos media e, sobretudo, pelas redes sociais. Também o consumo de notícias aumentou de forma extraordinária. Com isto aumentou também a circulação de notícias falsas e de desinformação, amplificada pelas redes sociais. Este tipo de conteúdo preenche um vazio de informação e reconhece, geralmente, as preocupações das pessoas, para além de prejudicar a contenção do vírus e poder promover medidas de prevenção ineficazes. Percebe-se, portanto, que é fundamental existir uma comunicação de risco em saúde que reconheça estas dificuldades e encontre estratégias para as eliminar.
A preparação da época vacinal, primeiro contra a gripe sazonal e depois contra a covid-19, teria sido uma boa oportunidade para se investir na literacia em saúde. A literacia em saúde é o processo através do qual as pessoas obtêm, compreendem e comunicam sobre informação de saúde de forma a conseguirem tomar decisões informadas. Os estudos mostram que uma percentagem significativa da população portuguesa tem níveis de literacia em saúde inadequados ou problemáticos. As dificuldades aumentam quando olhamos para as populações mais vulneráveis, como os idosos ou doentes crónicos, precisamente aqueles que têm vindo a ser identificados como grupos prioritários para a administração das vacinas contra a covid-19.
Ora, esta realidade não pode ser menosprezada e deveria impulsionar uma estratégia de comunicação de risco em saúde direccionada a determinados grupos da população. Importa ainda sublinhar que os profissionais de saúde não são imunes à iliteracia, e poderão eles próprios ter dificuldades em processar e compreender as informações relacionadas com as vacinas contra a covid-19 – que, não esqueçamos, é um assunto altamente complexo e que envolve uma grande quantidade de informação. Esperar-se-ia que estas dificuldades fossem antecipadas, nomeadamente através de formação e disponibilização de informação útil, clara e muito precisa junto dos profissionais de saúde. As medidas que se tomarem agora em relação à comunicação de risco em saúde em torno da questão das vacinas poderão ditar o sucesso, ou não, da estratégia de vacinação, e travar cenários dominados por rumores e desinformação.