A clareza de Eduardo Cabrita
O que parece indesmentível é o clamor legítimo pela cabeça política de Eduardo Cabrita. Em nome do mínimo de decência num Estado que matou quem lhe estava entregue. Pela indignidade de não ter uma palavra com a família da vítima. Saia, senhor ministro. Com clareza, sem clareza, mas saia!
Na última semana, no programa da SIC “Eixo do Mal”, ainda no rescaldo das declarações delirantes do ministro da Administração Interna, Clara Ferreira Alves afirmou que tínhamos acabado de assistir a uma ministro que já estava demitido, a um morto político. Confesso que também fiz essa leitura. Não era, pensei, possível que o ministro continuasse depois do que disse. Estava, efectivamente, morto. Mais eis senão quando surgem dois necromantes, e reavivam o morto. António Costa, que reiterou ter confiança no MAI, e Augusto Santos Silva, que lhe louvou a clareza.
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Na última semana, no programa da SIC “Eixo do Mal”, ainda no rescaldo das declarações delirantes do ministro da Administração Interna, Clara Ferreira Alves afirmou que tínhamos acabado de assistir a uma ministro que já estava demitido, a um morto político. Confesso que também fiz essa leitura. Não era, pensei, possível que o ministro continuasse depois do que disse. Estava, efectivamente, morto. Mais eis senão quando surgem dois necromantes, e reavivam o morto. António Costa, que reiterou ter confiança no MAI, e Augusto Santos Silva, que lhe louvou a clareza.
Ora, se parece não haver dúvida que Eduardo Cabrita foi claro, não parece que aquilo que transmitiu com a sua clareza seja louvável, antes pelo contrário. Em tom indignado (a roçar o grosseiro, como é seu apanágio), Eduardo Cabrita puxou de galões na defesa dos direitos humanos, afirmou ter agido imediata e decisivamente logo após a morte de Ihor Homenyuk e, num toque verdadeiramente trumpiano, tentou passar a ideia de que a culpa era da imprensa, que só agora se tinha interessado pelo assunto. Só faltou mesmo dizer que a sua inércia e incompetência são fake news. Isto quando a imprensa foi excepcionalmente tenaz na manutenção do assunto na ordem pública, quando mais ninguém (mesmo muitos partidos que agora clamam vergonha) parecia interessado em discuti-lo. Para galões na defesa de direitos humanos, este parecem, no máximo, de alferes.
A conduta do MAI é de facto clara. Clara na sua incompetência. O assunto foi protelado, em vez de ser resolvido prontamente, como a sua gravidade exigia. E que não se diga que a demissão do director de Fronteiras de Lisboa e seu adjunto, e o pedido de um relatório, são medidas suficientes. Está em causa a prática do crime de homicídio qualificado, em concurso com tortura e eventualmente outros crimes; está em causa a violação, por parte do Estado português, de vários direitos fundamentais, garantidos tanto pela Constituição como por várias convenções internacionais; está em causa a existência de responsabilidade civil da parte do Estado português; está em causa a confiança dos cidadãos nacionais numa força de segurança que não só os representa como é também muitas vezes a primeira face visível no contacto de um estrangeiro com Portugal. O ocorrido é uma vergonha nacional. A sua resolução completa e cabal tem que ser um ponto de brio nacional!
Perante a gravidade dos factos, até pela mais elementar vergonha, Cristina Gatões deveria ter-se demitido de imediato. Não o fazendo, deveria Eduardo Cabrita tê-lo feito. Não o fazendo, deu o seu beneplácito ao comportamento da sua subordinada.
A saída da directora do SEF nove meses depois do incidente aumenta o descrédito da própria. Sobretudo por ser veiculada por um comunicado extremamente claro. Claro quanto a tudo aquilo que não está lá. Ao atribuir a saída de Cristina Gatões a uma reestruturação do serviço, Eduardo Cabrita revelou nem sequer possuir a hombridade necessária para assumir o que todos sabemos. O recurso a uma justificação estapafúrdia revela o desnorte completo no Ministério da Administração Interna. Fica a clara noção de que a directora do SEF não sai por vergonha, por consciência ou por convicção. Sai, apenas e só, por pressão da opinião pública. É manifesto que a demissão ocorre para proteger o ministro. Mas agora é tarde...
Eduardo Cabrita tentou uma fuga para a frente, ao tentar com uma bravata transformar uma lamentável derrota e vergonha para todos os portugueses numa vitória pessoal, numa medalha de direitos humanos para usar ao pescoço. Não funcionou, por muito que Santos Silva e António Costa assinem por baixo (o que fazem, com as respectivas defesas do indefensável). E como Susana Peralta muito bem escreveu, a estas pessoas falta um botão de vergonha.
O que parece indesmentível é o clamor legítimo pela cabeça política de Eduardo Cabrita. Em nome do mínimo de decência num Estado que matou quem lhe estava entregue. Pela indignidade de não ter uma palavra com a família da vítima. Saia, senhor ministro. Com clareza, sem clareza, mas saia!