Pele de raposa volta à ribalta com a escassez de visons
O abate de milhões de visons dinamarqueses afectou a indústria mundial das peles, já que o país nórdico é o principal produtor da matéria-prima para itens de luxo.
O abate de milhões de visons na Dinamarca, após ter sido detectada uma mutação do novo coronavírus, deixou a indústria da moda à procura de soluções e a aposta de casas como a Louis Vuitton, Dior e Fendi passa pelo uso das peles de raposa e chinchila para preencher esse vazio.
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O abate de milhões de visons na Dinamarca, após ter sido detectada uma mutação do novo coronavírus, deixou a indústria da moda à procura de soluções e a aposta de casas como a Louis Vuitton, Dior e Fendi passa pelo uso das peles de raposa e chinchila para preencher esse vazio.
A decisão do Governo dinamarquês de mandar matar os animais teve impacto no comércio global de peles, avaliado em mais de 22 mil milhões de dólares por ano (mais de 18 mil milhões de euros), que viu os preços da pele de vison aumentar até 30% na Ásia, afirma a Federação Internacional de Peles, já que é o país nórdico o principal exportador da pele daquele animal.
Agora as atenções viram-se para a Finlândia, onde um milhão de visons e 250 mil raposas estarão disponíveis na próxima semana para compradores em países como a Coreia do Sul, China e Estados Unidos. A casa de leilões Saga Furs vai levar a cabo uma venda internacional, a primeira desde o abate na Dinamarca, que será transmitida via livestream esta terça-feira.
A Saga Furs espera vender todos os produtos em leilão, o que contrasta com a média de 55% vendida em cada evento até esta altura devido à pandemia de covid-19. “O mercado vai ficar mais forte e um aumento de preços vai ajudar o nosso negócio em geral”, afirma Magnus Ljung, CEO da Saga Furs, relativamente à indústria que tem visto os preços a cair ao longo dos últimos anos. “Já temos tido mais pedidos de raposas. Se as pessoas vêem que há uma escassez de vison, podem considerar usar outro material”, acrescenta.
A responsável pela sustentabilidade na LVMH, Helene Valade, afirmou na semana passada que o grupo de luxo francês obtém as peles que utiliza na Finlândia. A multinacional detentora da Louis Vuitton, Dior e Fendi reforça que só usa peles de vison, raposa e guaxinim 100% certificadas.
A procura por peles está em queda desde a década de 1950, excepto entre 2000 e 2013, em que se verificou um crescimento quando regressaram às passerelles, fruto do interesse chinês, revela Lise Skov, investigadora que estuda a indústria de peles dinamarquesa. Enquanto em 2013 o pêlo dum vison era vendido em leilão por volta dos 90 dólares (perto de 74 euros), no ano passado só rendia, em média, 30 dólares (cerca de 24 euros).
Isto apesar de uma quebra na produção global no ano passado para 60 milhões de unidades, quando em 2014 eram comercializadas mais de 80 milhões. Segundo a previsão da Euromonitor, o valor das peles e dos produtos em pele, tanto verdadeiros como artificiais, vai cair 2,6% este ano.
Uma cooperativa produtora dinamarquesa que vendeu 25 milhões de visons em pêlo no ano passado, cerca de 40% do total do mercado global, está a considerar vender a marca e outros activos depois de anunciar que vai encerrar as operações ao longo dos próximos três anos.
O CEO da Kopenhagen Fur, Jesper Lauge Christensen afirmou à Reuters que foi sondado por interessados chineses em adquirir a marca, que pode estar avaliada em mais de mil milhões de coroas dinamarquesas (cerca de 134 milhões de euros). Ainda assim, planeia vender perto de 25 milhões de unidades ao longo dos próximos três anos de produtores do país que não tiveram martas abatidas, de stock congelado ou de animais estrangeiros.
Os activistas pelos direitos dos animais esperam que a situação no país nórdico, que levou a um pedido de desculpas por parte da primeira-ministra, leve ao fim da indústria e do interesse em produtos como casacos que podem chegar aos 60 mil euros. Segundo PJ Smith, director de políticas de moda na Humane Society International, um grupo dedicado à causa animal, é previsível que num futuro próximo as marcas que ainda utilizam pele deixem de o fazer, seguindo os passos de outras como a Gucci, Prada ou Armani.
Mas, por enquanto, Jesper Lauge Christensen da Kopenhagen Fur diz que as marcas europeias têm vindo a expressar preocupação relativamente à possibilidade de não conseguir encontrar matéria-prima da qualidade dos visons dinamarqueses. “Um dos grandes desafios da perspectiva das marcas é que as qualidades únicas dos visons dinamarqueses vão desaparecer das colecções uma vez que não se arranja produto desse noutro sitio qualquer”, esclarece.
A China, seguida pela Rússia, é o maior comprador de pele da Dinamarca, uma vez que o pêlo dos visons do país asiático é considerado de inferior qualidade quando comparado com o europeu, onde os standards de criação dos animais são mais elevados. É o que conta Zhang Changping, dono da marca chinesa Fangtai Fur. “Nós não escolheríamos pêlo chinês por causa da fraca qualidade”, diz, acrescentando ainda que, antes do abate deste ano, já tinham comprado pêlo suficiente para o início de 2021, mas que a marca iria trocar a Dinamarca pela Finlândia se os problemas na oferta continuassem no futuro.
Já Niccolò Ricci, CEO da marca de luxo italiana Stefano Ricci, que tem uma grande percentagem de clientes na Rússia e nos países da Europa de Leste, diz esperar que os preços do pêlo de vison aumentem até 50%, mas que as marcas de topo como a sua continuarão a procurar peles de qualidade, maioritariamente de produtores norte-americanos.
“A verdadeira escassez pode vir em 2022, mas nessa altura esperamos que os produtores do Canadá, Polónia, Estados Unidos e Grécia já tenham aumentado a sua produção para compensar a perda na Dinamarca”, afirma Mark Oaten, responsável pela IFF, que faz pesquisa de mercado. Também se espera que a Rússia e a China aumentem a sua capacidade produtiva. “As pessoas vão estar à procura de outros tipos de pêlo. A raposa tem sido muito popular em parkas, por exemplo. Também a chinchila está a tornar-se cada vez mais popular”, conclui.