Era polícia de trânsito, quis salvar vítima de violência doméstica e foi morto por guarda prisional
PSP, GNR e PJ uniram-se e, em poucas horas, a viatura foi localizada e o suspeito de homicídio por atropelamento foi detido. Guarda prisional já tinha cumprido pena por conduzir sob efeito de álcool.
Chamava-se António Doce. Trabalhava na Esquadra de Trânsito de Évora. Agente principal da Polícia de Segurança Pública, estava a aproveitar a folga para dar uma ajuda no quiosque-cafetaria explorado pela mulher, no Rossio de São Brás, perto da principal porta do centro histórico. Nada fazia prever que morreria a intervir numa situação de violência doméstica.
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Chamava-se António Doce. Trabalhava na Esquadra de Trânsito de Évora. Agente principal da Polícia de Segurança Pública, estava a aproveitar a folga para dar uma ajuda no quiosque-cafetaria explorado pela mulher, no Rossio de São Brás, perto da principal porta do centro histórico. Nada fazia prever que morreria a intervir numa situação de violência doméstica.
Eram 21h45 de sábado. Havia várias pessoas por ali – a conversar, a tomar um copo, em suma, a conviver. De repente, uma discussão entre um casal começou a subir de tom. Todos os olhos se viraram para lá. O homem puxou a mulher pelos cabelos, arrastou-a, decidido a forçá-la a entrar na carrinha de caixa fechada que ali tinha estacionado.
António tentou pôr fim àquilo. O condutor não se amedrontou ao ouvi-lo: acelerou, arrastando-o cerca de 40 metros, e desapareceu na noite escura. Alguém alertou a emergência médica. Gravemente ferido, António deu entrada no Hospital do Espírito Santo, situado a cerca de dez minutos. Morreu às 00h54.
O comissário Marco David não se põe com grandes discursos. “Era um profissional que desempenhava as suas funções como qualquer outro”, diz. A violência doméstica é um crime público. E um agente tem obrigação de intervir perante a prática de crime, desde que estejam reunidas as condições de segurança. E pareciam estar. Quem imaginaria que o outro usaria o carro como arma?
Não tem memória de algo assim ter alguma vez acontecido. “Évora é uma cidade com segurança”, afiança. Ali, como no resto do país, a violência doméstica encabeça a lista de crimes praticados. “A perda de um colega de trabalho é sempre marcante e difícil de ultrapassar.”
António José Pinto Doce tinha 45 anos. Era casado e pai de dois filhos.
Este domingo, o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, falou com “a viúva, dirigindo as mais sentidas condolências também aos seus filhos, familiares e amigos, assim como à PSP”. “Mais um exemplo nacional de alguém que, mesmo não estando em serviço, deu a vida pelo próximo e a quem Portugal deve sentida homenagem”, refere numa nota publicada no seu site. O ministro da Administração Interna, Eduardo Cabrita, também manifestou, em nome de todo o executivo, o seu “profundo pesar”.
A propósito da reformulação do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, o director nacional da PSP tinha um encontro agendado com Marcelo. “É sempre bom ouvir na voz do mais alto representante do Estado português palavras de ânimo e de reconhecimento pelo trabalho que a PSP tem desenvolvido”, comentou Magina da Silva, à saída. “Estamos todos orgulhosos do comportamento do nosso camarada.”
As várias polícias uniram-se em torno deste caso. Quando o suspeito se pôs em fuga, o Centro de Comando e Controlo Estratégico da PSP lançou um alerta a todas as forças de segurança, pedindo-lhes para localizar e interceptar a viatura, fornecendo as suas características e a matrícula. Por volta das 3h30, elementos da Guarda Nacional Republicana encontraram a carrinha estacionada no Bairro da Colónia Penal, na freguesia de Ranholas, no concelho de Sintra, e bateram à porta do suspeito.
É um guarda prisional. Tem 52 anos. E a mulher que António Doce tentou salvar é a sua companheira.
O suspeito foi este domingo interrogado pela Polícia Judiciária, com competência exclusiva em crimes desta natureza. Nesta segunda-feira à tarde, deverá ser presente a um juiz de Instrução Criminal em Évora para que lhe seja decretada uma medida de coação.
Para já, a Polícia Judiciária ainda não traçou o seu perfil. Revela apenas que em 2017 foi condenado a uma pena de prisão efectiva de um ano por condução sob efeito de álcool. Cumprira-a na modalidade de prisão por dias livres. Quer isto dizer que trabalhava durante a semana no Estabelecimento Prisional de Sintra e ao fim-de-semana cumpria pena no Estabelecimento Prisional de Évora.
“Estamos a juntar factos”, diz fonte oficial. Passaram o dia com perícias à viatura, recolha de testemunhos, interrogatório. Apontam para homicídio agravado, convencidos de que o suspeito saberia que António Doce era agente da PSP.