Antes as lágrimas de Temido que o silêncio de Marcelo
São incompreensíveis as explicações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a sua tardia actuação no caso da tortura e assassinato do imigrante Ihor Homenyuk.
Anteontem, durante um discurso no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Marta Temido, a ministra da Saúde, emocionou-se, teve dificuldade em conter as lágrimas, ao falar do papel daquele organismo e dos seus profissionais durante o combate da pandemia. Apesar de o mundo continuar a ter uma quota não negligenciável de gente insensível, e por vezes mesmo imbecil, é com saudável naturalidade que se percebeu que a maior parte das reacções, mesmo de quem é crítico da actuação da ministra, foram de compreensão e apoio para com alguém que nos últimos meses tem arcado com a tensão de estar no centro do furacão.
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Anteontem, durante um discurso no Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, Marta Temido, a ministra da Saúde, emocionou-se, teve dificuldade em conter as lágrimas, ao falar do papel daquele organismo e dos seus profissionais durante o combate da pandemia. Apesar de o mundo continuar a ter uma quota não negligenciável de gente insensível, e por vezes mesmo imbecil, é com saudável naturalidade que se percebeu que a maior parte das reacções, mesmo de quem é crítico da actuação da ministra, foram de compreensão e apoio para com alguém que nos últimos meses tem arcado com a tensão de estar no centro do furacão.
Para quem não aprecia um mundo conduzido por robots, a emoção, a empatia é um valor estimável num político, parte da condição necessária para que ele não se confine à bolha em que muitos perdem a ligação com o mundo dos que servem e representam.
Isto só torna mais incompreensíveis as explicações de Marcelo Rebelo de Sousa sobre a sua tardia actuação no caso da tortura e assassinato do imigrante Ihor Homenyuk e do seu silêncio com a família. Quem teve um mandato como “rei” dos afectos e dos telefonemas celebratórios deveria perceber que, sendo uma excepção no seu percurso, mais valeria assumir o erro do que procurar explicações na rebuscada ideia de que “não devia abrir uma excepção” quando havia “uma investigação criminal em curso”.
Este refúgio na atitude burocrática só vem reforçar a grave falha de empatia do Estado português, incapaz de entender que perante os contornos tão claros do horrendo crime cometido não deveria hesitar em confortar e amparar a família do ucraniano assassinado. Essa foi também claramente a falha do ministro Eduardo Cabrita, a que acresce a incapacidade de perceber que perante tão grave quebra nas obrigações do Estado a procura da culpa é curta, o mal não fica sanado sem que alguém assuma também a responsabilidade.
Mas não vale a pena acharmos que só “eles” (os políticos) falharam. Um pequeno exercício que não obriga a um grande esforço: quantos, nesses idos de Maio, se juntaram no coro de protesto por causa da morte do norte-americano George Floyd e palmilharam as redes sociais e as ruas imbuídos pelo espírito do Black Lives Matter e quantos o fizeram em nome de Ihor Homenyuk? Tal como agora fazem os políticos, é muito mais fácil deixarmo-nos ir na onda do que criar uma. Somos mesmo todos humanos, não somos? É bom que nunca o esqueçamos, especialmente nos momentos mais difíceis.