Marcelo avisa: ascensão do Chega depende da forma como os outros partidos o tratam
Na primeira entrevista como candidato a um segundo mandato, o Presidente da República afirmou que dará posse a um Governo apoiado por qualquer partido legalizado. Mas também disse que é muito difícil que a direita consiga ter os 45% que lhe permitam governar.
Marcelo Rebelo de Sousa nem hesitou quando a pergunta lhe foi colocada: dará posse a um governo apoiado por um partido anti-sistémico como o Chega sem exigir sequer um acordo escrito. “Eu não vejo razão constitucional para dizer que esse partido não pode [fazer parte de uma solução governativa]. O Presidente da República não pode discriminar partidos. O partido está ilegalizado? Não está”.
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Marcelo Rebelo de Sousa nem hesitou quando a pergunta lhe foi colocada: dará posse a um governo apoiado por um partido anti-sistémico como o Chega sem exigir sequer um acordo escrito. “Eu não vejo razão constitucional para dizer que esse partido não pode [fazer parte de uma solução governativa]. O Presidente da República não pode discriminar partidos. O partido está ilegalizado? Não está”.
Na primeira entrevista como candidato a um segundo mandato a Belém, à SIC, Marcelo não escondeu a sua preocupação com a ascensão de “partidos anti-sistema ou à margem do sistema”, ainda que se tenha recusado a classificar o partido liderado pelo seu adversário eleitoral André Ventura.
Mas também foi dizendo que é muito difícil a direita voltar ao poder tão cedo, mesmo que o PSD esteja a subir nas sondagens. “Hoje está óbvio, desde 2015, que o centro direita só vai ao poder, se obtiver 45%, e isso é muito exigente em termos de afirmação de um qualquer partido ou coligação”, sublinhou.
Quanto à ascensão deste tipo de formação política, chamou os outros partidos à responsabilidade. “A resposta depende dos outros partidos que estão à direita ou à esquerda: podem maximizá-lo na forma como o tratam ou não tratam, dão-lhe peso se o convertem no centro da sua estratégia, colocam-no no centro do sistema. E depende também do próprio partido”, disse, aqui numa alusão aos problemas internos do Chega que vão sendo conhecidos.
Foi já na última parte da entrevista, na qual, em boa parte, teve de responder na qualidade de Presidente da República. A primeira pergunta foi sobre o seu silêncio em relação ao caso do ucraniano morto por agentes do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e Marcelo explicou-se dizendo que “é um princípio não tomar posição sobre processos criminais em curso para não [se] imiscuir nas investigações criminais ou antecipar resultados”.
Ainda assim, lembrou ter falado sobre o assunto logo em Abril, para exigir que “o processo criminal fosse levado às últimas consequências”, e afirmou ter falado “inúmeras vezes” com o primeiro ministro em privado: “Não trago conversas privadas a público”, frisou.
Questionado sobre se queria a demissão do ministro da Administração Interna ou um novo SEF, foi lapidar: “Um novo SEF, com transferência das competências nas fronteiras por outras autoridades policiais”. Mas não deixou de esclarecer que não tem poder para demitir ministros: “O primeiro-ministro já reiterou a sua confiança no ministro e este não apresentou demissão”, sublinhou. Portanto, assunto arrumado.
Marcelo Rebelo de Sousa foi também taxativo na defesa de que a TAP deve ser uma companhia de bandeira “por causa das comunidades portuguesas” e apesar do preço: “Sim, tem de se fazer a reestruturação e pagar o preço”. E sim, é uma responsabilidade do Governo, disse, colocando-se ao lado do primeiro-ministro no diferendo com o ministro das Infra-estruturas. “O Parlamento tem uma palavra a dizer se houver uma questão orçamental”. Tão só, afirmou.
Plano de vacinação pode sofrer “retoques”
Questionado sobre o plano de vacinação contra a covid-19, Marcelo foi mais cauteloso do que em relação às vacinas da gripe. “É tal a minha preocupação que tive contactos com as empresas produtoras para perceber as quantidades, os prazos”, disse, revelando que “há vacinas que estão atrasadas e não devem chegar em Janeiro - as da Astrazeneca e da Johnson – e a da Moderna - antes de meados de Fevereiro também não”.
A da Pfizer “é a mais avançada”, disse, mas ainda assim será “um processo longo e que irá até ao fim do ano”, acrescentou, lembrando que exige a toma de duas doses com 30 dias de permeio.
Sobre o plano de vacinação apresentado pelo Governo, considerou que “os grupos de risco podem sofrer retoques”, até porque há opiniões diferentes entre especialistas. Questionado sobre até quando prevê que o país fique em estado de emergência, fez depender o regresso à normalidade da existência de “um número significativo de imunizados” e de uma redução dos casos de infecção a um ponto que não seja possível “voltar a disparar”. Mas não arriscou um prazo.
O que fez questão de dizer é que vai sugerir que, para as próximas reuniões do Infarmed, sejam convidados todos os candidatos à Presidência da República.
Corrupção sem julgamento? “É difícil de explicar”
O tema da justiça foi aquele em que o actual chefe de Estado acabou por ser mais crítico para o Governo e para a administração. A pergunta era sobre a demora no julgamento do ex-primeiro-ministro José Sócrates na Operação Marquês e Marcelo não se fez rogado.
“Isso é das coisas que me levaram a promover um pacto de justiça, que foi assinado mas não foi aplicado”, disse, acrescentando que “é muito difícil explicar porque é que não há decisão transitada em julgado” em processos de corrupção. Ainda assim disse ter ficado “satisfeito com a evolução de processos” como o do BES, Tancos, Lex e Vistos gold.
Marcelo teve ainda oportunidade para afastar de vez a comparação com Mário Soares que, na reeleição, obteve mais de 70% dos votos. “Isso é uma loucura! Mário Soares é irrepetível, ninguém teve o passado dele, não há comparação”. Acabou por comparar, lembrando que Soares teve também o apoio do PSD e do PS e sublinhando que na altura não havia nenhuma pandemia: “Se já levava uma abada com o primeiro e segundo factor, com o terceiro… é o que for!”