Tribunal abre a porta para a actuação da PJ no Football Leaks ser investigada
Abuso de poder, corrupção e denegação de justiça são alguns dos crimes em causa. Jornalista alegadamente indicado para contar versão alternativa diz que não avançou, porque não lhe entregaram documentos que comprovassem alguma coisa.
O colectivo de juízes encarregado do julgamento do pirata informático Rui Pinto abriu a porta à investigação da actuação da Polícia Judiciária no caso Football Leaks ordenando a extracção de uma certidão esta quinta-feira. A certidão será remetida para um processo que tinha sido arquivado e que visava apurar se algum inspector da Polícia Judiciária actuou de forma criminosa no âmbito deste caso.
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O colectivo de juízes encarregado do julgamento do pirata informático Rui Pinto abriu a porta à investigação da actuação da Polícia Judiciária no caso Football Leaks ordenando a extracção de uma certidão esta quinta-feira. A certidão será remetida para um processo que tinha sido arquivado e que visava apurar se algum inspector da Polícia Judiciária actuou de forma criminosa no âmbito deste caso.
O advogado Pedro Henriques, que trabalhava para o fundo de investimento Doyen, revelou esta quinta-feira de manhã que a Polícia Judiciária lhe indicou em 2015 o nome de um jornalista que poderia ajudar a Doyen a divulgar uma versão alternativa dos factos àquela que estava a ser divulgada pelo site Football Leaks. Quem era o jornalista a testemunha garantiu inicialmente não se recordar. Acrescentou, porém, que esse plano nunca foi avante. O advogado acabou por referir, entretanto, no decorrer da sessão do julgamento o nome do jornalista alegadamente em causa: Augusto Freitas de Sousa.
“Fui contactado por alguém ligado à Doyen, mas a história nunca chegou a avançar, porque não me chegaram documentos que comprovassem o que quer que fosse”, disse Augusto Freitas de Sousa ao PÚBLICO.
Perante esta revelação, a juíza que dirige o julgamento em que o pirata Rui Pinto é o principal arguido, Ana Margarida Alves, mostrou-se estupefacta: “Então a Doyen, que estava a ser assessorada por um prestigiado escritório de advogados e tinha um gabinete de imprensa, [precisava deste tipo de indicação?]” “A minha questão relaciona-se com a interferência de inspectores da Judiciária nesta matéria”, observou a magistrada. “Não percebo a indicação de um jornalista em concreto.”
Mas Pedro Henriques também não soube explicá-la – com também já na sessão anterior do julgamento não tinha conseguido explicar a ajuda dada por um inspector da mesma polícia à Doyen para que o fundo de investimento pedisse ao Ministério Público uma aceleração da investigação que impendia sobre Rui Pinto. Numa mensagem de correio electrónico enviada para o advogado Pedro Henriques, o inspector-chefe Rogério Bravo até lhe sugeriu uma proposta de requerimento – que foi depois efectivamente foi enviado em nome da Doyen para a Procuradoria-Geral da República. Uma actuação que a magistrada considerou não ser normal.
“Era tudo distorcido”
Da mesma falta de normalidade padece, no seu entender, a sugestão do nome de um jornalista que pudesse dar outra interpretação à informação que estava a ser revelada pelo Football Leaks em 2015 sobre os contratos do mundo do futebol, nomeadamente os que envolviam a Doyen. “Os senhores inspectores da Polícia Judiciária indicaram-nos um jornalista em concreto”, admitiu Pedro Henriques. “Estávamos em stress, porque tudo o que andava a sair na imprensa [com origem no Football Leaks] era distorcido. Esse jornalista poderia dar-nos uma ajuda, com uma versão [alternativa dos factos]”, explicou o advogado.
Porém, a 11 de Janeiro de 2016 o jornalista enviou um email ao advogado Aníbal Pinto confrontando-o com a sua possível ligação ao Football Leaks. Além disso, Augusto Freitas de Sousa terá tido conhecimento de um encontro secreto entre Pedro Henriques, Aníbal Pinto e o principal responsável da Doyen, Nélio Lucas, que teve lugar numa estação de serviço da A5, em Oeiras, em finais de 2015, e que a Judiciária vigiou, tendo aludido ao assunto nesta troca de correspondência electrónica com Aníbal Pinto. O advogado Pedro Henriques garante nada ter contado ao jornalista sobre esta reunião secreta, durante qual Aníbal Pinto diz ter-lhe sido oferecido pelos representantes do fundo de investimento um milhão de euros para lhes revelar a identidade pirata informático, que na altura era desconhecida.
O representante legal do advogado Aníbal Pinto, também arguido neste processo por ter alegadamente ajudado Rui Pinto a chantagear a Doyen, solicitou ao tribunal a extracção de uma certidão das declarações prestadas por Pedro Henriques para que o Ministério Público possa investigar a eventual prática de abuso de poder, corrupção e denegação de justiça, entre outros crimes. Em causa está precisamente o comportamento dos inspectores da Judiciária, naquilo que este representante legal qualificou como uma actuação policial “com contornos obscuros e manobras de encobrimento”. A estratégia da defesa de Aníbal Pinto passa por invalidar as provas obtidas pela PJ, deitando assim por terra este julgamento.
Este advogado e agora arguido alega que Pedro Henriques agiu como se fosse um agente infiltrado da Judiciária, tendo-o instigado a cometer crimes. E apresentou em tribunal um novo email que parece encaixar nesta tese, em que os dois homens da Doyen, Nélio Lucas e Pedro Henriques, combinam que o vão “atrair” para a conversa na estação de serviço, para o fazerem “cantar” e chegarem ao pirata informático. Detalhe: esta mensagem foi escrita com conhecimento ao inspector Rogério Bravo e a um colega seu. Enquanto Pedro Henriques prestava depoimento Aníbal Pinto deu várias vezes a entender que esta testemunha mentia, tendo por fim anunciado que irá pedir para ser feita uma acareação com ele.
O colectivo de juízes autorizou a extracção da certidão das declarações do advogado da Doyen. A actuação dos dois inspectores da Judiciária neste caso já tinha sido alvo de um inquérito que acabou por ser arquivado, e no qual nunca terão sido constituídos arguidos, mas que deverá agora ser reaberto. Contactada pelo PÚBLICO, a PJ respondeu que não se vai pronunciar sobre o assunto, uma vez que as entidades competentes irão proceder a averiguações. Com Pedro Sales Dias
Notícia corrigida às 13h desta quinta-feira. O tribunal ordenou a extracção da certidão, mas será o Ministério Público a decidir a abertura da investigação.