Na canção de Mariana, São Martinho do Porto é uma concha de saudades
A bela praia, a dona Cecília das bolas de Berlim, o Ti’ Luís... Memórias de infância e o confinamento passado na vila balnear, levaram a jovem cantora Mariana Arroja a reviver São Martinho do Porto e a lançar um videoclip inspirado no que aqui viveu.
Quem passou as férias de infância em São Martinho do Porto nunca mais esquece a pequena vila, a sua baía em forma de concha, as barracas às riscas brancas e azuis, os nevoeiros matinais, o pôr-de-sol para lá da barra, os passeios até às dunas de Salir do Porto, o jogo do prego, os grupos de crianças a brincar na praia. Mariana Arroja tinha essas memórias guardadas, mas foi neste ano de pandemia e confinamento que elas voltaram com mais força. E, inesperadamente, transformaram-se numa música que é ao mesmo tempo uma homenagem ao pai e a São Martinho.
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Quem passou as férias de infância em São Martinho do Porto nunca mais esquece a pequena vila, a sua baía em forma de concha, as barracas às riscas brancas e azuis, os nevoeiros matinais, o pôr-de-sol para lá da barra, os passeios até às dunas de Salir do Porto, o jogo do prego, os grupos de crianças a brincar na praia. Mariana Arroja tinha essas memórias guardadas, mas foi neste ano de pandemia e confinamento que elas voltaram com mais força. E, inesperadamente, transformaram-se numa música que é ao mesmo tempo uma homenagem ao pai e a São Martinho.
“É toda uma lembrança do que é São Martinho e do que foi para mim, de como vejo esta vila, a minha infância e os adultos em meu redor”, conta à Fugas, a partir da sua casa na vila que, no Inverno, fica sempre deserta dos banhistas que a enchem nos meses de Verão – e que neste Inverno parece ainda mais solitária.
E isso preocupa Mariana, que ali passou as semanas de confinamento. “Muita gente tem que pensar como se vai sustentar nesta época de covid-19. É uma vila que depende muito do turismo. Isto já é um bocadinho parado durante o Inverno e ainda mais agora.” Por isso, espera que a música que compôs e o videoclip que realizou – com a ajuda e, em alguns casos, a participação de pessoas da terra e das lojas que emprestaram o guarda-roupa e as jóias, e ajudaram com a maquilhagem e o cabelo – também contribuam para elevar os ânimos. “Gostava de dar a conhecer esta vila, tenho muito carinho por ela, acho que é uma daquelas pérolas ainda a ser descoberta. É bom que as pessoas não se esqueçam das pequenas vilas e aldeias de Portugal, que também estão a sofrer o impacto da covid.”
Antes de a pandemia começar, Mariana estava em Glasgow, na Escócia, onde vive habitualmente, e onde foi para estudar Farmacologia e depois Neurociências. É essa a área em que, hoje, aos 30 anos, trabalha, mas ao mesmo tempo começou a cantar, primeiro em eventos Open Mic – o que a obrigou a ultrapassar o “medo terrível” que tinha do palco – e depois em espaços como o Drake Bar e festivais de música, combinando fado e jazz. “As pessoas começaram a incentivar-me a dar concertos de fado” em Glasgow, conta, e as coisas foram correndo bem.
Um dia, entre “as saudades que tinha de casa e a nostalgia de estar longe da família”, surgiu-lhe “uma melodia que não saía da cabeça”. Entretanto, o pai ficou doente e Mariana decidiu que era altura de escrever essa música para lhe oferecer como “prenda de recuperação” (a voz é de Mariana Arroja, a guitarra de Samuele Sorana, o baixo e piano de Francesco Moscato). E é daí que vem a personagem do pai, tal como Mariana se lembra de ele ser quando ela era pequena e andavam ambos pelas ruas de São Martinho.
Atrás dessa imagem do pai vieram muitas outras: e lá está a memória (e a homenagem) à ‘rainha da Bola de Berlim’, “Cecília, uma vendedora de bolos aqui da vila que todas as crianças adoravam, que faleceu no ano passado e que é interpretada pela filha”, ou o “Ti Luís” (Luís Chicharro Robalo, já octogenário, figura ilustre da terra, do mar e do Clube Náutico) que aparece brevemente, a arranjar um barco – já em 2003 se contava a sua história no PúBLICO. As mulheres que vendem bolos na praia são outra das memórias comuns a todos os que conhecem São Martinho. Com as suas caixas de bolos à cabeça, elas percorrem o areal de um lado para o outro, perseguidas por bandos de crianças que tentam ver que doces ainda restam (outros dos clássicos da vila eram as bolachas americanas, também vendidas na praia).
A isso junta-se ainda a experiência que qualquer criança que passou os Verões na vila (e a família de Mariana ficava durante quase três meses) teve de percorrer o paredão junto à praia, saltitando em cima do murete de pedra, segura pela mão de um adulto. E também essa memória está no filme que Mariana fez e onde ela própria em criança é interpretada pela sua sobrinha Francisca.
Com o passar do tempo, algumas coisas foram mudando em São Martinho. A “Rua dos Cafés”, que durante décadas foi um lugar central da vida social da vila, sobretudo à noite, perdeu hoje esse papel, conta Mariana, e as pessoas deslocaram-se mais para espaços na marginal. Mas outras coisas não mudam, sobretudo a belíssima baía, os passeios ao “túnel” no cais, ou ao farol, as fileiras de barracas, as famílias que voltam ano após ano e geração após geração.
Quando tudo normalizar, Mariana deverá regressar a Glasgow e continuar a sua carreira na área da ciência, mas espera que, com este primeiro single (que tem vindo a somar visualizações no YouTube, atingindo já as 25 mil), possa, a partir de agora, avançar de forma mais séria na carreira musical. E, entre Portugal e a Escócia, continuará a passar sempre por São Martinho.