Estudantes fazem blackface em praxe na Universidade do Minho, que promete investigar
A reitoria da Universidade do Minho confessou-se “surpreendida” com o vídeo dos estudantes de Biologia e Geologia, condenou a iniciativa e prometeu averiguar o sucedido. Bloco de Esquerda quer ouvir reitor da universidade no Parlamento.
Durante a noite desta terça-feira, 8 de Dezembro, um vídeo de uma praxe na Universidade do Minho começou a ser divulgado nas redes sociais. Nele, um grupo de estudantes do curso de Biologia e Geologia foi filmado no âmbito da Latada, com roupa preta, saias feitas de palha, colares de latas e as caras pintadas de negro.
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Durante a noite desta terça-feira, 8 de Dezembro, um vídeo de uma praxe na Universidade do Minho começou a ser divulgado nas redes sociais. Nele, um grupo de estudantes do curso de Biologia e Geologia foi filmado no âmbito da Latada, com roupa preta, saias feitas de palha, colares de latas e as caras pintadas de negro.
O que salta à vista é a pintura facial, conhecida como blackface”. Nos últimos anos, pintar a cara de negro tornou-se sinónimo de uma atitude racista, vista como uma forma de satirizar a comunidade negra. Vários líderes mundiais pediram publicamente desculpas depois de terem surgido fotografias suas em disfarces que implicaram o uso de blackface.
Através do vídeo, não é possível ver se todos os estudantes estavam juntos ao mesmo tempo, mas vários têm o mesmo cenário à sua volta. Ao longo do vídeo, os “caloiros” vão gritando hinos de curso, músicas de praxe e saudações a superiores hierárquicos na praxe; não é perceptível se o uso de blackface está associado a alguma mensagem, pelo que poderá ter servido para tentar ocultar a identificação dos estudantes.
O vídeo foi feito para comemorar a Latada, mas não houve qualquer evento este ano. Começou por ser divulgado através do canal de YouTube da Comissão de Praxe (que, entretanto, deixou de estar activo). O vídeo foi também removido, mas muitos utilizadores publicaram pequenos excertos nas redes sociais e acusaram os intervenientes de racismo.
A Universidade do Minho já respondeu ao sucedido. Num comunicado a que o P3 teve acesso, a instituição confessou-se “surpreendida pela informação veiculada nas redes sociais” e mostrou “profundo desagrado e veemente condenação face a este tipo de iniciativas, ofensivas da dignidade humana”.
Além disso, a universidade prometeu que “vai accionar, de imediato, os seus mecanismos internos, visando averiguar os contornos da iniciativa e os seus responsáveis, e procederá de acordo com o previsto nos seus regulamentos disciplinares.”
A praxe dentro dos campi da Universidade do Minho, em Guimarães e em Braga, está proibida, mas as actividades praxísticas continuaram fora das suas áreas, muitas vezes em zonas à volta das instalações da universidade. A UMinho recorda que “independentemente do lugar onde ocorrem” as praxes, as actividades são para a instituição “incompatíveis com os princípios e os valores que orientam a educação superior”.
“Os tempos de distanciamento físico não podem, em caso momento, significar que os estudantes se distanciem dos valores, princípios e missão da Universidade do Minho”, conclui o comunicado.
A Quarentena Académica, uma plataforma de apoio a estudantes no Ensino Superior criada em Maio de 2020, acusou o vídeo de ser de “teor extremamente racista”. “Repudiamos esta situação, bem como apelamos a que a Reitoria da Universidade do Minho e restantes entidades competentes averiguem esta situação, tomando todas as medidas necessárias”, disse em comunicado a plataforma, que recordou ainda que em 2017 um estudante da mesma universidade foi visto com uma suástica numa praxe.
BE quer ouvir o reitor da Universidade do Minho
Horas depois do comunicado da reitoria da Universidade do Minho, o ocorrido foi também criticado pelo Bloco de Esquerda (BE), que condenou a praxe e quer ouvir o reitor da instituição, Rui Vieira de Castro.
A atitude de usar blackface na praxe de Biologia e Geologia da UMinho é, segundo o partido, “claramente racista”. O BE salienta ainda que “este tipo de práticas não pode ser aceite no ensino superior público nem numa sociedade democrática e tolerante”.
“Ao abrigo das disposições regimentais e constitucionais, o Grupo Parlamentar do Bloco de Esquerda requer a audição do reitor da Universidade do Minho, no sentido de apurar os mecanismos já postos em causa para investigar o caso e debater que outras formas, mais preventivas, podem ser tomadas para combater o abuso”, disse o partido em comunicado.
O BE tem constantemente expressado o seu descontentamento sobre a praxe e, durante a última legislatura, viu uma proposta do partido ser aprovada no Parlamento para a realização de um estudo sobre a praxe em Portugal, obrigar as universidades a ter programas de integração, entre outras medidas.
Associação Académica condena “atitudes discriminatórias” e Cabido de Cardeais diz que praxe “não compactua” com comportamentos racistas
Do lado dos alunos, tanto a Associação Académica da Universidade do Minho (AAUM) como o Cabido de Cardeais (o grupo de estudantes praxantes que gere a praxe minhota) criticaram a actividade.
Em comunicado, a AAUM manifestou “o seu completo repúdio por todos e quaisquer comportamentos discriminatórios, que atentem aos valores do respeito, igualdade e dignidade humana”.
A direcção liderada por Rui Oliveira considerou ainda que o vídeo manifestava “atitudes discriminatórias”, que “não representam os valores defendidos pela comunidade académica minhota”. “A Universidade, enquanto instituição promotora de conhecimento, deve ser um espaço de valores humanistas, onde fenómenos e demonstrações deste tipo não podem, nem devem, em qualquer contexto, ter lugar”, disse a AAUM, acrescentando que iria “colaborar activamente na sinalização, prevenção e denúncia destes casos.”
Já o Cabido de Cardeais também condenou a praxe realizada pelo curso de Biologia e Geologia e alegou que o órgão desconhecia o conteúdo do vídeo, antes de este ser publicado. Respondendo a questões do P3, o Cabido salientou que a praxe da UMinho "não se revê nem compactua com qualquer tipo de comportamento racista ou discriminatório que prejudique o próximo.”
Segundo o órgão, houve mais vídeos publicados no âmbito da Latada, já que a cerimónia este ano foi feita através do Youtube - num ano normal, a Latada é celebrada nas ruas do centro histórico de Guimarães. No entanto, o Cabido de Cardeais disse que “após tamanha repercussão” nas redes sociais, “o vídeo referido foi retirado imediatamente” e prometeu que “será agora investigada a origem e o intuito dos comportamentos visados no mesmo.”
Actualizado com a reacção do BE, AAUM e Cabido de Cardeais