O aeroporto de Lisboa após o impacto da covid-19
A Avaliação Ambiental Estratégica permitirá a análise técnico-económica e ambiental comparada de soluções alternativas ao Montijo, incorporando a já profundamente estudada para localização no Campo de Tiro de Alcochete. Pretende-se uma solução para o futuro que dê resposta às exigências impostas por um aeroporto internacional que sirva a região de Lisboa e o País.
O ministro das Infraestruturas e Habitação deu a entender na AR que, no período que antecedeu o quase colapso do transporte aéreo causado pela covid-19, a urgência em expandir a capacidade aeroportuária de Lisboa fez com que não se perdesse tempo a avaliar outras opções para além da BA6 (Montijo), designadamente através da realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Salientou, no entanto, que, face às condições impostas pela covid-19, estamos com tempo para “ponderar a realização dessa AAE”, não tendo deixado claro se a promoveria ou não.
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O ministro das Infraestruturas e Habitação deu a entender na AR que, no período que antecedeu o quase colapso do transporte aéreo causado pela covid-19, a urgência em expandir a capacidade aeroportuária de Lisboa fez com que não se perdesse tempo a avaliar outras opções para além da BA6 (Montijo), designadamente através da realização de uma Avaliação Ambiental Estratégica (AAE). Salientou, no entanto, que, face às condições impostas pela covid-19, estamos com tempo para “ponderar a realização dessa AAE”, não tendo deixado claro se a promoveria ou não.
A alegada urgência serviu de justificação para o Governo optar obstinadamente pelo Montijo, sem considerar antes da decisão outras alternativas e, nomeadamente, não cumprindo a imposição legal da efetivação prévia de uma AAE (DL n.º 69/2000, Anexo I de 3 de maio e Decreto-Lei n.º 151-B/2013, de 31 de outubro).
A urgência foi sempre invocada sem que alguma vez fosse demonstrado que o Montijo poderia ser operacionalizado mais depressa e a menor custo do que a opção pelo Campo de Tiro de Alcochete (CTA) que, numa primeira fase, teria apenas uma pista, de dimensões ajustadas a todo o tipo de aviões, tendo as infraestruturas e os equipamentos de terra equivalentes aos previstos para o Montijo. Em diversas ocasiões foi solicitado à ANA/VINCI e ao Governo o documento (estudo ou projeto) que demonstrasse esta recorrente afirmação.
A opção por construir o aeroporto no CTA, para além de várias vantagens óbvias em relação ao Montijo, inserir-se-ia na linha das tendências de reforço da capacidade aeroportuária na Europa, permitindo investimentos ajustados à evolução da procura (crescimento modular e flexível), isto é, “ir fazendo” em vez de “fazer tudo de uma vez”. Esta solução baseia-se no projeto da ANA, datado de 2010, com Declaração de Impacto Ambiental (DIA) aprovada e sucessivamente renovada até 9 de dezembro de 2020. Salienta-se que o Contrato de Concessão prevê a construção do Novo Aeroporto de Lisboa no CTA (Artigo 42.1).
Da parte da ANA/VINCI houve sobre este assunto um silêncio comprometedor, sempre fugindo ao debate sério. O projeto do Montijo nunca foi disponibilizado com um nível de detalhe que permitisse a sua análise e eventual contraditório. As afirmações da ANA/VINCI foram sempre sob a forma de homilia e na defesa intransigente da manutenção do aeroporto principal no interior da cidade de Lisboa.
Salienta-se que este aeroporto registou em 2019, antes da pandemia, situações com uma média diária de cerca de 740 movimentos (aterragens e descolagens), o que na situação de saturação, após as obras em curso, conduziria inevitavelmente a uma capacidade para operar cerca de 850, com as consequências para a saúde e riscos para a segurança das populações, que facilmente se podem antever.
A covid-19 conduziu à maior crise de que temos memória, com consequências desastrosas na forma de vida das pessoas e na economia mundial e, em particular, no setor do transporte aéreo de passageiros. De acordo com o relatório do Eurocontrol, do corrente mês, desde janeiro até outubro de 2020 a redução global no tráfego aéreo nos países que integram esta entidade foi de 56%. No aeroporto de Lisboa a quebra do número de passageiros entre o segundo trimestre de 2019 e o período homólogo de 2020 foi de 97%! Os números falam por si.
Ainda de acordo com os cenários apresentados nesse relatório do Eurocontrol, é previsível que a retoma no aeroporto de Lisboa para o número de passageiros registado em 2019 se verifique em 2024, considerando o cenário otimista. Assumindo o cenário moderado, a retoma poderá ocorrer em 2026, passando para 2029 no cenário pessimista. Estes cenários, apesar de conterem incertezas, foram desenvolvidos tendo em conta diferentes variáveis, entre as quais as datas previsíveis para a disponibilização das vacinas em todos os países.
Face a estes cenários, e tendo em conta que a saturação do aeroporto Humberto Delgado, após as obras em curso, se verificaria, na situação pré-covid, em 2030 (relatório do Eurocontrol de dezembro de 2016), essa saturação deverá ocorrer, no pós-covid, em 2036, assumindo o cenário moderado.
Surge, naturalmente, a pergunta. Porquê as pressões da ANA/VINCI, “que com muita preocupação temem os atrasos” na concretização do aeroporto do Montijo? Qualquer aeroporto, seja na BA6 ou no CTA (1.ª fase), terá um período de construção análogo e inferior a cinco anos. Qual a razão destes temores? Qual a urgência? Estamos em 2020, ou seja, a uma distância de cerca de 16 anos da referida data prevista para a saturação da Portela.
Em conclusão, o período de retoma no pós-covid retirou a urgência, o que justifica a realização da AAE, dando cumprimento à legislação em vigor. A AAE permitirá a análise técnico-económica e ambiental comparada de soluções alternativas ao Montijo, incorporando a já profundamente estudada para localização no CTA. Pretende-se uma solução para o futuro que dê resposta às exigências impostas por um aeroporto internacional que sirva a região de Lisboa e o País.
Uma solução que seja sustentada num Plano Estratégico de longo prazo para o sistema aeroportuário Português. Afinal, qual é a cidade Europeia que tem no seu interior um aeroporto internacional de grande dimensão?
As recentes declarações da APA, segundo as quais a não apresentação de um documento da responsabilidade da apresentação pela ANA/VINCI do RECAPE “determinará a caducidade da DIA em causa” (Expresso de 13 de novembro), causam grande preocupação. Esta posição suscita várias interrogações. O que é que mudou ambientalmente no CTA após as sucessivas renovações da DIA e, em particular, da última? Conhecendo-se a posição negativa e de omissão por parte da ANA/VINCI em relação à solução aeroportuária no CTA, será que vai apresentar o pedido de renovação como lhe compete? Qual a responsabilidade da APA neste processo?
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico