Entre o “Brexit” e a logística, os britânicos lançam-se à aventura da vacinação
As primeiras doses começam a ser administradas terça-feira. Mas a partir de 1 de Janeiro, o já desafiante empreendimento de vacinação no Reino Unido pode tornar-se ainda mais complicado caso não haja acordo com a União Europeia.
O mundo vai estar de olhos postos no Reino Unido que esta semana se prepara para ser o primeiro país da Europa Ocidental a iniciar o processo de vacinação da população contra a covid-19. Uma combinação de factores está a causar preocupação pela aproximação de uma “tempestade perfeita” que junta o “Brexit”, a pressão da gripe e os riscos de segurança.
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O mundo vai estar de olhos postos no Reino Unido que esta semana se prepara para ser o primeiro país da Europa Ocidental a iniciar o processo de vacinação da população contra a covid-19. Uma combinação de factores está a causar preocupação pela aproximação de uma “tempestade perfeita” que junta o “Brexit”, a pressão da gripe e os riscos de segurança.
As primeiras doses da vacina, que na semana passada recebeu a autorização para uso de emergência, destinam-se a partir de terça-feira aos profissionais de saúde envolvidos no tratamento de pacientes com covid-19, trabalhadores de lares e pessoas com mais de 80 anos.
Os preparativos para a distribuição da vacina desenvolvida pelas farmacêuticas Pfizer e BioNTech – que também foram adquiridas pelo Estado português – envolvem uma segurança muito apertada, uma logística sem precedentes e uma resposta sólida do NHS, o serviço nacional de saúde britânico. E, mesmo assim, são muitos os aspectos que ameaçam o sucesso do empreendimento.
Em Junho de 2016, quando os britânicos votaram na sua maioria a favor da saída da União Europeia, muitos foram os avisos feitos pelos opositores do “Brexit” para o que iria significar um abandono britânico do bloco europeu. Mas é justo dizer que ninguém previa que a esse momento se seguiria uma pandemia.
Com o impasse entre Londres e Bruxelas a arrastar-se, a probabilidade de não haver um acordo de parceria económica e política entre os dois blocos a partir de 2021 aumenta. Nesse cenário, passam a estar em vigor as regras da Organização Mundial do Comércio e muitos temem os efeitos que o regresso dos controlos fronteiriços possa ter para os transportes. Esta realidade seria desafiante em tempos normais, mas associada a um esforço gigantesco de distribuição de vacinas é possível que venha a ser uma tarefa colossal.
“Vai haver atrasos nas fronteiras e irá levar algum tempo até que a UE e o Reino Unido se habituem ao comércio com o novo sistema, e é possível que o equipamento importado necessário para combater a pandemia seja apanhado nisso”, disse ao Guardian o investigador do Centro para a Reforma Europeia, Sam Lowe.
As autoridades estão confiantes de que o desfecho das negociações entre a UE e o Reino Unido não terá impacto na distribuição da vacina a partir do fim do ano. “Treinámos, estamos preparados, estamos totalmente preparados para qualquer desfecho”, disse na BBC a presidente da MHRA, a agência de regulação dos medicamentos, June Raine.
Vacinas de avião
Uma das alternativas estudada pelo Governo britânico é o recurso ao transporte aéreo militar para fazer chegar milhões de doses as vacinas da fábrica belga da Pfizer até ao Reino Unido, de forma a evitar potenciais problemas na fronteira terrestre.
A decisão, diz o jornal The Guardian, mostra que o Governo está preparado para que haja perturbações no fluxo nos portos e nos aeroportos comerciais a partir de 31 de Dezembro, haja ou não acordo com a União Europeia.
Na semana passada, o Exército britânico fez uma espécie de ensaio geral para testar a capacidade de transporte das vacinas para um dos centros preparados para as receber, que baptizou de “Operação Panaceia”. Foram testados vários cenários, incluindo situações de reacções adversas por parte de pacientes à vacina, diz o jornal The Sun.
O teste foi realizado no estádio de Ashton Gate, em Bristol, que será um dos sete grandes centros regionais onde milhares de pessoas serão vacinadas nos próximos meses diariamente.
Todo o planeamento poderá revelar-se insuficiente num cenário de grande pressão sobre o NHS que, de acordo com o Guardian, ainda antes da pandemia dizia precisar de cem mil profissionais. Os especialistas temem os efeitos de um ressurgimento do número de infecções em Janeiro, após o período festivo.
“Claramente a tempestade perfeita seria uma combinação de uma terceira vaga no final de Janeiro, originada talvez pelas regras menos duras durante o Natal, uma vaga de gripes, e a enorme acumulação de tratamentos que foram adiados na primeira fase. E ainda ter de fazer a vacinação ao mesmo tempo”, diz ao Observer o director-executivo do NHS Providers (organismo que faz a ponte entre o Governo e as unidades de saúde), Chris Hopson.
Mostrando que os imprevistos serão mais que muitos, um dos planos iniciais do programa de vacinação – a prioridade dada aos utentes e trabalhadores dos lares – já teve de sofrer ajustes, de acordo com o El País. O problema está relacionado com a dimensão dos contentores de armazenamento a 70 graus negativos, que têm capacidade até 975 unidades, mas cujo transporte para lares com poucas dezenas de pessoas pode acabar por deixar várias doses inutilizadas. O governo do País de Gales já assumiu que não vai conseguir distribuir as vacinas pelos lares nesta fase.
Um problema latente, mas que também põe em causa todo o esforço de vacinação, é a elevada quantidade de britânicos que mostra resistência a ser vacinada. Numa sondagem do Observer, 35% dos inquiridos afirmou ser improvável vir a ser vacinado.