Web Summit 2020: “Não vale a pena pagar 900 euros por um evento só online”
A edição deste ano trouxe centenas de horas de videoconferências, plataformas de mensagens e reuniões mistério com bonecos enviados do ecrã, mas quem foi à feira para apresentar a sua startup sente que teve dificuldade a chegar aos investidores.
Brunno Falcão chegou ao último dia da edição de 2020 da Web Summit com a sensação de que falou para milhares de pessoas, mas não captou a atenção dos investidores. Pelo menos, não conseguiu falar com nenhum.
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Brunno Falcão chegou ao último dia da edição de 2020 da Web Summit com a sensação de que falou para milhares de pessoas, mas não captou a atenção dos investidores. Pelo menos, não conseguiu falar com nenhum.
O brasileiro comprou um dos primeiros bilhetes para a edição de 2020. Desde 2018 que vai a Lisboa falar ao mundo da Science Play, uma startup que reúne cursos online na área da saúde, desporto e nutrição. O bilhete mais básico ronda os 220 euros, os premium chegam aos 999 euros (Falcão diz que em 2019 pagou cerca de 900 euros para a equipa toda). Só que este ano a pandemia da covid-19 obrigou a Web Summit a trocar a Altice Arena e a Feira Internacional de Lisboa por uma aplicação online onde 100 mil pessoas se juntaram para falar e assistir a centenas de videoconferências em directo.
“Não vale a pena pagar 900 euros por um evento só online. Há muito networking, mas não tem tanta qualidade”, resume Falcão. No entanto, como comprou o bilhete antes de a pandemia eclodir, terá acesso directo à edição de 2021. “É a única forma de ser justo.”
No final dos três dias, o empresário brasileiro sente que apresentou o projecto a mais pessoas e participou em dezenas de videochamadas, mas não chegou a potenciais financiadores. Contrariamente ao evento ao vivo, os investidores não circulavam pelo espaço da feira com uma pulseira colorida claramente identificada ao pulso.
“Aqui, eles estão escondidos e vão realmente às empresas que querem”, partilha com o PÚBLICO através do serviço de mensagens da aplicação da Web Summit. “No evento, conseguíamos captar a atenção de uma forma visual, seja pelas nossas camisas ou pelo nosso stand. Aqui não conseguimos tanto.”
Depois, é preciso dividir a atenção das pessoas a participar na Web Summit com aquilo que está a acontecer do outro lado do ecrã. “No modelo online, as pessoas podem estar até mais dispersas com outras actividades do quotidiano”, admite.
Comunidade e emojis
Prova disso é o “escritório improvisado” de Isabella Molterer, 22 anos, e Lisa Marie, 24 anos, que assistiram à Web Summit do sofá do apartamento que partilham perto da Universidade de Ciências de Salzburg, na Áustria, com uma caixa de bolachas no meio dos ecrãs de onde vêem a feira.
Sem custos associados a viagens, participar na Web Summit tornou-se uma realidade entre as tarefas do dia e os trabalhos da faculdade. Pagaram 57 euros pela experiência (um preço com desconto, por serem estudantes e inscrevem-se em grupo) e acreditam que foi um valor razoável, embora não percebam porque é que não podem ter acesso às gravações das sessões a que não conseguiram assistir directamente na aplicação. Especialmente considerando que algumas das sessões, particularmente aquelas em que participam os líderes de topo das grandes empresas, são transmitidas gratuitamente no YouTube.
Foi o caso das intervenções no canal “central" da Web Summit (que substitui o palco principal) por onde passou o fundador da plataforma online Zoom, Eric Yuan, e o presidente da Huawei, Liang Hua.
“Há sessões que se sobrepunham”, queixa-se Molterer, que está a completar um mestrado em Tecnologia e Multimédia e usou a Web Summit para participar em vários workshops sobre inteligência artificial e programas de armazenamento de ficheiros online.
Ainda assim, o levantamento que fazem foi positivo. Se existir outro evento online vão voltar. “Gostei das perguntas que apareciam nas videoconferências, dos emojis que podíamos enviar, e dos programas de mensagem como uma forma de interagir com os outros participantes”, enumera Molterer. “Apesar de tudo, a sensação de comunidade estava lá, especialmente com sistemas como o Mingle”, nota.
A função “Mingle” (inglês para “convívio”) é uma das formas que a Web Summit arranjou para recriar os encontros casuais que acontecem na feira. Como? Juntando participantes aleatórios para conversar em videochamadas de três minutos. “Comparativamente aos vídeos que são transmitidos em directo no YouTube, sentimo-nos mais envolvidas na cimeira”, explica Molterer.
“Sinto que não teria conhecido tantas pessoas cara a cara num evento físico, embora tenha saudades dos apertos de mãos”, acrescenta, por sua vez, a polaca Kasia Toczko, da PrivMX, uma startup de ferramentas de colaboração online. Para a equipa, que se estreou na Web Summit, a feira foi uma pausa da pandemia da covid-19, uma oportunidade de sair do escritório. “Poder sair de casa para falar com pessoas fora da família foi como uma minicelebração”, partilha.
“O evento ao vivo tem outro charme”
Quem se lembra da feira na FIL sente, porém, que a edição virtual da Web Summit deixa a desejar.
“A sessão do Mingle é interessante, mas é difícil chegar às pessoas certas. Aparecem sempre pessoas que querem vender e oferecer os seus serviços e não possíveis clientes, parceiros ou investidores”, partilha o belga Stijn Bogaerts que participou na Web Summit para apresentar a MoNoA, uma aplicação que monitoriza o nível de stress das pessoas e ajuda a manter a saúde mental. Comprou o bilhete para a Web Summit em Fevereiro, quando ainda não se sabia que a covid-19 se ia tornar uma pandemia. É a segunda vez que participa. Mas, à semelhança de Brunno Falcão, este ano chegou ao fim da feira sem falar com investidores.
Tirando o trio de finalistas e a vencedora do prémio — que este ano foi para a startup etíope Lalibela, que tem a missão de digitalizar ficheiros médicos em África —, as restantes 2004 startups na Web Summit lutam para chamar à atenção dos ecrãs das casas dos participantes.
“O facto de estarmos no conforto das nossas casas em vez de estar a correr e a andar quilómetros torna o evento menos cansativo”, reflecte o francês Gregory Stoos, que participou na Web Summit pelo quarto ano consecutivo. Só que também é menos compensador. Este ano, Stoos entrou na Web Summit gratuitamente por participar no concurso de startups da cimeira, com a Planless.io, uma ferramenta para ajudar empresas a organizar o dia de trabalho à distância.
“O evento ao vivo tem outro charme”, sublinha Stoos, cuja empresa está sediada na Startup Portugal, em Lisboa. “Ao vivo, é mais fácil criar relações mais significativas com as pessoas que conhecemos. E a falta de eventos paralelos, como a Night Summit, impede este evento de ter a verdadeira magia da feira.”
É algo que o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, admitiu no final do evento: a Web Summit online mostrou o quão importante é o evento físico, com milhares de pessoas a percorrer as ruas de Lisboa. “Todos nós sonhamos, pelo menos uma vez na vida, com um mundo digital, com uma Web Summit totalmente digital”, frisou. “Estamos lá, pelas piores razões – a pandemia”.
O Presidente espera, por isso, que a edição de 2021 decorra no formato habitual, voltando a reunir pessoas “em carne e osso”, seja pela aprendizagem, negócio ou diversão.
Um concerto dos Dead Combo encerrou a sessão: uma gravação de Junho, do Castelo de São Jorge, para ser vista em directo dos ecrãs de todo o mundo.