O novo rosto do PÚBLICO
Por vezes num tom imperativo, noutros casos em textos bem fundamentados, vários leitores tomam partido contra a saída do Bartoon da última página do jornal e as explicações sobre a matéria já dadas pelo director.
Um dos mais acérrimos defensores do statu quo ante e crítico contundente do director e do provedor é o leitor Filipe A. Silva Monteiro. “Se o novo rosto do PÚBLICO gerou polémica (…) Talvez mereça, por exemplo, que o provedor se tivesse interrogado sobre o argumento principal apresentado pelo director do jornal para a saída do Bartoon da última página. Diz o director que ‘a visão do país e do mundo expressa nas tiras do Luís Afonso enquadra-se melhor na lógica do espaço de opinião do que na última página’.”
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Um dos mais acérrimos defensores do statu quo ante e crítico contundente do director e do provedor é o leitor Filipe A. Silva Monteiro. “Se o novo rosto do PÚBLICO gerou polémica (…) Talvez mereça, por exemplo, que o provedor se tivesse interrogado sobre o argumento principal apresentado pelo director do jornal para a saída do Bartoon da última página. Diz o director que ‘a visão do país e do mundo expressa nas tiras do Luís Afonso enquadra-se melhor na lógica do espaço de opinião do que na última página’.”
“Mas a última página não é um espaço de opinião? As crónicas do Rui Tavares e do João Miguel Tavares não são espaços de opinião? O que são então? Há uma lógica de opinião nas páginas interiores para onde passou o Bartoon que não existe na última página? Qual? (…) Metade da vida do PÚBLICO foi com o Bartoon na última página (que) é o segundo rosto do PÚBLICO e o Bartoon era ali uma âncora essencial. Mudá-lo para o interior do jornal é retirar-lhe valor e empobrecer o PÚBLICO. Mas a decisão arrasta ainda dois problemas graves.”
E continua o leitor: “O primeiro é que ele foi parar a uma página com um grafismo na vertical, no contexto de uma remodelação na horizontal. Quando a nova lógica de arrumação do jornal é horizontal e o Bartoon tem uma leitura na horizontal, foram precisamente colocá-lo numa página onde a leitura se faz na vertical. Resultado: surge amputado, de leitura enviesada, distorcida, encolhido num canto de uma página e junto a minudências várias (…).”
“O segundo é que no antigo lugar do Bartoon não há… nada. Ou seja, a mudança aparentemente fez-se porque sim. (…) O que aparece no lugar do Bartoon agora é uma autopromoção do jornal (…). Ainda se o Bartoon tivesse sido transferido por causa de alguma campanha publicitária altamente rentável para o jornal, poderíamos lamentar, mas compreenderíamos nestes tempos de penúria e grave crise financeira dos media. Mas assim?”
O leitor conclui interrogando-se e interrogando o director “sobre as razões pelas quais há espaço para a (inútil) ficha técnica diária, mas não há espaço para o (útil) cartaz cinematográfico diário? (…)”.
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Transmiti as reflexões do leitor Filipe A. Silva Monteiro ao director do PÚBLICO, que a elas responde: “Quando as instituições são sólidas e apreciadas, como o Bartoon, (…) por vezes parecem-nos eternas. O leitor diz que ‘metade da vida do PÚBLICO foi com o Bartoon na última página’ quando, na verdade, esse posicionamento ocorreu apenas durante quatro dos 30 anos do jornal.”
“No espaço da última página aposta-se na autopromoção. Um jornal tem de comunicar com os seus leitores os serviços que presta e a forma como podem ser comprados. Os produtos acessórios ou as assinaturas são hoje tão importantes para a sustentabilidade financeira do PÚBLICO que, há que assumi-lo com honestidade, faz todo o sentido aproveitar espaços nobres como os da última página para os promover.”
“Quanto à ficha técnica, é também um regresso a um espaço de informação que é importante existir. Não porque seja necessário no dia-a-dia, mas porque num jornal impresso tem de haver um lugar onde os leitores podem procurar nomes de jornalistas, editores ou até de outros departamentos da empresa com os quais precisem de contactar.”
O director do PÚBLICO responde, com as razões que lhe assistem, apenas a três das questões levantadas pelo leitor. Três outras, bem pertinentes, ficam sem resposta: de facto, a última página também é um evidente espaço de opinião; de facto, o Bartoon tinha uma leitura na horizontal e foi colocado numa página onde a leitura se faz na vertical; de facto, a ficha técnica do jornal, para cumprir a sua missão, não tem de estar nas páginas que parecem ser, graficamente, as centrais. Estas mudanças podem não ter sido feitas “porque sim”, como escreve o leitor, mas o director também não diz por que as fez.
O provedor também é objecto de críticas por parte de alguns leitores, que o acusam de se ter “agachado para fora da possibilidade do soco”, ao não tomar posição sobre a matéria. A sua coluna de 21.11.2020 desapontou o leitor Filipe A. Silva Monteiro por “várias razões. (…) Menos de um terço do texto é sobre o assunto que lhe dá título” (O novo rosto do PÚBLICO).
Responde o provedor: pela sua natureza, a crónica do provedor aborda vários temas suscitados pelos leitores. Não podendo dizer respeito a todos, o título remete para o tema que considero ser o principal e que, nesse dia, foi o da remodelação gráfica do jornal.
Continua o leitor: “Os restantes dois terços são ocupados ora com um tema irrelevante — o da ‘insuficiente identificação dos autores’ dos trabalhos —, ora com um tema lateral — o corte da palavra a Trump nas televisões americanas, que se aceitaria num texto de opinião, mas surge como deslocado na coluna do provedor dos leitores.”
Responde o provedor: compreendo que cada leitor considere o tema que aborda como o mais relevante. Mas também é possível considerar, com igual pertinência, que a “identificação dos autores” dos textos foi uma boa oportunidade para o provedor recordar o que é o trabalho do jornalista. Ele é o que é e não o que cada leitor julga que ele deve ser. O jornalismo não é uma ciência exacta, mas, no PÚBLICO, ele é regido por códigos de conduta bastante estritos cujo conhecimento ajuda a desfazer alguns mitos e responde a algumas críticas dos leitores.
Quanto ao “tema lateral”, ele levanta claramente questões que se prendem com a prática do jornalismo. E, sim, é um texto de opinião. Porque uma das competências do provedor é, exactamente, pronunciar-se sobre a ética e a deontologia jornalística (.4 do Estatuto). Acontece que elas são transversais a todos os regimes democráticos. Os leitores do PÚBLICO não vivem numa redoma de vidro, e Portugal e os portugueses já não estão “orgulhosamente sós”. O que aconteceu com o corte do discurso de Trump constitui ou não um precedente? Parece-me preferível que se debata o assunto agora e não a posteriori, de acordo com a estafada técnica do fait accomplis.
No que respeita ao Bartoon, o leitor conclui os seus reparos ao provedor apontando “a ausência de tomada de posição (…) entre as queixas de alguns leitores e a resposta do director. Cita uns e outro e passa adiante”.
O provedor “passou adiante”, é verdade, porque o cerne da questão se prende com o gosto e os hábitos de leitura de cada leitor (alguns dispensam a publicação de cartoons nos jornais) e porque mal iria se o PÚBLICO se esgotasse numa das suas muitas rubricas. Ora haverá algo de mais subjectivo que o gosto de cada um? Outra coisa, bem diferente, é a análise da resposta do director. Era previsível que outras reacções sobre a matéria – tal como aconteceu com o leitor Filipe A. Silva Monteiro – fossem enviadas ao provedor. Como foram. Um mínimo de ponderação aconselhava o provedor a esperar um pouco, sob pena de transformar a questão do Bartoon numa telenovela infindável, com manifesto prejuízo para as interrogações – legítimas interrogações – dos leitores que se preocupam com outros assuntos, e às quais não deixarei de responder.