Vacinas contra a covid-19: “Não tenham medo das reacções adversas”
Especialistas participaram na reunião no Infarmed, em Lisboa, e explicaram o que se sabe sobre as vacinas em desenvolvimento para a covid-19. Plano de vacinação em Portugal será apresentado esta quinta-feira.
O professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, João Gonçalves, alertou esta quinta-feira, durante a reunião de especialistas no Infarmed, em Lisboa, para que as pessoas “não tenham medo” das reacções adversas que uma eventual vacina contra a covid-19 possa causar.
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O professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa, João Gonçalves, alertou esta quinta-feira, durante a reunião de especialistas no Infarmed, em Lisboa, para que as pessoas “não tenham medo” das reacções adversas que uma eventual vacina contra a covid-19 possa causar.
Depois de uma primeira parte dedicada à situação epidemiológica actual, os especialistas abordaram o tema das vacinas na reunião, tendo em conta que na tarde desta quinta-feira será apresentado o plano de vacinação contra a covid-19 em Portugal.
Segundo o especialista João Gonçalves, a vacina não vai criar imunidade igual para todas as pessoas e não se sabe ainda quando vai ser criada a imunidade de grupo – aqui a vacina terá também um papel crucial. “É importante continuar a proteger os grupos de risco até a imunidade de grupo estar consolidada”, sublinhou.
“Todas as vacinas têm reacções adversas”, mas há efeitos adversos que são bons – como a dor de cabeça, febre e inchaço –, pois significam que o sistema imunitário está a “lutar”, defendeu o professor. “Não tenham medo destas reacções adversas, porque é o sistema imunitário que está” a reagir à vacina, insistiu.
Depois de a vacina estar no mercado, é preciso continuar a avaliar a imunidade. “Monitorizar é importante e o Infarmed terá certamente indicações para isso”, assegurou João Gonçalves. E concluiu: “Os benefícios da imunidade à vacina sobrepõem-se aos riscos da não-vacinação.”
O professor da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa explicou ainda como funcionam as vacinas. “A questão da memória [do sistema imunitário] é fundamental”, afirmou.
A propósito da imunidade conseguida por pessoas que estiveram infectadas com o vírus SARS-CoV-2, o especialista destacou que “a surpresa é que os doentes com mais sintomas são aqueles que têm mais protecção”. “Nos que tiveram doença assintomática, não vimos desenvolvimento de muitos anticorpos”, destacou. Ao longo do tempo, a quantidade de anticorpos vai diminuindo. Este factor é diferente de pessoa para pessoa – mas aquilo que tem sido observado nos doentes, poderá ser observado nos próximos tempos com a vacina: ao longo do tempo, a eficácia vai diminuindo. Além disso, as pessoas com mais idade têm menos capacidade de responder às vacinas.
A imunidade contra o vírus que causa a covid-19 consegue-se com “o desenvolvimento de anticorpos virais capazes de impedir a entrada do vírus nas células”. O que pode ser conseguido com as vacinas, que treinam o sistema imunitário a reconhecer mais tarde o mesmo vírus, para o poder combater. E qual a duração da imunidade? O ideal seria uma elevada memória imunológica ao longo dos anos, mas no que diz respeito ao vírus SARS-CoV-2 pode não ser esse o caso.
Vacina contra a covid-19 não deverá ser “uma vacina tradicional, mas de nova geração”
António Roldão, do Instituto de Biologia Experimental e Tecnológica (iBET) e do Laboratório de Desenvolvimento das Vacinas, dirigiu-se à sala para abordar a produção de vacinas e falar sobre qual a vacina que deverá ser escolhida para combater o SARS-CoV-2 (covid-19).
O especialista começou por assinalar os 20 principais surtos de doenças infecciosas no século XX, e alertou que, “com o aumento da mobilidade, maior interacção entre seres humanos e animais, mudanças climáticas e consumo de produtos de origem animal” o número de surtos de doenças infecciosas será cada vez maior, pelo que “é preciso sermos proactivos e não reactivos”.
António Roldão distinguiu a existência de dois grupos de vacinas: as vacinas tradicionais e as vacinas de nova geração. Embora as vacinas tradicionais representem 81% de todas as vacinas actualmente comercializadas, é nas vacinas da nova geração que estão concentradas todas as atenções: neste momento, 75% das vacinas que estão em desenvolvimento são de nova geração (e são estas que estão a ser estudadas pelos laboratórios da Pfizer e da Moderna, por exemplo).
Mas o que as distingue? Ainda que qualquer vacina tenha de contemplar três critérios (ser segura, eficaz e economicamente viável), as vacinas têm formas de produção e actuação diferentes, explicou o especialista.
Enquanto as vacinas inactivadas (ou seja, as tradicionais) funcionam com base no uso do próprio vírus, com a selecção da estirpe do vírus, as vacinas da nova geração são “baseadas em mRNA (de nova geração)”. Isto é, num processo “ligeiramente mais complexo do usado nas vacinas”, estas vacinas deixam de usar bactérias e usam células para combater o vírus.
Na sua explicação, o especialista alertou que “o processo de produção de vacinas é complexo e envolve um sem número de passos que estão ligados entre eles, com regras específicas e qualquer interrupção destes passos interrompe a cadeia, o que tem um impacto nas políticas de saúde”.
Eficácia e segurança são as exigências para a entrada de vacinas no mercado
“É surpreendente o esforço mundial” para desenvolver uma vacina contra a covid-19, começou por dizer Fátima Ventura, da unidade de avaliação científica do Infarmed, num ponto de situação sobre a avaliação e autorização das vacinas contra a covid-19.
Dentro das seis vacinas a que o país terá acesso, há diferenças entre elas. Uma é o número de doses: a vacina da Johnson & Johnson, por exemplo, deverá ser administrada apenas uma dose; no caso da AstraZeneca, serão duas doses intramusculares. As vacinas estão em etapas diferentes, mas os estudos dos ensaios clínicos destas vacinas mostram resultados promissores – mas ainda há muito a saber, referiu Fátima Ventura. Estes são “estudos bastante longos”, feitos ao longo de meses, e depois da aprovação, estas análises continuarão.
A eficácia e a segurança são os requisitos exigidos para que se possa introduzir estas vacinas no mercado. A Agência Europeia do Medicamento requer que haja, pelo menos, 50% de eficácia. Quanto à segurança, uma das exigências é que os ensaios clínicos tenham dezenas de milhares de indivíduos. São ainda analisadas as reacções adversas à vacina.
O processo até se autorizar uma vacina é longo, mas em situações de emergência tenta-se acelerar o processo.
Se a vacina for 100% eficaz, Portugal precisará de vacinar 67% da população
Henrique de Barros, epidemiologista do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto, alertou, por sua vez, que a aplicação da vacina terá de ser cruzada com outras variáveis, nomeadamente com a taxa de eficácia da própria vacina, mas também com a percentagem de população que já deverá ter contactado com o vírus, bem como com as medidas de restrição e segurança que têm sido aplicadas.
A partir destas ressalvas é possível traçar vários cenários. Por exemplo:
- Se a vacina tem uma eficácia de 100%, então teremos de vacinar 67% da população;
- Se a eficácia da vacina for de 90%, então é exigido que se vacine pelo menos 74%;
- Se a taxa de eficácia cair para 70%, é preciso vacinar 95% da população.
Mas se 10% dos portugueses já estiverem imunes e a eficácia da vacina for de 70%, então assim é possível diminuir o número de vacinas a administrar (numa taxa de eficácia da vacina de 70%), mas ainda assim “temos de vacinar 79% da população”, sublinhou.
Quase 30% das pessoas querem tomar a vacina logo que esteja disponível
Segundo os dados da última quinzena apresentados pela directora da Escola Nacional de Saúde Pública, Carla Nunes, há 30% das pessoas que estão disponíveis para tomar a vacina logo que esteja disponível e 6% que não a quer tomar nunca. A evolução tem sido positiva, favorável à toma da vacina.
Um outro estudo com 1691 indivíduos centrado no último mês mostra que a decisão de tomar ou não a vacina depende de vários factores, como o estado de saúde, a confiança na vacina e nos serviços de saúde, as informações disponíveis e também crenças. Há quase 30% que querem tomar a vacina assim que estiver pronta e há 62% que pretende esperar algum tempo para tomar a vacina. Entre as pessoas que dizem querer esperar para tomar uma vacina estão mais mulheres, os mais jovens, os que não tomam a vacina da gripe este ano e os que não consideram que têm um risco elevado em caso de infecção.
Entre as pessoas que não querem tomar a vacina estão os mais jovens, com boa saúde e pessoas com menor escolaridade.