“Pôr-se ao fresco” e outros achados de filosofia política
Sim, é provável que o Bloco seja penalizado nas próximas eleições – desde já nas presidenciais. As autárquicas não contam, porque o BE é irrelevante do ponto de vista autárquico. Mas no futuro não se sabe – e ser constantemente humilhado pelo parceiro de “geringonça” também não é um grande currículo pré-eleitoral.
Dias depois da aprovação do Orçamento do Estado com o voto contra do Bloco de Esquerda, António Costa veio explicar o transe que pôs fim à outrora celebrada “geringonça” – que estava em agonia, de resto, já desde as últimas eleições, quando Costa não quis assinar nenhum acordo, apesar de, tal como em 2015, não ter maioria parlamentar – apesar de, ao contrário do que aconteceu nesse ano, ser agora o partido mais votado.
A verdade faz-nos mais fortes
Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.
Dias depois da aprovação do Orçamento do Estado com o voto contra do Bloco de Esquerda, António Costa veio explicar o transe que pôs fim à outrora celebrada “geringonça” – que estava em agonia, de resto, já desde as últimas eleições, quando Costa não quis assinar nenhum acordo, apesar de, tal como em 2015, não ter maioria parlamentar – apesar de, ao contrário do que aconteceu nesse ano, ser agora o partido mais votado.
E então o que disse Costa em entrevista à rádio Observador? Uma elaborada teoria sobre o que terá levado o BE a votar contra: “O Bloco partiu do seguinte pressuposto: como o PCP se declarou no orçamento suplementar indisponível para qualquer acordo, ‘nós não estamos disponíveis para ser o único parceiro do Governo sobretudo numa altura muito difícil com a pandemia, a crise económica e social e o Governo vai ser muito impopular.’ ‘Fiquem sozinhos com a vossa impopularidade que nós vamos pôr-nos ao fresco.’ Foi isto que o BE pensou. E se bem pensou, melhor o fez. Pôs-se ao fresco.”
Não é novidade para ninguém que Costa detesta o Bloco de Esquerda e gosta do PCP. Mas é especialmente interessante que quando o PCP se mostrou “indisponível para qualquer acordo” – como diz Costa – no orçamento suplementar, não foi mimoseado com nenhuma destas coisas, nomeadamente a acusação de “oportunismo político”: “Os portugueses percebem bem este tipo de oportunismo. As pessoas não perdoam o oportunismo.”
Ao contrário de Ana Catarina Mendes, a secretária-geral adjunta, que, apesar das críticas que fez ao Bloco de Esquerda, achou que a reunificação da “geringonça” era um objectivo, Costa parece animado em pôr o Bloco de lado. É verdade que lhe basta a maioria com o PCP e, na sua busca desesperada por um gato, o PAN serve na perfeição.
Como Costa é um homem de muita sorte política, é provável que o PCP faça tudo para que a legislatura chegue ao fim, uma vez que eventuais eleições antecipadas lhe podem ser desagradáveis. A acrescentar à sorte de Costa, o recente abraço de Rio ao Chega fará voar o eleitorado centrista para o PS – Rio e toda a direita, com a excepção de duas dúzias dos seus militantes, não perceberam o que lhes aconteceu e como fizeram a Costa e ao PS (e também a Ventura) o maior favor das suas vidas.
Sim, é provável que o Bloco seja penalizado nas próximas eleições – desde já nas presidenciais. As autárquicas não contam, porque o BE é irrelevante do ponto de vista autárquico. Mas no futuro não se sabe – e ser constantemente humilhado pelo parceiro de “geringonça” também não é um grande currículo pré-eleitoral.