A festa literária de Paraty, virtual e gratuita, para quem se aguentar noite afora
Até domingo passarão pelos ecrãs da FLIP a escritora britânica Bernardine Evaristo, o nigeriano Chigozie Obioma, os norte-americanos Jonathan Safran Foer e Eileen Myles, o brasileiro Itamar Vieira Júnior, a artista Jota Mombaça e o filósofo espanhol Paul B. Preciado, que estará à conversa com Caetano Veloso. As sessões podem ser acompanhadas em directo através do site oficial e das redes sociais do evento.
Depois de ter participado virtualmente na Feira do Livro de Frankfurt em Outubro passado, a escritora Bernardine Evaristo, que em 2019 repartiu o Booker com Margaret Atwood, tornando-se na primeira afro-britânica na lista dos laureados do prémio, abrirá a 18.ª edição da Festa Internacional de Paraty (FLIP) que começa virtualmente nesta quinta-feira e termina no próximo domingo, 6 de Dezembro.
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Depois de ter participado virtualmente na Feira do Livro de Frankfurt em Outubro passado, a escritora Bernardine Evaristo, que em 2019 repartiu o Booker com Margaret Atwood, tornando-se na primeira afro-britânica na lista dos laureados do prémio, abrirá a 18.ª edição da Festa Internacional de Paraty (FLIP) que começa virtualmente nesta quinta-feira e termina no próximo domingo, 6 de Dezembro.
A autora de Rapariga, Mulher Outra e professora de escrita criativa na Brunel University London conversará às 21h, em Portugal continental, 18h no Brasil, com a jornalista, tradutora e poeta brasileira Stephanie Borges sobre o seu livro numa mesa que tem por tema as “Diásporas”. A escritora já disse, em entrevistas, que como escritora negra britânica não sente que queira escrever sobre raça mas acredita que a sua missão é falar sobre a diáspora africana.
Nos anos anteriores as sessões principais da FLIP já eram transmitidas em directo virtualmente, mas este será o primeiro ano em que por causa da pandemia aquela que é a mais importante festa literária brasileira não se realiza presencialmente. Também pela primeira vez o evento não terá autor homenageado, depois da polémica que causou o anúncio do nome de Elizabeth Bishop, que seria a primeira estrangeira, por causa da escritora ter celebrado o golpe militar de 31 de Março de 1964, que mergulhou o país numa ditadura que se manteria até 1985.
“Entendemos que este ano a pandemia causou a morte de artistas imprescindíveis à nossa cultura, como o escritor Sergio Sant’Anna, o compositor e letrista Aldir Blanc, o artista plástico Abraham Palatnik e a regente Naomi Munakata, entre muitos outros. Portanto, este não é um momento de celebração. Assim, não teremos um autor específico em destaque, iremos homenagear colectivamente os que partiram”, justificou Liz Calder, a presidente do conselho da FLIP, no comunicado enviado à imprensa.
E também não terá curadora, pois Fernanda Diamant, que estava no seu segundo ano à frente da festa, pediu a demissão em Agosto considerando que a FLIP precisava de “uma curadora negra para se reinventar no mundo pós-pandemia”. No entanto a FLIP revelou que deu seguimento à programação que ela já tinha pensado, honrando os convites já feitos. Segundo a Folha de S. Paulo, dos 21 convidados desta edição, que tem na sua maioria convidados negros, 14 foram definidos pela ex-curadora.
Transições e florestas vivas
A totalidade da programação deste ano será de acesso livre e gratuito, através do site www.flip.org.br, do YouTube/flipfestaliteraria e das redes sociais da FLIP. Naquelas mesas que não foram gravadas anteriormente, o público que estiver a assistir vai poder enviar em directo perguntas através do chat e algumas delas poderão ser seleccionadas como costuma acontecer na FLIP presencial.
Mas na mesa que juntará virtualmente o músico e compositor brasileiro Caetano Veloso e o filósofo espanhol Paul B. Preciado, sábado, dia 5 de Dezembro, às 23h30 em Portugal continental, três horas a menos no Brasil (2oh30) e que tem por tema “Transições” e que é uma das mais aguardadas, isso não acontecerá. A conversa, com moderação do jornalista Ángel Gurría-Quintana, já foi gravada previamente.
“Nos arquivos da ditadura militar que justificaram o exílio de Caetano Veloso poucos dias após o AI-5, o artista é definido como ‘desvirilizante’. Já o escritor espanhol Paul B. Preciado, define-se hoje como ‘dissidente do sistema sexo-género’. Os dois, símbolos da quebra de paradigmas, encontram-se nessa mesa, que tem a liberdade como tema central”, resume assim a FLIP o que se passará online.
Outro dos convidados desta edição é o escritor norte-americano Jonathan Safran Foer , autor de Salvar o Planeta Começa ao Pequeno-Almoço — Porque o Clima Somos Nós (ed. Objectiva), que se juntará à poeta Márcia Kambeba, da etnia kambeba, da Amazónia brasileira, na mesa intitulada “Florestas vivas” (sexta-feira, dia 4 de Dezembro, às 19h em Portugal continental, 16h no Brasil) para discutir os impactos da acção humana sobre o clima e a importância da natureza para a educação indígena, com moderação da jornalista Jennifer Ann Thomas, especializada em meio ambiente.
Mais tarde, às 21h em Portugal continental, 18h no Brasil, é a vez da escritora e jornalista norte-americana Eileen Myles, de 70 anos, feminista e ícone LGBT, que escreveu o romance autobiográfico Chelsea Girls em 1994 e o viu ser republicado em 2015, conversar com as suas tradutoras brasileiras Bruna Beber e Mariana Ruggieri. Sobre o livro, não editado em Portugal, resume a editora brasileira como “um testemunho do caldo cultural que agitou Nova Iorque nos anos 1970 e um relato de quem ajudou a forjar essa época”.
Outra participante desta edição será a colombiana Pilar Quintana, que é considerada uma das principais vozes da literatura contemporânea da Colômbia. No Brasil foi publicado o seu livro A Cachorra (The Bitch na versão em língua inglesa, que foi candidato ao National Book Award). Livro que conta a história de uma mulher que aos quarenta anos adopta uma cadela e a baptiza com o nome que gostaria de ter dado à filha que nunca conseguiu ter. A escritora que agora vive em Bogotá viveu nove anos em Juanchaco, numa região que não tinha electricidade nem água canalizada e escreveu este livro no telemóvel, enquanto amamentava o filho que teve aos 40 anos. Estará numa mesa intitulada “Animais Abatidos”, com a escritora brasileira Ana Paula Maia (sexta-feira, 23h30 em Portugal continental, 20h30 no Brasil) mediadas pelo jornalista Schneider Carpeggiani.
Raízes do autoritarismo
Outro dos momentos que se espera que seja marcante é a presença do escritor brasileiro Itamar Vieira Junior, autor do romance Torto Arado, livro vencedor do Prémio Leya de 2018, e que na semana passada recebeu no Brasil um dos prémios Jabuti, na categoria de Romance Literário, e está também entre os finalistas para o Prémio Oceanos. O também geógrafo e doutor em estudos étnicos e africanos, com pesquisa sobre a formação de comunidades quilombolas no interior do Nordeste brasileiro estará ao lado do escritor nigeriano Chigozie Obioma, professor de literatura e escrita criativa da Universidade de Nebraska-Lincoln, considerado “o herdeiro de Chinua Achebe” e autor de Os pescadores (The Fishermen, não editado em Portugal) no sábado, às 21h em Portugal continental, 18 h no Brasil, mediada por Ángel Gurría-Quintana.
Nesse dia, mais cedo, às 19h em Portugal Continental, 16h no Brasil, a historiadora Lilia Moritz Schwarcz, autora de Sobre o Autoritarismo Brasileiro (Objectiva) irá reflectir sobre as raízes do autoritarismo brasileiro com a socióloga Flávia Rios, moderadas por Flávia Lima, ombudsman do jornal Folha de São Paulo.
No domingo, destacamos a mesa “Batidas” com a dramaturga norte-americana Regina Porter que se formou no Iowa Writer’s Workshop, na Universidade de Iowa, onde foi residente em 2017-2018, autora de Os Viajantes (não editado em Portugal, The Travelers no original) e o escritor brasileiro Jeferson Tenório, autor do romance O Avesso da Pele (Companhia das Letras Brasil) e doutorado em Teoria Literária, às 19h em Portugal continental, 16h no Brasil, que escreveram romances que têm como pano de fundo a vida familiar, a paternidade, o racismo e a desigualdade.
“Vocigrafias insurgentes” é a conversa seguinte, às 21h em Portugal, 18h no Brasil. Terá a participação de Danez Smith, performer que nasceu e vive nos Estados Unidos e se identifica como uma pessoa não-binária, preferindo usar uma linguagem sem demarcação de género. No Brasil tem publicado o livro Não digam que estamos mortos, pela Bazar do Tempo (Don't Call Us Dead: Poems) e faz parte do colectivo Dark Noise, que reúne alguns dos nomes de vanguarda da poesia nos Estados Unidos, como Fatimah Asghar, Franny Choi, Nate Marshall, Aaron Samuels e Jamila Woods. Estará à conversa virtualmente com a escritora e artista visual Jota Mombaça, também conhecida como Monstra Errátik e Mc K-trina, que nasceu no Brasil, vive em Portugal e trabalha temas como a monstruosidade e a humanidade, os estudos queer, a diáspora negra, a violência e a resiliência, a justiça anticolonial, o afrofuturismo e as tensões entre a arte e a política. A mesa redonda será moderada por Roberta Estrela D’Alva, actriz-MC, realizadora e slammer.