“O pensador maior da nossa cultura”: as reacções à morte de Eduardo Lourenço

O maior ensaísta português do século XX morreu nesta terça-feira aos 97 anos.

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Eduardo Lourenço em 1987 Luis Ramos/arquivo

“Pensador de espírito livre e olhar profundo, aberto e sempre diferente sobre as questões, o professor Eduardo Lourenço deu, ao longo dos anos, um importante contributo na forma de se pensar o destino português.” Foi assim que, em comunicado, reagiu a presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Isabel Mota, à notícia da morte de Eduardo Lourenço, nesta terça-feira, aos 97 anos.

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“Pensador de espírito livre e olhar profundo, aberto e sempre diferente sobre as questões, o professor Eduardo Lourenço deu, ao longo dos anos, um importante contributo na forma de se pensar o destino português.” Foi assim que, em comunicado, reagiu a presidente da Fundação Calouste Gulbenkian, Isabel Mota, à notícia da morte de Eduardo Lourenço, nesta terça-feira, aos 97 anos.

Isabel Mota destaca a “imensa cultura” do professor, escritor e ensaísta, “alavancada por uma enorme sede de conhecimento e interesse pelo sentido das coisas”, bem como “o seu amor pela História” e “o seu discreto sentido de humor, tão característico dos homens de grande sabedoria”. “Uma referência que permanecerá em nós apesar de, neste momento, deixar a Fundação Calouste Gulbenkian de luto”, conclui a responsável. Colaborador de longa data da Fundação Calouste Gulbenkian, Eduardo Lourenço foi seu administrador não executivo entre 2002 e 2012.

“Eduardo Lourenço foi, desde o início da segunda metade do século passado, o nosso mais importante ensaísta e crítico, o nosso mais destacado intelectual público”, salientou por sua vez Marcelo Rebelo de Sousa, numa nota oficial publicada no site da Presidência da República. Segundo o chefe de Estado, o autor nunca esteve “alheado dos debates do nosso tempo, nem das vicissitudes da política”. “Devemos-lhe algumas das leituras mais decisivas de [Fernando] Pessoa, que marcam um antes e um depois, e um envolvimento, muitas vezes heterodoxo, nas questões religiosas, filosóficas e ideológicas contemporâneas, do existencialismo ao cristianismo conciliar e à Revolução”, sublinhou.

Entre “todos os intelectuais portugueses da sua envergadura”, acrescentou ainda, “nenhum outro foi tão alheio à altivez, à auto-satisfação, ao desdém intelectual, ao desinteresse pelas gerações seguintes”.

Mais tarde, falando aos jornalistas à margem das comemorações do 1.º de Dezembro, em Lisboa, Marcelo realçou a “coincidência simbólica” de “o maior pensador sobre Portugal vivo” ter morrido no dia da Restauração da Independência. “Quase parecia que teria de ser assim”, disse.

“Portugal está-lhe muito, muito grato. Foi praticamente um século de serviço à nossa pátria”, afirmou o Presidente da República. “Escreveu sempre sobre Portugal, sobre o que é Portugal, sobre a história de Portugal, o que é ser português, qual é a nossa identidade, o que significamos hoje e no futuro. Toda a vida foi verdadeiramente dedicada a pensar sobre Portugal.”

Também à margem das comemorações do 1.º de Dezembro, António Costa falou de Lourenço como “um amigo” e “um camarada”, com quem teve “a oportunidade de privar” e “aprender muito”. O primeiro-ministro realçou que este momento constitui “um convite a conhecer a [sua] obra” e de prosseguir a reflexão que deixa. “Seguramente, seria a sua vontade”, sintetizou.

“A poesia portuguesa, como a compreendemos e lemos, é, em parte, uma construção de Eduardo Lourenço”

Na sua nota de pesar, a ministra da Cultura, Graça Fonseca, descreve Eduardo Lourenço como o “pensador maior da nossa cultura e uma das mentes mais brilhantes de Portugal”. “Foi um pensador arguto e sensível como poucos e incansável combatente do caos dos dias, com uma obra que se desenha como um mapa para navegar a identidade portuguesa. Destacou-se também pela sua intervenção cívica, sempre própria e avessa a classificações, como exemplo de autoridade mas, ao mesmo tempo, de paixão e diálogo.”

“Fez da leitura uma arte muito sua e através do nosso património literário interpretou Portugal, pensou a Europa e interrogou o mundo, com uma liberdade e uma originalidade que o tornam não só um dos autores centrais da literatura portuguesa, mas também um farol cuja luz ilumina os séculos de pensamento e de cultura portuguesa”, assinala a ministra. “A poesia portuguesa, como a compreendemos e lemos, é, em parte, uma construção de Eduardo Lourenço e da presença muito viva da sua reflexão crítica e do seu pensamento. Navegando até à essência espiritual do pensamento português, esbateu a fronteira entre filosofia e poesia e, aqui, desenhou a sua forma única de ler e observar Portugal.”

“Um gigante da cultura europeia, Eduardo Lourenço desconstruiu a ilusão – a ‘saudade’ – de estarmos (termos estado) no centro do mundo. Através da sua obra, foi e continuará a ser uma mente-biblioteca, um lugar onde poderemos sempre ir procurar uma chave de leitura para descodificar e compreender o que somos e por que caminhos aqui chegámos. Dos seus ensaios, permanecerá o legado e o desafio de um autêntico museu da nossa cultura e identidade, como um acervo dinâmico e eternamente renovador. Se um dia todos os vestígios da nossa cultura desaparecessem, a obra de Eduardo Lourenço seria sempre uma oportunidade e um ponto de partida para a sua reconstrução, e essa é, talvez, a maior dívida que sempre lhe teremos”, completa Graça Fonseca.

“Perdi o meu vizinho à mesa do Conselho de Estado, perdi um muito querido amigo por quem tinha uma estima e uma admiração ímpares, Portugal perdeu um dos seus mais notáveis cidadãos. Restam-nos o seu pensamento, os seus escritos, onde poderemos colher força para continuar à procura do rasto de Eduardo Lourenço escondido nas entrelinhas”, reflectiu Jorge Sampaio numa mensagem enviada à Lusa. O antigo Presidente da República considera que o escritor “tinha o talento raro de elevar qualquer conversa, por mais trivial que fosse, trazendo pontos de vista inesperados, informações e conhecimentos novos ou fazendo comentários que, parecendo anódinos, traziam sempre à tona o avesso das coisas”.

“Para quem teve o privilégio de o conhecer mais de perto, ele era também um extraordinário contador de histórias, subtil observador da realidade e dotado de um sentido de humor único”, sublinha Sampaio, que recordou o episódio de um jornalista que um dia perguntou a Lourenço por que motivo o ensaísta nunca tirou um doutoramento, “ao que ele terá respondido: ‘Olhe, esqueci-me’”.

Durão Barroso, ex-presidente da Comissão Europeia, recorreu ao Twitter para lamentar a morte do pensador. “Morreu Eduardo Lourenço, um dos maiores portugueses que conheci e de quem guardo tão excelentes recordações. Poucos terão feito tanto como ele para ‘identificar’ e definir Portugal e a sua cultura e o nosso particular modo de ser. Um grande intelectual, um notável português”, escreveu numa primeira publicação.

“Eduardo Lourenço tratou como ninguém o tema da identidade portuguesa. Mas sempre o fez evitando qualquer forma de provincianismo ou nacionalismo, antes inserindo o nosso país na Europa que ele tanto amava. Um grande português e um verdadeiro intelectual europeu e cosmopolita”, reforçou poucos minutos mais tarde.

Em declarações à Lusa, o cineasta Miguel Gonçalves Mendes (José e Pilar) recordou o crítico literário como “uma das vozes mais incríveis e que melhor pensou Portugal”. “Numa época tão histriónica como a que vivemos, é efectivamente uma voz que nos vai fazer muita falta, pela sua candura e porque ele nos fazia sistematicamente relembrar que talvez a maior beleza do ser humano seja a sua capacidade para se colocar no lugar dos outros, que é uma coisa que infelizmente nos dias de hoje nos está a faltar”, afirmou o autor de O Labirinto da Saudade (2018), documentário sobre e com Eduardo Lourenço.