O adeus a um português de génio
Para lá de nos ter ajudado a ler Pessoa ou a perceber Antero, o país deve a Eduardo Lourenço uma obra e uma visão que nos ajudaram a ler e a perceber o que é o país enquanto ideia, projecto e destino.
Nunca se sabe bem por onde começar quando se mergulha na obra genial que Eduardo Lourenço legou aos portugueses do presente e do futuro. No obituário que lhe dedicou, Luís Miguel Queirós dizia que “foi no confronto com o génio de Fernando Pessoa que o seu pensamento mais luminosamente brilhou”. Poder-se-ia também pensar na dimensão filosófica com que impregnou os seus textos. Ou na densidade histórica (a História, como confessou, era a sua grande paixão) que dava profundidade e uma especial erudição às suas ideias. Seria indispensável falar na vastidão da sua cultura humanística. Mas para lá de nos ter ajudado a ler Pessoa ou a perceber Antero, o país deve a Eduardo Lourenço uma obra e uma visão que nos ajudaram a ler e a perceber o que é o país enquanto ideia, projecto e destino.
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Nunca se sabe bem por onde começar quando se mergulha na obra genial que Eduardo Lourenço legou aos portugueses do presente e do futuro. No obituário que lhe dedicou, Luís Miguel Queirós dizia que “foi no confronto com o génio de Fernando Pessoa que o seu pensamento mais luminosamente brilhou”. Poder-se-ia também pensar na dimensão filosófica com que impregnou os seus textos. Ou na densidade histórica (a História, como confessou, era a sua grande paixão) que dava profundidade e uma especial erudição às suas ideias. Seria indispensável falar na vastidão da sua cultura humanística. Mas para lá de nos ter ajudado a ler Pessoa ou a perceber Antero, o país deve a Eduardo Lourenço uma obra e uma visão que nos ajudaram a ler e a perceber o que é o país enquanto ideia, projecto e destino.
Talvez seja megalómano acreditar que um país com oito séculos de História se pode sentar num divã e fazer psicanálise. É um risco ousar estabelecer os traços de um suposto “destino” de Portugal, porque a profecia não escapa às armadilhas da fé. Nos últimos séculos, vários intelectuais tentaram e poucos sobreviveram incólumes – Garrett, Herculano, Antero, Eça, Oliveira Martins, José Mattoso e mais um ou outro. Eduardo Lourenço fê-lo com segurança e rasgo. Porque, dispondo de um vasto conhecimento da História, acumula como nenhum outro o saber distintivo que permite mais eficazmente entrar na alma do país: o da Literatura.
Desde a origem “do tipo traumático” até à luz de Ourique, à consagração de um destino profético nos cronistas dos séculos XVI e XVII que o sebastianismo iluminou, o Portugal que Eduardo Lourenço nos mostra oscila entre o irrealismo e o génio, entre a crença de um destino e a façanha que fez sair da “ilha” e criar um império. Nesse labirinto onde a saudade da origem é matricial, partimos sem nunca sair e regressámos sem ter partido. Fomos por isso capazes de assistir ao fim desse império de cinco séculos como ao fim de uma série de TV. Sem drama nem comoção.
No Portugal actual, “no meio de orgias pagas com o dinheiro dos outros, pela primeira vez, Portugal não sabe bem o que é”, e vale a pena reler a apaixonante obra de Lourenço. Há uma história feita de mitos, personagens, encontros e desencontros que continuam impregnados na nossa maneira de ser colectiva. Ao deitar-nos no divã em busca da nossa “psicanálise mítica”, Lourenço expôs-nos à luz de um destino. Revisitar essas páginas sublimes de sabedoria e de cultura talvez nos ajude a perceber as nossas limitações e encontrar energia para sairmos deste torpor fatalista que nos condena à cauda da Europa há duas décadas.