Passar fome para dar de comer: empresários em greve de fome prometem continuar até haver novas medidas
Em frente à Assembleia da República há quatro dias, dez empresários da restauração continuam em greve de fome e exigem melhores condições para os restaurantes, bares e discotecas. Querem novos horários, novos apoios e garantem que levarão esta luta que representa “todos os portugueses” até “ao cemitério”, se for preciso.
As tendas estão montadas há quatro dias em frente à Assembleia da República, desde sexta-feira. São quatro dias passados sem comer para os dez empresários da restauração aqui presentes (a que se juntou mais um no domingo), que se recusam a alimentar-se até o Governo apresentar novas medidas para ajudar a restauração. Se não houver novos apoios ou uma reunião como ministro da Economia, não sabem como saem daqui, mas a bem não será de certeza.
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As tendas estão montadas há quatro dias em frente à Assembleia da República, desde sexta-feira. São quatro dias passados sem comer para os dez empresários da restauração aqui presentes (a que se juntou mais um no domingo), que se recusam a alimentar-se até o Governo apresentar novas medidas para ajudar a restauração. Se não houver novos apoios ou uma reunião como ministro da Economia, não sabem como saem daqui, mas a bem não será de certeza.
Dizem ao PÚBLICO que esta luta não é uma brincadeira. Não há forma de alguém os tirar dali, de alguém os obrigar a comer. Numa mesa e em sacos no centro do acampamento improvisado, há centenas de saquetas de chá, garrafas de água, café e tabaco. Esta tarde, o tempo já foi mais amigo dos manifestantes – depois de um fim-de-semana chuvoso, com trovoada e algum granizo, o nevoeiro veio ajudar a luta de quem continua acampado nas escadas da Assembleia da República, em Lisboa. Tudo serve para tentar enganar a fome e a falta de forças para estar muito tempo em pé.
"Estou um bocado debilitado, mas estou a tentar fazer o mínimo de esforço possível, tenho estado sentado de dia e à noite tenho dormido duas, três horas. Vou tentar. Vou até ao fim e o fim será ou o ministro receber-nos, levantar as medidas, ou então o caixão: podem enterrar-me no primeiro cemitério que estiver aí”, afirmou Ricardo Tavares. O empresário é dono de um grupo com seis restaurantes e um bar; tinha mais um restaurante e um bar, mas fechou-os durante a pandemia. Acaba de medir a tensão com um médico presente, mas a falta de forças não o demoverá. “Estamos a ter apoio médico mas eu não vou ceder. Se tiver que ir ao hospital, vou, mas continuo em greve de fome.”
A chave para desbloquear esta greve é o ministro da Economia, Pedro Siza Vieira. O rosto deste protesto e um dos chefs mais famosos do país, Ljubomir Stanisic, contou ao PÚBLICO que o governante não reconhecia o Movimento “Sobreviver a Pão e Água” e apenas se reunia com a Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP). Portanto, o movimento contornou a decisão com uma petição.
“O ministro esqueceu-se da lei, e com uma petição assinada por 7500 assinaturas é obrigado a receber-nos, mais tarde ou mais cedo. Vamos lançar a petição e garanto que milhares e milhares de portugueses vão assiná-la porque estamos todos na mesma situação”, garantiu o empresário que representa o movimento.
Às 19h30, a petição contava com 14.893 assinaturas.
Ljubomir Stanisic quis deixar claro que o objectivo do protesto não é “manchar a imagem” do Governo – “eles estão a manchar-se a si próprios”, disse o chef – mas sim exigir mais apoios. “Eu quero protegê-los [aos políticos]: não percebo nada de política, não quero ser político, não quero sequer minimamente manchá-los, quero é encontrar soluções e ajuda. Eles não estão a ver isto porque não têm empregados, eles são os nossos empregados, somos nós que lhes pagamos os salários, portanto tenham respeito por quem está a passar fome, por favor!”
Mas a luta faz-se cada vez mais cansada. Todos estão pálidos, com olheiras. Incentivam-se uns aos outros para não fazer esforços. “Anda devagar, irmão!”. Também Ljubomir mostra sinais de cansaço, mas garantiu que ainda há muita energia para gastar.
“Sinto-me com muita fome, sinto quebras de tensão gigantes, já tivemos todos quebras emocionais, mas no fundo sinto-me cheio de força. Para o objectivo que quero atingir e onde queremos chegar não me falta coragem nem força. Isto não abala ninguém. Já estive na Jugoslávia na guerra a passar muita fome e não é esta que me vai mandar abaixo”, disse.
Outro empresário que fechou estabelecimentos é Carlos Saraiva, de 49 anos (tinha sete restaurantes e fechou dois). Carlos, com olheiras bem salientes e algumas lágrimas, vai bebendo um chá enquanto recebe funcionários de um dos seus restaurantes, sentado numa cadeira. Pai de duas raparigas, uma com 23 e outra com oito, disse ao PÚBLICO que “mexe um bocadinho” quando a filha mais nova lhe pergunta o porquê de não comer, mas garantiu que é por elas que está a lutar e levará a luta aos extremos possíveis.
“O povo está a passar dificuldades, o povo está a passar fome, estamos a representar isso. Não somos mártires, mas se for preciso sermos mártires, seremos. Não tenho problemas de morrer pelo futuro das minhas filhas e pelo futuro do país.”
Os políticos que apareçam, mas que “tragam um cházinho"
Apoiam-se uns aos outros, mas o apoio também chega por quem passa na rua e entra com “mantimentos”. Ao longo do dia, passam familiares, funcionários de restaurantes e bares, empresários, cidadãos. Na estrada entre as tendas e a casa da democracia portuguesa, há quem buzine de quando em vez, de punho em riste, para apoiar os que dizem que esta fome é por eles.
Christopher José foi o que chegou há menos tempo, juntou-se à greve de fome no domingo. Tem 25 anos, é dono de um bar académico em Tomar e viu-se forçado a fechar porque o horário de fecho obrigatório “não compensa ter a porta aberta”. Veio apoiar os empresários presentes e decidiu ficar.
“Já era para vir na sexta-feira, mas por motivos de saúde não consegui. Não ia aguentar sequer um dia. Ontem, era para vir dar um apoio e deixar algumas águas e não consegui ir embora. Decidi juntar-me a eles porque eles estão cá, por mim e por todos que estão na minha situação.”
Por volta das 14h da tarde, apareceu João Cotrim Figueiredo, deputado da Iniciativa Liberal (IL). Prometeu vir como “cidadão”, mas ouviu as reivindicações de um dos manifestantes, ofereceu o seu e-mail e sentou-se entre os grevistas para falar.
Ao PÚBLICO, disse que a greve de fome dos empresários da restauração é “o exemplo mais dramático da falta de lógica das medidas que foram tomadas”. “No caso dos restaurantes, não só os dados que existem não suportam o encerramento, como uma boa parte dos dados, aqueles mais actuais que vimos na última reunião do Infarmed, diz que não é nos restaurantes que há muita origem de contágios. Estamos a falar de 400 mil ou 500 mil pessoas à volta desta actividade que estão em risco por medidas que não se justificam”, disse o deputado da IL.
Ljubomir Stanisic garantiu que o movimento é “apartidário”; no entanto, todos os políticos podem e devem passar por aqui, na opinião do empresário. “Estamos a proteger o emprego deles, o salário deles, eles vão ter subsídio de Natal, porque é que não seriam bem-vindos? Podem vir, que nos tragam uma aguinha ou um cházinho para a gente aguentar mais um bocadinho.”
Carlos Saraiva também disse que os empresários presentes não querem “nem política nem clubismos”. Os políticos estão convidados, garante, mas atira que "não é agora que eles deviam ter vindo”. “Foi preciso chegar a um extremo radical e nós pormos a nossa saúde em risco”.
Os protestos dos empresários da restauração arrancaram no início do mês, convocados pelo recém-criado Movimento “Sobreviver a Pão e Água”, no primeiro fim-de-semana depois do anúncio do Governo de que haveria recolher obrigatório. Primeiro no Porto e depois em Lisboa, algumas manifestações rapidamente tiveram um tom menos pacífico e houve altercações com as autoridades, especialmente no Rossio, em Lisboa, onde jornalistas foram ameaçados física e verbalmente por protestantes.
Entretanto, o Governo anunciou um novo apoio de 20% da receita perdida nos últimos dois fins-de-semana para a restauração. Uma ajuda considerada insuficiente pelo empresário Ricardo Tavares, que contestou as condições do apoio.
“Todos os apoios que o primeiro-ministro dá são migalhas. Estamos há nove meses sem receber, ao nono mês já não há luz, não há água, não há nada, e dizem: ‘olhe, agora só lhe posso dar um apoio se tiver pago as contas’. Claro que não se paga. Passados nove meses, é impossível empresas com a dinâmica que as nossas tinham ter os impostos pagos”, criticou o empresário.