Cooperação transfronteiriça fomenta partilha de conhecimento sobre fogos e origina novas infra-estruturas

O Centro Ibérico de Investigação e Combate aos Incêndios Rurais, fundado em 2018, tem como objectivos primários a normalização de procedimentos e a partilha de conhecimentos. Com um orçamento na ordem dos 24,6 milhões de euros, investidos em formação e na melhoria e construção de infra-estruturas.

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Rui Gaudencio

Com uma fronteira terrestre comum que se estende por 1214 quilómetros, Portugal e Espanha – que figuram com frequência nos primeiros lugares dos tops de países da União Europeia com maior área ardida – dispõem, juntamente com uma boa relação diplomática, de todas as condições necessárias para um entendimento proveitoso nos protocolos de cooperação entre as respectivas entidades de protecção civil no que concerne à partilha de meios humanos e de combate. No entanto, os dois lados parecem apostados em elevar esta partilha para um nível mais elevado, sendo o Centro Ibérico de Investigação e Combate aos Incêndios Rurais (CILIFO) um exemplo dessa mesma aposta.

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Com uma fronteira terrestre comum que se estende por 1214 quilómetros, Portugal e Espanha – que figuram com frequência nos primeiros lugares dos tops de países da União Europeia com maior área ardida – dispõem, juntamente com uma boa relação diplomática, de todas as condições necessárias para um entendimento proveitoso nos protocolos de cooperação entre as respectivas entidades de protecção civil no que concerne à partilha de meios humanos e de combate. No entanto, os dois lados parecem apostados em elevar esta partilha para um nível mais elevado, sendo o Centro Ibérico de Investigação e Combate aos Incêndios Rurais (CILIFO) um exemplo dessa mesma aposta.

“Embora tenha uma sede, o centro é um grande projecto transfronteiriço que vai para além de uma infra-estrutura física”, explica Nuno Guiomar, membro do CILIFO e investigador na Universidade de Évora – a única instituição de ensino portuguesa a integrar o projecto, aliando-se, assim, às Universidades de Huelva, Córdoba e Cádiz, aos municípios de Tavira, Monchique, Loulé e Castro Marim, à Comunidade Intermunicipal do Algarve, à Junta da Andaluzia, às fundações Once e Finnova, à estação biológica de Doñana e ao Instituto Nacional de Investigação Agrário espanhol. Um conjunto “vasto e heterogéneo” de entidades que permite discussões alargadas e “direccionadas para a procura de ferramentas ou indicadores que possam melhorar a resposta nos diversos sectores no ciclo de gestão dos incêndios”.

Transferir conhecimento da academia para o terreno

Ao contrário dos outros centros dedicados ao fogo existentes em Portugal, que orientam a sua actividade para fins de investigação teórica, o CILIFO “tem uma abordagem muito mais prática”, nomeadamente através de formação e de infra-estruturas, como heliportos. “Poderá ser um centro com investigadores capazes de transferir o conhecimento gerado na academia para aqueles que necessitam, tanto na prevenção como no combate.” A “multiplicação” de organismos com o mesmo foco e valências, defende, “não traz propriamente ganhos porque os investigadores já têm muitas plataformas de colaboração, já têm essas redes bem estabelecidas”. Contrariamente, “um centro que permita colaborações estratégicas de combate e prevenção, alinhado com aquilo que é a zona da fronteira, fará algum sentido”.

Desde a sua fundação, em 2018, o centro conta com dois artigos científicos publicados e prepara actualmente a publicação de um relatório. No entanto, o que há a ressalvar, segundo o investigador e especialista na área dos fogos, é a transferência entre países e comunidades dos conhecimentos alcançados – “na categorização da severidade do fogo, que pode auxiliar nos processos de decisão para a recuperação das áreas ardias, e na caracterização da vegetação, que pode facilmente ser incorporada em modelos de decisão na pré-supressão”. A ponte é sobretudo feita através de processos de “discussão interna partilhados por todos”, os quais já deram origem, sistematicamente, “à convergência de propostas, por terem objectivos semelhantes, mas que inicialmente estavam a ser trabalhadas de forma isolada”.

A presença de entidades com responsabilidade ao nível do planeamento, da gestão e de planeamento, com recursos humanos que se dedicam à prevenção activa e extinção de incêndios, parece facilitar a aplicação dos avanços, algo que para Nuno Guiomar constituirá uma “questão de tempo” até se efectivar. “Este conhecimento foi elaborado e desenhado para aqueles que o executam, pelo que é de fácil incorporação”, ressalva.

Olhar o fogo “enquanto processo ecológico"

Na hora de comparar a evolução e a história recente das florestas dos dois países, Nuno Guiomar defende que as diferenças são poucas, embora Portugal reúna “um conjunto de condições favoráveis para a acumulação de combustíveis, o que, num território com verões secos e onde se registam muitas ignições” é meio caminho andado para o insucesso. De facto, os grandes incêndios que se registaram em Portugal no ano de 2017 mostram que o país está um passo à frente na história, com Espanha a verificar “agora níveis de perigosidade mais elevados” e, consequentemente, semelhanças com aquele que foi o percurso português. Como “cada fogo tem a sua história”, Portugal, defende o académico, “tem mais para ensinar”.

Em comum, os dois países têm também, segundo o antigo membro da Autoridade Florestal Nacional, “um marcado abandono dos territórios de produtividade marginal”, que são “deixados depois de algumas tentativas de gestão”. “Acabam por contribuir para tentativas de conectividade, por parte da vegetação, promovendo ligações com perigosidade devido à acumulação de combustível ao longo da paisagem.” Esta realidade, inserida nas questões de desenvolvimento e financiamento rural, e a forma como “se deixou de olhar para o fogo enquanto processo ecológico ao ponto de o eliminarmos”, são tidas como as principais problemáticas da floresta para Nuno Guiomar, que não serão resolvidas com respostas inovadoras ou de fonte tecnológica. As soluções poderão passar por experiências como a “prescrição de acções de pastoreio através de modelos baseados em resultados”, já dinamizada em Espanha e com bons resultados.

Perspectivando o futuro do CILIFO, o investigador suspeita que o trabalho desenvolvido possa ter “despertado o interesse para que se aumente o nível de cooperação transfronteiriço”, pelo que é “provável que o projecto se prolongue no tempo com outros tipos de financiamento. Desde a sua fundação, o centro dispõe de um orçamento total de 24,6 milhões de euros (dos quais 75% são financiados pelo programa Interreg Espanha-Portugal 2014-2020)​, sendo que a vasta maioria foi investida na criação e melhoria de infra-estruturas de apoio ao combate de fogos rurais. No território português, as intervenções aconteceram nos heliportos de Monchique e Tavira, na base de helicópteros de Loulé, no heliporto de Tavira e na unidade de formação de Castro Marim – os últimos construídos de raiz. Servem sobretudo para “diminuir o tempo de intervenção”.

Apesar de as considerar “positivas”, Nuno Guiomar, prefere destacar a importância da gestão florestal. “Quanto mais acumulado o combustível está, menos tempo temos para resolver. O que quer isto dizer? Que o fogo se vai desenvolver mais rápido e acima da nossa capacidade de supressão.” Como tal, defende “formas de gestão integradas numa lógica de desenvolvimento económico, rural, na qual se gerem rendimentos” para que lhe seja possível dar continuidade. Uma tarefa que considera ser da responsabilidade de toda a sociedade, afinal de contas, “os incêndios podem afectar localmente um conjunto de pessoas”, mas as suas consequências serão sentidas “por todos”.