Rogério Samora despiu-se e Margarida Dias fotografou-o. Assim nasceu um calendário solidário
O actor e a fotógrafa juntaram-se para ajudar o Banco Alimentar Contra a Fome e alertar as pessoas para problemas que se agudizaram com a pandemia como a solidão e o abandono. O calendário está à venda na FNAC.
O calendário 202.1 (assim mesmo, o nome está correcto) é sobre a solidão, o abandono e a ausência de liberdade e 25% do valor das vendas reverte para a Rede de Emergência Alimentar do Banco Alimentar. A ideia surgiu na primeira fase da pandemia, quando o actor Rogério Samora, durante alguns passeios “em solidão”, na serra de Sintra, encontrou e conheceu ruínas de casas abandonadas. “Comecei a perguntar-me o que estava a acontecer no mundo, que é algo que me pergunto todos os dias. Vi muita polícia e isso levou-me para um território de vigilância, [de reflectir sobre a] ausência de liberdade e de termos consciência que não somos donos de nós – somos donos da nossa liberdade com respeito pelos outros”, descreve ao PÚBLICO, pelo telefone.
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O calendário 202.1 (assim mesmo, o nome está correcto) é sobre a solidão, o abandono e a ausência de liberdade e 25% do valor das vendas reverte para a Rede de Emergência Alimentar do Banco Alimentar. A ideia surgiu na primeira fase da pandemia, quando o actor Rogério Samora, durante alguns passeios “em solidão”, na serra de Sintra, encontrou e conheceu ruínas de casas abandonadas. “Comecei a perguntar-me o que estava a acontecer no mundo, que é algo que me pergunto todos os dias. Vi muita polícia e isso levou-me para um território de vigilância, [de reflectir sobre a] ausência de liberdade e de termos consciência que não somos donos de nós – somos donos da nossa liberdade com respeito pelos outros”, descreve ao PÚBLICO, pelo telefone.
A partir daí, surgiu a questão: “Será que tenho de abandonar o meu corpo ao que está abandonado para voltar a ser livre e não ser vigiado? E como vai ser a seguir?”. Ao reflectir sobre isso, Samora apercebeu-se de que a solidão mundial ia aumentar, assim como “a miséria, a fome, o desemprego e o desamor”. Enquanto “profissional do entretenimento”, assim se define, sentiu que “tinha de fazer alguma coisa”. Actor há mais de 40 anos, afirma que sempre se dedicou “a criar seres humanos” e que o seu trabalho exige investigação sobre o ser humano. “Eu não estou a exibir-me”, garante, acrescentando que só fazia sentido fazer o calendário se o associasse a uma causa. “Estou a dar aquilo que tenho de mais valioso, que é o meu corpo aos 62 anos, para chamar à atenção para um momento que a humanidade vive.”
Rogério Samora dá a cara e o corpo despido pelo projecto e a fotógrafa Margarida Dias tratou de registar as imagens. Os profissionais conheceram-se há 25 anos, quando Margarida Dias era fotógrafa no Teatro Nacional D. Maria ll, em Lisboa. “Quando lhe perguntei se queria entrar neste projecto ficou de pé atrás porque não entendia a razão para me expor desta maneira”, conta o actor. Por seu lado, a fotógrafa revela que, à medida que o trabalho fluia, foi abraçando o projecto.
Duas casas abandonadas na Serra de Sintra foram o cenário para este calendário e, ao longo de cinco sessões, na primeira quinzena de Agosto deste ano, o projecto foi ganhando forma. Não houve muitas fotografias, não houve elementos de produção, cabeleireiro nem maquilhagem. “Era só eu a abandonar o meu corpo ao que já está abandonado. E ninguém vigia o que está abandonado. Houve pulgas, ácaros e um rato. Não levamos absolutamente nada para os lugares por onde andamos e tudo o que está nas fotografias estava nesses lugares”, assegura o actor.
Cada mês do ano tem uma fotografia com significado. “Em Janeiro é como se me depositassem o corpo embrulhado e talvez seja a única foto em que eu tenha sentido pânico”, confessa, acrescentando que tal aconteceu devido ao que sentiu no momento. “A ideia do Rogério era real, estava ali, abandonado e a entregar-se. Senti que estava a fotografar uma peça, uma criação”, testemunha Margarida Dias. “A fotografia foi muito crua, depois houve a minha interpretação desse espaço. Algumas fotografias escureci, outras aclarei, mas não adulterei. Não houve luzes, a não ser do próprio espaço, que não era muita”, diz.
No final do calendário, que pode ser comprado em qualquer FNAC, Rogério Samora decidiu escrever “um desabafo”: “Tinha de explicar por palavras aquilo que senti no tempo em que construí o calendário.” E tem também uma dedicatória “aos que partiram”, a pensar em “todos os que partiram este ano”.
E porquê chamar-se 202.1? Porque os criadores gostaram da ideia da capicua “202” e o “1”, a lembrar o ano (2021) e também o facto de este ser o primeiro de cinco calendários de um projecto que tem a ambição de sair anualmente, até 2025. Todos terão o corpo do actor e o tema será sempre diferente, sobre algo “que ainda não está bem”. Em 2026 sairá um livro com os cinco calendários e textos de cinco escritores convidados, antecipa Samora.
Texto editado por Bárbara Wong