Margarida Guerreiro: “A minha grande paixão é o som da guitarra portuguesa”

Já viveu em Itália e cantou em sete línguas, mas é em português que Margarida Guerreiro, cantora e a fadista, volta aos discos, com Cortar a Direito, produzido por Bruno Chaveiro.

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Margarida Guerreiro fotografada para o disco Cortar a Direito ANTÓNIO LOPES

Nasceu no Alentejo, em 1975, deu os primeiros passos na música com um fado de Amália (aos 11 anos) e esteve sete anos a cantar em Itália, de 2008 a 2015. Desde que voltou, levou tempo até entrar em estúdio e gravar um novo disco, a juntar aos que gravara desde 2003. O resultado é Cortar a Direito, com dez fados e canções, onde Margarida Guerreiro canta António Botto, Jerónimo Bragança, Vasco Lima Couto ou Vasco Graça Moura, mas também Tiago Torres da Silva, Fausto Bordalo Dias, Jorge Fernando ou Domenico Modugno, um dos mais populares cantores italianos de sempre, assinalando a “herança” italiana da cantora. A produção é de Bruno Chaveiro, um dos novos e promissores nomes na guitarra portuguesa.

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Nasceu no Alentejo, em 1975, deu os primeiros passos na música com um fado de Amália (aos 11 anos) e esteve sete anos a cantar em Itália, de 2008 a 2015. Desde que voltou, levou tempo até entrar em estúdio e gravar um novo disco, a juntar aos que gravara desde 2003. O resultado é Cortar a Direito, com dez fados e canções, onde Margarida Guerreiro canta António Botto, Jerónimo Bragança, Vasco Lima Couto ou Vasco Graça Moura, mas também Tiago Torres da Silva, Fausto Bordalo Dias, Jorge Fernando ou Domenico Modugno, um dos mais populares cantores italianos de sempre, assinalando a “herança” italiana da cantora. A produção é de Bruno Chaveiro, um dos novos e promissores nomes na guitarra portuguesa.

“Nasceu de um convite do Festival Sete Sóis Sete Luas”, recorda Margarida ao PÚBLICO. “Na altura, eu estava com o [guitarrista e compositor] Custódio Castelo no projecto Encores Fado e o director desse festival, Marco Abbondanza, convidou o Custódio para liderar uma orquestra no festival. Essa orquestra, onde eu fiquei a cantar, tinha outros seis músicos de diferentes países do Mediterrâneo.” Esse grupo, denominado 7 Sóis OrKestra, para além de Margarida Guerreiro (voz), tinha três músicos italianos (Stefano Saletti, produção, bouzouki e oud; Massimo Cusato, da Calábria, bateria e percussão; Mario Rivera, da Sicília, no baixo), um espanhol (Miguel Ortis, guitarra flamenca), um marroquino (Jamal Ouassini, violino) e um israelita (Eyal Seal, sopros). “Eu cantava em sete línguas”, lembra Margarida. “O projecto deveria durar só um ano, mas demo-nos tão bem musicalmente e pessoalmente que acabou por continuar durante quase quatro anos.” Isso fez com que ela não saísse de Itália, ali ficando sete anos, trabalhando nesse e noutros projectos. “Não me arrependo, mas já tinha saudades.”

“Nunca deixei o canto”

No regresso a Portugal, continuou na música. “Curiosamente, desde que aos 11 anos comecei a cantar, nunca mais deixei o canto. Fiz outras coisas paralelamente, os chamados ‘empregos normais’, mas sempre que abraçava um novo projecto, lá vinha a música.” O mesmo sucedeu ao chegar de Itália. “Continuei sempre a fazer concertos, em Itália ou noutros sítios, embora pouco em Portugal porque eu nunca trabalhei muito em Portugal.”

O fado, que a atraiu ainda muito nova (cantou em directo num concurso de rádio o Ai Mouraria de Amália Rodrigues e fez a primeira parte de um concerto de Amália em 1991 no Cine-Teatro Curvo Semedo, em Montemor-o-Novo), esteve sempre presente nestes seus caminhos, embora acompanhado por outros géneros musicais. “A minha grande paixão, que sempre me provocou arrepios, é o som da guitarra portuguesa, fiz sempre questão de trazê-la para praticamente todos os projectos. E vários músicos vinham tocá-la connosco. Em Itália, os músicos que me acompanhavam eram praticamente todos de formação jazzística, mas fazíamos um repertório maioritariamente português e italiano. E o Bruno Chaveiro lá estava, com a guitarra portuguesa, sempre.”

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Capa de Cortar a Direito

Não foi aí que Margarida e Bruno se conheceram, foi antes. “Ele também nasceu, como eu, em Montemor-o-Novo, e é filho de uma grande amiga minha. Mas não fazia a mínima ideia que ele tocava. Às vezes fazíamos umas noites de fado, pontualmente, num restaurante que eu tinha em Montemor, e houve um dia em que o Custódio [Castelo] e eu estávamos a tocar e a cantar e o Bruno estava com a mãe, era pequenino. Creio que foi nesse dia, ao ver o Custódio tocar e aquilo que nós estávamos a fazer, que ele decidiu: ‘quero fazer isto na minha vida’.”

Guitarra, Itália e Amália

Certo é que, com o tempo, e já como guitarrista, Bruno passou a ser para Margarida “um companheiro de viagem, um irmão”: “Foi ele que me convenceu a ir para estúdio, porque eu não gosto de estúdio, tenho fobia. Esse é uma explicação para tantos anos a cantar e tão poucos discos.” Antes de Cortar a Direito, Margarida gravara apenas dois álbuns: Sal e Mel (2003) e Encores Fado Live (2007), este nascido do projecto com Custódio Castelo.

O tema de Tiago Torres da Silva, Cortar a direito, não só abre o disco como lhe dá título (a música é de Bruno Chaveiro, que também musicou para o disco um poema de António Botto), seguindo-se-lhe uma versão de Porque me olhas assim, de Fausto Bordalo Dias. “Sou uma fã incondicional do Fausto e este tema acompanhou-me em muitos momentos da minha vida. Já tinha acontecido gravá-lo, num disco dos 40 anos do 25 de Abril aqui do município de Montemor, só voz e piano. Agora apeteceu-me um arranjo diferente. E como tudo neste disco, os temas não estão por acaso. Todos eles fazem parte da minha vida e do meu percurso.”

Assim se alinham, na sequência do disco, Até parece mentira (de Armando Estrela), Fado do desespero (de Vasco Graça Moura, no Fado Cuf de Alfredo Marceneiro), Na paz do teu amor (de Vasco de Lima Couto e Fontes Rocha), Hino à cantadeira (de António Manuel Moraes, com música de Custódio Castelo), Quanto, quanto me queres? (António Botto musicado por Bruno Chaveiro) e uma versão de A ilha (com letra e música de Jorge Fernando). O disco fecha com Itália e Amália: Dio come ti amo, de Domenico Modugno; e Triste sina, de Amália Rodrigues, aqui com Nóbrega e Sousa (que tantas músicas fez para ela) no lugar de poeta, em parceria com Jerónimo Bragança. “Amália é uma referência na vida de qualquer cantor, seja ou não fadista. E a Triste sina é uma daquelas coisas que eu cantei a vida toda.”