Directores e professores exaustos depois de nove meses de pandemia
Directores são responsáveis por agrupamentos onde circula mais gente do que em muitas terras do país: em Loures, Irene Louro dirige uma “aldeia” com 2.400 alunos, Fátima Pinto lida diariamente com os problemas de 1.500 estudantes em Elvas e, em Barcelos, Jorge Saleiro tem a seu cargo 2.200 crianças e jovens.
Sem parar desde Março, alguns directores sentem-se exaustos e ponderam abandonar o cargo que os obriga a estar alerta 24 horas por dia para garantir o funcionamento, em segurança, das escolas durante a pandemia de covid-19.
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Sem parar desde Março, alguns directores sentem-se exaustos e ponderam abandonar o cargo que os obriga a estar alerta 24 horas por dia para garantir o funcionamento, em segurança, das escolas durante a pandemia de covid-19.
Manuel Pereira trabalha, em média, 15 horas por dia. Fátima Pinto não consegue contabilizar o tempo, mas sente que o “dia não chega para tudo”. Jorge Saleiro já recebeu comunicações às duas da manhã. Irene Louro ainda tem 21 dias de férias para gozar e Carlos Louro está agora “de férias” a trabalhar na escola. Histórias de directores que começam a acusar os efeitos de quase nove meses de gestão sob a ameaça diária do novo coronavírus.
“Os directores estão muito cansados até porque, além do trabalho, existe uma enorme pressão para que corra tudo bem. É muito extenuante e vários colegas têm-me confessado o desejo de abandonar o cargo”, contou à Lusa o presidente da Associação Nacional de Dirigentes Escolares (ANDE).
Manuel Pereira é também director do Agrupamento de Escolas General Serpa Pinto, em Cinfães, e passou a ser normal trabalhar 15 horas por dia, até porque “90% do serviço” actual está relacionado com a covid.
Os directores são responsáveis por agrupamentos onde circula mais gente do que em muitas terras do país: em Loures, por exemplo, Irene Louro dirige uma “aldeia” com 2.400 alunos, cerca de 220 docentes e 130 funcionários; em Elvas, Fátima Pinto lida diariamente com os problemas de 1.500 estudantes e, em Barcelos, Jorge Saleiro tem a seu cargo 2.200 crianças e jovens.
A estes alunos é preciso somar professores, funcionários e encarregados de educação e uma pandemia. “Neste momento, temos duas escolas a funcionar em simultâneo: a escola normal e a escola covid”, explicou Irene Louro, directora do Agrupamento nº 2 de Loures.
O seu agrupamento já identificou cerca de 30 situações de infecção, mas nenhuma ocorreu em elementos da comunidade escolar. “Foram casos que surgiram nas famílias. Uns foram a mãe, outros a explicadora ou o avô...”, contou, lembrando, no entanto, que estes casos obrigam a accionar uma intrincada operação, desde logo recolher informações junto da família afectada para poder avisar os serviços de saúde.
Para o delegado de saúde, “segue uma folha Excel com dados variados e até uma planta da sala de aula onde o aluno se senta e contactos telefónicos das famílias”, explicou. As autoridades de saúde decidem quem fica em isolamento profiláctico, mas são as escolas que informam as famílias.
“Já recebi comunicações às duas da manhã e às sete estava a enviar avisos aos encarregados de educação para que não trouxessem os alunos para a escola”, contou o director do Agrupamento de Escolas de Barcelos.
Este trabalho obriga a “uma disponibilidade de 24 horas por dia, porque os contactos com as autoridades de saúde não têm hora marcada”. No seu agrupamento, “têm surgido casos de covid”, mas Jorge Saleiro garante que “a situação não é alarmante”.
Em Elvas todos os dias há casos
No Alentejo, a situação não é muito diferente. No agrupamento de Elvas, “todos os dias há casos” e por isso os telefonemas com a responsável da Protecção Civil - que faz a ligação entre a escola e o delegado de saúde - já fazem parte da rotina de Fátima Pinto.
A carga do telemóvel da directora do agrupamento de Elvas “agora só dura para meio-dia”. Mas o pior, desabafou, é a sensação de “o dia não chegar para fazer tudo” desde que surgiram os primeiros casos em Portugal.
Quando um professor adoece ou fica em casa em isolamento profiláctico, a escola tem de arranjar alternativa para não prejudicar os alunos. “Às oito da manhã temos de ter o problema resolvido”, relatou.
Nesta missão, os directores são unânimes em salientar e aplaudir o trabalho de toda a comunidade escolar: “Não são só os directores que estão cansados. Todo o corpo docente está esgotado”, lamentou Fátima Pinto. “Toda a gente está a trabalhar mais horas e a levar trabalho para casa. Há uma generosidade e entrega ao compromisso de continuar a ensinar, mas a fadiga já é grande”, corroborou Carlos Louro, director do Agrupamento de Ponte da Barca.
As mudanças exigidas pela pandemia impediram o director de gozar as férias de Verão. Quando falou com a Lusa estava “oficialmente” de férias, mas, na realidade, estava na escola a trabalhar.
Também Irene Louro disse à Lusa que ainda tem 21 dias de férias deste ano para gozar.
O trabalho não parou desde Março, quando o ensino passou a ser feito à distância. Os professores tiveram de se adaptar às novas tecnologias e até andar à procura dos alunos “desligados” das aulas “online”.
Em Ponte da Barca, por exemplo, havia “quase 300 alunos sem computadores nem Internet”, disse Carlos Louro, lembrando que além de cederem os equipamentos da escola, andaram a “bater às portas” dos municípios e empresas para conseguir que todos estivessem “ligados”.
Todos os directores recordam o trabalho colaborativo entre docentes, a disponibilidade para dar formação a colegas e até para irem a casa das famílias ensinar alunos e pais a usar os computadores e plataformas.
“Nós, professores, chegámos a casa dos pais com uma rapidez estonteante. Foi tão rápido que até nós nos surpreendemos”, lembrou Fátima Pinto. A pandemia obrigou a criar, apenas num fim-de-semana, a tal “escola covid” mas também foi preciso “acalmar os pais”, recordou o presidente da ANDE.
Coube aos professores, muitas vezes já com alguma idade, a tarefa de tranquilizar as famílias. “Os docentes e assistentes operacionais são uma classe bastante envelhecida, que também têm uma família e também têm medo”, lembrou Manuel Pereira, director com 63 anos.
Irene Louro, de 60 anos, admitiu à Lusa que o que sente mais falta é do tempo que antes tinha para se poder dedicar ao papel de avó.