A alimentação intuitiva é a solução para os meus problemas?

Esta filosofia pode de facto ser muito útil na manutenção do peso e do peso perdido e na melhoria da saúde psicológica, mas não necessariamente na perda de peso.

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Se ainda não ouviu falar em alimentação intuitiva, esta filosofia baseia-se numa série de princípios que visam pacificar a relação de cada pessoa com a comida e com o seu corpo e autoimagem. As ideias principais desta filosofia são as seguintes:

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Se ainda não ouviu falar em alimentação intuitiva, esta filosofia baseia-se numa série de princípios que visam pacificar a relação de cada pessoa com a comida e com o seu corpo e autoimagem. As ideias principais desta filosofia são as seguintes:

Rejeitar a mentalidade das dietas —​ abandonar os livros/revistas/influencers que prometem uma perda de peso rápida e fácil e respectivos suplementos associados;

Respeitar os seus sinais de fome e saciedade —​ comer quando sente que precisa, não fazendo uma restrição excessiva de calorias e de hidratos de carbono, de modo a não sentir fome excessiva e nesse momento “estragar tudo”, ao ter episódios de ingestão abusiva. De igual modo, “ouvir o corpo” quando lhe diz que está saciado e não continuar a comer após esses sinais;

Fazer as pazes com a comida — não rotular alimentos como bons ou maus e com isso ficar com peso na consciência sempre que come alguns desses alimentos “proibidos” (como alguns nutricionistas ainda insistem em lhes chamar);

 Não compensar emoções com alimentos — encontrar alternativas não alimentares para lidar com a solidão, stress, ansiedade e tédio. Tudo o que é ingerido com fome emocional acaba por ter um efeito negativo a longo prazo;

Respeitar as formas do seu corpo — Aceitar a sua genética e não criar expectativas irrealistas sobre as formas que o seu corpo pode tomar, rejeitando mais uma vez a imagem sobre o corpo perfeito que é promovida pelas redes sociais e revistas.

Treinar por gosto, não para emagrecer — Descobrir formas de treinar que o deixam mais motivado, com energia e prazer, em vez de fazer exercícios de que não gosta e a que se sente obrigado.

Numa primeira análise, todos estes princípios parecem fazer sentido e deveriam ser incentivados em todos os processos de reeducação alimentar, sobretudo nas pessoas com menores níveis de autoestima e relação mais conflituosa com corpo e a alimentação. É interessante verificar que muitas vezes são as revistas de fitness (mais direcionadas para as mulheres, é certo) a fazerem artigos com estas regras ao mesmo tempo que põem uma “mulher-bomba” na capa, sem rugas, celulite, gordura abdominal e, poucas páginas à frente, uma receita de um bolo de chocolate, porque, afinal de contas, “você merece!”.

Do ponto de vista da investigação científica, existem estudos a comprovar que pessoas que seguem esta filosofia possuem menos distúrbios alimentares e uma imagem corporal mais positiva, mas, tendo em conta o seu carácter transversal, não pode ser atribuída uma causalidade. Ou seja, não sabemos se é a prática de uma alimentação intuitiva que justifica esses índices psicológicos mais positivos, se é o facto de as pessoas mais pacificadas com a sua imagem e alimentação estarem mais confortáveis, ao adoptar uma alimentação mais flexível. Certo é que a alimentação intuitiva está ligada a uma melhoria da qualidade da alimentação e actividade física e da saúde psicológica (depressão, ansiedade e autoestima). Uma outra ideia importante a reter dos estudos feitos sobre a alimentação intuitiva é a de que pode, de facto, ser muito útil na manutenção do peso e do peso perdido e na melhoria da saúde psicológica, mas não necessariamente na perda de peso.

Do ponto de vista do clínico, este é o ponto-chave na adoção deste tipo de filosofias mais flexíveis e liberais quanto à alimentação e quanto ao treino. São absolutamente essenciais no processo de reeducação alimentar e gestão eficaz do peso a longo prazo, mas às vezes o emagrecimento não é um mar de rosas ou de unicórnios e arco-íris onde vai poder comer sempre de tudo e é necessário mais algum pragmatismo.

Se por alimentação intuitiva se entender que o conceito de “plano alimentar” ou “plano de treino” não existem verdadeiramente, ou pelo menos não com a mesma “rigidez” que numa abordagem mais tradicional, é preciso perceber que o emagrecimento continua a ser uma questão “matemática” entre o balanço das calorias ingeridas e gastas e a hipertrofia muscular continua a ter como um dos seus principais determinantes o volume (número de repetições multiplicado pela carga de cada exercício) e frequência de treino.

A interpretação dos ótimos princípios da alimentação intuitiva atrás mencionados também é uma questão delicada, que em alguns casos pode correr o risco de servir de desculpabilização para maus hábitos alimentares e de treino. Pode “aceitar totalmente o seu corpo” e “ouvi-lo” quanto às suas necessidades, comendo de acordo com o seu apetite e não guiado por um plano alimentar. Mas se, ao mesmo tempo, quiser emagrecer, isso só vai acontecer se estiver em restrição calórica, algo que pode ser difícil de atingir se não contabilizar de alguma forma as calorias e as quantidades.

Aliás, as pessoas que procuram emagrecer e têm historicamente uma relação mais conflituosa com o peso e o corpo certamente não possuem mecanismos internos muito apurados de gestão de quantidades e de desejos, fazendo com que uma filosofia tão aberta e liberal possa ter um efeito oposto ao desejado. Pode fazer mais sentido nestes casos criar um “plafond” calórico a não exceder durante o dia, não alocando os alimentos a horas e refeições específicas, que poderão ser ingeridos de acordo com as vontades e necessidades. Aí teríamos uma alimentação intuitiva balizada num total calórico a não ser excedido.

Da mesma forma no treino, se o meu objectivo for aumentar a massa muscular e eu não monitorizar (ou tiver algum personal trainer que o faça) o volume de treino e a sobrecarga progressiva (dois princípios fundamentais em qualquer processo de hipertrofia), não vou certamente ter o resultado desejado. Vaguear no ginásio sem um plano bem delineado e trocar de máquina e exercício ao sabor dos meus apetites já é o que, infelizmente, muita gente faz, com péssimos resultados!

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Adriano Miranda

Respeitar e ouvir o corpo pode parecer uma filosofia muito bonita e romântica, mas há sempre pessoas que a podem interpretar como “estou ligeiramente cansado, já não me apetece treinar”, ou “tenho de ouvir o meu corpo e as minhas necessidades e como não há alimentos maus, hoje mereço comer um chocolate”. A forma como este tipo de mensagens passa para a população mais vulnerável e com uma pior relação com a comida é muito delicada. A aceitação da composição corporal de cada um e a normalização de corpos normais, onde não tem de haver um abdominal totalmente definido ou umas pernas sem ponta de celulite, é sem dúvida uma necessidade, pois quem consegue atingir esses objectivos fá-lo muitas vezes com um grande compromisso da vida social. Mas essa mesma aceitação tem um limite, pois níveis excessivos de massa gorda, sobretudo na zona visceral, são um factor de risco para enúmeras doenças, por mais que se aceite como é.

Há um meio-termo entre o fanatismo alimentar e a ortorexia, que abomina tudo o que são alimentos transformados, o açúcar, o álcool e as gorduras saturadas e o outro extremo, que, levando a máxima da “aceitação corporal” e do “só se vive uma vez” ao limite, faz destes nutrientes presença assídua na sua dieta e normaliza um peso e perímetro da cintura perigosos para a saúde.

Por isso, a alimentação intuitiva tem princípios muito importantes que devem nortear todo o processo de reeducação alimentar e dotação de autonomia por parte da pessoa para a manutenção do peso perdido. Já emagrecer é uma “arte” que tanto pode passar apenas por orientações mais básicas, flexíveis e intuitivas, para pessoas naturalmente mais controladas e motivadas, como por regras mais apertadas, para pessoas menos disciplinadas e com maior necessidade de controlo externo.