Pandemia faz disparar mesas de voto nas presidenciais

Redução do número de eleitores por secção obriga a criar mais 2800 locais para votar e a chamar mais 14 mil elementos para as mesas eleitorais.

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Já houve duas eleições em tempo de pandemia Nuno Ferreira Santos

A eleição presidencial de 24 de Janeiro do próximo ano vai ser mais exigente em termos de logística do que as anteriormente realizadas e levanta novos problemas às autarquias e ao Governo. As recentes alterações às leis eleitorais motivadas essencialmente devido à pandemia da covid-19 vão fazer disparar o número de locais de voto e de cidadãos que garantem a realização do acto eleitoral.

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A eleição presidencial de 24 de Janeiro do próximo ano vai ser mais exigente em termos de logística do que as anteriormente realizadas e levanta novos problemas às autarquias e ao Governo. As recentes alterações às leis eleitorais motivadas essencialmente devido à pandemia da covid-19 vão fazer disparar o número de locais de voto e de cidadãos que garantem a realização do acto eleitoral.

O alargamento e consolidação do voto antecipado em mobilidade a todos os municípios, a redução do número de eleitores inscritos por secção de voto e a criação de um regime excepcional de voto antecipado para os eleitores a quem foi decretado confinamento obrigatório são alterações à lei que motivaram maiores trabalhos.

A redução de eleitores por secção de voto é responsável pelo aumento significativo do número de mesas e dos respectivos elementos. Nas eleições anteriores, o caderno eleitoral de cada secção podia ir até aos 1500. Agora, esse número passou a ser de “sensivelmente 1000”. O “sensivelmente” não está na lei por acaso. Visa evitar que uma pequena secção de voto, com, por exemplo, 1050 eleitores, obrigue a junta de freguesia ou a câmara a partir a lista em duas.

Face a esta alteração, o Ministério da Administração Interna (MAI) estima que “serão constituídas cerca de 13 mil secções de voto e serão empenhados perto de 65 mil membros de mesa, o que representa um aumento de cerca de 2800 secções e de 14 mil elementos, quando comparado com os sufrágios congéneres anteriores”.

Esta redução do número de eleitores por secção e a possibilidade de o voto antecipado se realizar em todos os 308 concelhos do país poderá causar problemas às autarquias que vão ter de encontrar novos edifícios para a realização do acto eleitoral com acessibilidade para cidadãos com deficiência e onde possa ser cumprido o distanciamento entre secções e entre os eleitores.

Toneladas de equipamento anticovid-19

O MAI revelou ainda ao PÚBLICO que, para apoio à constituição das novas secções de voto, “a administração eleitoral distribuiu já aos municípios 1151 urnas de voto e 485 cabines de votação, estando prevista para as próximas semanas a entrega de mais 1500 urnas de voto e 500 cabines de votação, num total de 2651 urnas de voto e 985 cabines de votação”.

No que respeita ao equipamento de protecção contra a covid-19, o MAI estima que sejam usadas cerca de 120 toneladas de material, como máscaras, luvas, viseiras e gel alcoólico.

O PÚBLICO questionou também o ministério sobre o custo financeiro que a eleição presidencial terá, mas não obteve resposta. Há, porém, uma conta fácil de fazer: cada um 65 mil dos cidadãos presentes nas mesas de voto receberá 50 euros pelo que serão necessários 3,25 milhões de euros. 

Voto “mais fácil e suave”

Mas que consequência terão estas alterações no acto eleitoral? A investigadora Carla Luís não tem dúvidas de que “a lei introduz vários mecanismos que tornam o voto mais fácil e suave e com mais possibilidades em termos de prazo e localização”.

E um dos exemplos que dá é a possibilidade de votar antecipadamente em qualquer concelho sem obrigatoriedade de uma justificação. “Facilita a utilização e confiança da população, que são requisitos chave. Coloca-se o grande desafio de comunicar esta possibilidade, e muitas entidades têm aqui um papel importante, incluindo a comunicação social”, diz a coordenadora do projecto VotedHR - Eleições, Democracia e Direitos Humanos, do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra.

Carla Luís considera que as alterações à lei “são globalmente muito positivas, considerando que “talvez o único ponto negativo seja o calendário, pois foram aprovadas no Parlamento há poucas semanas, o que para uma eleição em Janeiro torna tudo mais complicado”.

“A recolha de votos de quem está em confinamento tem aspectos ainda por definir e isso causa incerteza, sobretudo nas câmaras municipais, a quem cabe grande parte da implementação”, acrescenta, salientando que “votar é seguro e fácil”. Por isso, a investigadora diz que câmaras municipais e juntas de freguesia desempenham um papel muito importante, em articulação com a Secretaria-Geral do MAI e a Comissão Nacional de Eleições.

“A ‘máquina eleitoral’ em Portugal está muito oleada e é bastante robusta, ainda que seja relativamente invisível – precisamente porque tudo costuma correr bem. (…) Há bastante experiência, mas sobretudo uma grande vontade em fazer as coisas bem, e isso é muito positivo. Não obstante, há que reconhecer tudo vai ser mais exigente e obrigar a um grande esforço de todos”, afirma.

A investigadora diz mesmo que, a nível internacional, “Portugal tem sido um exemplo de como o processo eleitoral respira muito bem em contexto de pandemia, quer em termos de mecanismos adicionais de votação, quer quanto a direitos fundamentais e ambiente conducente à eleição”.

Carla Luís diz ainda que nesta eleição os cidadãos vão ser “também chamados a participar de forma mais activa, nomeadamente a integrar as mesas de voto”: neste acto eleitoral, os membros de mesa são designados pelo presidente da câmara municipal e, com os desdobramentos, é necessário haver muito mais gente disponível. Se acrescentarmos possíveis receios de pessoas de grupos de risco em fazer parte das mesas, a exigência aumenta”.

Por isso, diz que seria “uma boa ideia” os cidadãos contactarem a câmara municipal da área de recenseamento e “manifestar disponibilidade para integrar as mesas - é uma função essencial em democracia, e um contributo activo que os cidadãos podem dar”.

“Sobretudo quem não esteja em grupos de risco tem aqui um papel importante a desempenhar. O nosso sistema eleitoral assenta neste modelo desconcentrado, e as mesas têm um papel muito nobre numa eleição, ainda quem nem sempre reconhecido. Esta eleição vem sublinhar este papel, e reforçar a oportunidade de participação cidadã”, concluiu.

Terceiro acto eleitoral em pandemia

A eleição presidencial de 24 de Janeiro será o terceiro acto eleitoral em tempos de pandemia. A 13 de Setembro realizou-se um referendo local em Chaves, em que votaram 5250 eleitores, dos 43.480 inscritos. Já a 25 de Outubro teve lugar a eleição para a Assembleia Legislativa dos Açores, com 228.999 inscritos, na qual votaram 104.009 eleitores.

Segundo o MAI, em ambos os sufrágios foram implementadas, com sucesso, as medidas recomendadas pelas entidades regionais e nacionais" de saúde pública, “sendo que nos Açores a taxa de participação foi superior à do anterior escrutínio”.

Carla Luís diz ser complicado avaliar se as novas medidas podem reduzir a abstenção, por esta ter diversas causas. Porém, “o modo de votação é agora bastante simplificado, com mais possibilidades, e creio”, pelo que é mais fácil votar. “Nos Açores a abstenção reduziu, o que, em termos logísticos, nos pode dar um bom sinal para esta eleição”, salienta.