Não façam de Graça Freitas o nosso dr. Fauci
A decisão de administrar em segurança ou não uma vacina a pessoas com mais de 75 anos não deve ser tomada em São Bento ou em Belém.
À ciência o que é da ciência. À política o que é da política. A proposta preliminar da comissão de especialistas nomeada pela Direcção-Geral da Saúde, conhecida nesta sexta-feira, segundo a qual os idosos com mais de 75 anos estão excluídos dos grupos prioritários da vacinação contra a covid-19, gerou uma tempestade escusada e inoportuna.
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À ciência o que é da ciência. À política o que é da política. A proposta preliminar da comissão de especialistas nomeada pela Direcção-Geral da Saúde, conhecida nesta sexta-feira, segundo a qual os idosos com mais de 75 anos estão excluídos dos grupos prioritários da vacinação contra a covid-19, gerou uma tempestade escusada e inoportuna.
Não só porque esta proposta é meramente preliminar, mas também, e sobretudo, porque nem sequer a Agência Europeia do Medicamento e as farmacêuticas que estão a desenvolver as vacinas estão confiantes quanto à sua aplicação neste grupo etário.
A reacção de António Costa e de Marcelo Rebelo de Sousa a esta mera hipótese foi prematura. O primeiro veio dizer que “há critérios técnicos que nunca poderão ser aceites pelos responsáveis políticos” e que “as vidas não têm um prazo de validade”. O segundo excedeu-se ao classificar aquela hipótese como uma “ideia tonta”.
O Ministério da Saúde foi forçado a esclarecer o óbvio: a estratégia de vacinação ainda não foi discutida com a tutela, pelo que esta não foi validada politicamente. Mas a dúvida sobre o trabalho desta comissão criada pela DGS está lançada.
Os comentários contundentes do primeiro-ministro e do Presidente da República minam a confiança pública no plano de vacinação para a covid-19, que deve ser apresentado nas vésperas do Natal, e na própria DGS, particularmente na sua directora-geral.
Os cientistas não tomam decisões políticas, mas é recomendável que estas se fundem em critérios científicos e não em dogmas ou princípios ideológicos, como tem sido feito até aqui. Costa e Marcelo impuseram um modelo de audição de vários especialistas, que tem estado na origem das medidas que têm vindo a ser aplicadas.
Condicionar os mesmos especialistas ou recusar precipitadamente as suas conclusões preliminares, sobrepondo a subjectividade ao rigor científico, é um passo arriscado. Num contexto extraordinário como este, no qual só a ciência nos pode dar uma esperança de travar a pandemia, a última coisa de que precisamos é de políticos que tomem decisões à revelia do conhecimento científico. Os exemplos abundam e têm sido alvo de justa chacota.
A decisão de administrar em segurança ou não uma vacina a pessoas com mais de 75 anos não deve ser tomada em São Bento ou em Belém. Transformar Graça Freitas no nosso doutor Fauci é uma “ideia tonta” e irresponsável.