“Podemos ir até 1000 camas em cuidados intensivos para covid-19, mas com prejuízo para outras doenças”
A ministra da Saúde explica em entrevista ao PÚBLICO e à Rádio Renascença que a situação nos hospitais é “complexa, grave e exige uma gestão diária de grande esforço pelas unidades de saúde”. A entrevista é emitida na Renascença às 23h desta quinta-feira.
A ministra da Saúde, Marta Temido, espera que a atitude de cada um dos portugueses nos próximos tempos de confinamento a várias velocidades faça com que a curva de novos casos diários comece a achatar-se e, consequentemente, o Serviço Nacional de Saúde possa ter menos doentes internados e o país registe menos mortes. Mas este é um horizonte que ainda não está à vista. Enquanto isso, o Governo tenta expandir o número de camas em unidades de cuidados intensivos (UCI) e celebrar alguns (poucos) acordos com o sector privado e social que também só dispõe, no total, de 112 camas em UCI.
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A ministra da Saúde, Marta Temido, espera que a atitude de cada um dos portugueses nos próximos tempos de confinamento a várias velocidades faça com que a curva de novos casos diários comece a achatar-se e, consequentemente, o Serviço Nacional de Saúde possa ter menos doentes internados e o país registe menos mortes. Mas este é um horizonte que ainda não está à vista. Enquanto isso, o Governo tenta expandir o número de camas em unidades de cuidados intensivos (UCI) e celebrar alguns (poucos) acordos com o sector privado e social que também só dispõe, no total, de 112 camas em UCI.
Em paralelo, e para tentar recuperar os atrasos nos inquéritos epidemiológicos, estão a ser formados 12 militares por dia e já foram identificados e contactados 500 funcionários públicos, professores incluídos, que entrarão nestas equipas à medida que terminem as acções formativas.
A entrevista de Marta Temido no programa Hora da Verdade, uma parceria entre o PÚBLICO e a Rádio Renascença, foi feita na terça-feira de manhã. Nesse dia havia 498 internados em UCI. Esta quarta-feira este número já subiu para 517. A ministra não descarta a possibilidade de haver um confinamento mais severo e a mensagem que deixa não é de optimismo: “Estamos a aguentar-nos, a procurar quebrar a curva. Dezembro vai ser necessariamente um mês muito difícil e um mês particularmente exigente para todos.”
Pelas contas mais recentes nesta altura sobrarão pouco mais de 70 camas em UCI. Já admitiu que a situação é crítica, mas tem solução?
A situação é muito grave, mas felizmente o número de camas de cuidados intensivos de que dispomos no SNS tem alguma capacidade de ajustamento e isso significa que tem sido possível diariamente, semanalmente, graças ao esforço dos profissionais de saúde, graças ao esforço dos dirigentes, encontrar capacidade para acomodar aquilo que são as necessidades. Portanto diria que não é exacto que sejam 70 as camas de cuidados intensivos...
São quantas?
Esse é um número que varia diariamente na medida em que nós temos estado a abrir mais camas. Posso dizer que, por exemplo, no final deste mês abrirão mais 28 camas no Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/Espinho, e abrirão mais 11 camas no Hospital Fernando da Fonseca. À data de hoje [terça-feira] havia havia 498 internados em UCI e a capacidade que tínhamos para acolher doentes covid podia ir numa primeira fase até às 589 camas e depois até às cerca de 1000 camas com prejuízo de outra actividade assistencial e é isso que nos preocupa, como se compreende.
Um terço das vítimas de covid-19 morreram neste mês de Novembro. A que se deve este aumento? É já porque há pessoas que não tiveram lugar nas UCI?
Não será certamente essa a razão. Estamos a falar de uma doença cuja evolução pode ter um desfecho que é exactamente a letalidade e é por isso que temos insistido tanto na questão da necessidade de parar as cadeias de transmissão. É porque a evolução desta doença de facto pode [levar à] necessidade de cuidados de saúde, [pode haver] sequelas no médio e no longo prazo, mesmo [no caso] da doença ligeira ou moderada que nós neste momento ainda não conseguimos antecipar completamente e pode ser exactamente a letalidade. E portanto precisamos de ter o cuidado necessário para conter cadeias de transmissão, sendo que uma das consequências desta doença é a utilização de cuidados de saúde e isso implica uma resposta que tem limites, como temos assistido um pouco por toda a Europa.
E tem noção da percentagem de doentes covid que morrem nas UCI e nas enfermarias?
Não tenho essa informação aqui disponível. [Conhecemos] aquilo que é a letalidade pela doença que não chega a 2% em termos de letalidade geral e que ultrapassa os dois dígitos, mais de 12%, em relação àqueles que têm mais de 70 anos. Mas isto são números sempre provisórios. Só serão apurados por completo no final da pandemia.
Falou agora de 1000 camas como o limite a partir do qual pode haver prejuízo em relação às outras pessoas com outras patologias que precisam destas camas... Este número aumentou. Já estamos a retirar camas a outras patologias?
Eu compreendo que seja difícil fazer passar esta mensagem. O número de camas de cuidados intensivos de que o país dispõe tem aumentado. Aumentou da primeira vaga de Março para Abril, para Maio, para Junho e tem continuado a aumentar mensalmente e quase todos os dias. E, se me voltarem a convidar para estar aqui daqui por alguns meses, o número de camas será superior, porque temos estado a fazer esse investimento.
Mas são camas novas?
Nem todas. Há três números que gostava de ter como referência: 431 camas era a capacidade de que o SNS dispunha em Março de 2020, quando começámos a utilizar estes números para aferir a resposta à covid-19. Estamos a falar de capacidade total. Depois fomos fazendo progressivas expansões. Algumas foram para responder àquilo que era ainda a incerteza e que [resultaram] do adiamento e do cancelamento e da adaptação de espaços. Outras foram camas que se tornaram camas definitivas, porque o país tinha um número de camas de cuidados intensivos que era inferior à maioria dos outros e portanto tem feito esta adaptação. E hoje aquilo que sabemos é que podemos expandir, no limite máximo, até cerca de 1000 camas – mas este número é já com prejuízo na resposta a outras áreas de actividade.
Depois destas 1000, quantas sobram para as restantes patologias?
Destas 1000 só estão excluídas aquelas que são resposta a cuidados intensivos coronários, queimados, neonatologia... Muito pouca coisa. É preciso que se tenha esta percepção. Nós neste momento estamos já numa situação que posso dizer que é complexa, grave e que exige uma gestão diária com grande esforço pelas unidades de saúde e com grande articulação entre as unidades de saúde. E estamos com cerca de 500 internados em UCI. E portanto é natural que este esforço tenha um significado cada vez mais impactante em termos daquilo que é a necessidade de desprogramação de outras áreas de actividade assistencial.
Isso leva-nos à questão da mortalidade em excesso. Nos últimos dados de Outubro do INE verificou-se que a covid explicava menos de metade dos casos. Com este acumular de casos covid, com a actividade não urgente a ser desprogramada, teme que esta mortalidade em excesso não-covid possa aumentar? Já se consegue perceber porque é que esta mortalidade está a acontecer? Já conseguimos dizer com alguma certeza que também se deve ao facto de o acesso aos cuidados de saúde estar limitado nesta altura?
As informações que temos, os estudos que temos não indiciam essa relação. E portanto a dizer alguma coisa com a informação de que disponho não é nesse sentido. Neste momento é ainda precoce fazer afirmações definitivas sobre o excesso de mortalidade. Sabemos que há excesso, sabemos que ele está caracterizado e distribuído em determinados momentos do ano e temos depois de fazer uma avaliação aprofundada sobre este tema. Saiu há poucos dias o relatório do Health at a Glance de vários países e que relativamente a Portugal diz que tem um excesso de 346 óbitos por milhão de habitantes, um valor muito inferior aos países referidos no relatório. E que há aqui uma correlação entre mortalidade covid-19 e excesso de mortalidade.
E quando saberemos?
Quando a DGS e os seus peritos acabarem de fazer o apuramento da mortalidade e da letalidade no ano 2020, puderem apreciar cada um dos óbitos adequadamente e puderem pronunciar-se adequadamente. Vale a pena nós recordarmos que o tempo da ciência não é compatível muitas vezes com o tempo em que gostaríamos de ter a informação e muitas vezes até com o tempo em que, em termos governamentais e políticos, é preciso tomar decisões.
Portanto, o Ministério da Saúde está tão empenhado quanto os portugueses em conhecer o que correu menos bem ao longo desta pandemia – e certamente muitas coisas correram menos bem e algumas ainda assim correrão –, sendo que o nosso esforço é sempre no sentido de que a evolução seja o menos penosa possível. Mas há informações que só teremos com veracidade e com honestidade e com o tempo, que também é necessário para reflectir sobre os dados.
Tem feito alguns acordos com o sector social e privado para contratação de camas. Quantos já foram feitos? E onde?
Foram feitos vários acordos regionais. Na ARS do Norte a informação que tenho é que foram feitos 13 acordos. Alguns já estão activos outros estão a ser activados. Esta semana, por estes dias, vários grupos privados e do sector social estão a disponibilizar mais camas. Em Lisboa e Vale do Tejo neste momento há três acordos e há outras regiões que estão ainda com negociações pendentes. Estes acordos são para actividade assistencial covid e não-covid.
A questão dos cuidados intensivos tem uma resposta um bocadinho diferente, porque o sector privado e social tem, segundo dados que nos foram disponibilizados pela Entidade Reguladora da Saúde, cerca de 112 camas de UCI. E portanto compreendemos aquilo que são as limitações que temos como país e como sistema de saúde para uma pandemia sem precedentes e que exige que seja o esforço individual de evitar a transmissão da doença.
Não vão ser requisitadas em circunstância alguma?
O quadro legal de que dispomos fala de utilização em complementaridade do sector privado e do sector social. E portanto temos estabelecido vários contactos, primeiro informais e depois formais, com o sector privado e com o sector social no sentido de perceber qual a disponibilidade que têm para articular com o SNS a utilização de camas de cuidados intensivos. Têm-nos posto diversas questões. Uma tem que ver com a utilização dessas camas para actos que estavam programados e que também queremos preservar, porque são pessoas que estão a ser tratadas e preocupa-nos tanto esses actos como nos preocupam os actos de programação no SNS.
Por outro lado, há também uma questão que nos tem sido suscitada muitas vezes que é a dos circuitos de ventilação destas unidades e da sua capacidade, que nem sempre existe, de acomodar doentes covid e doentes não-covid. E portanto temos estado a gerir caso a caso e temos já algumas camas de cuidados intensivos disponibilizadas por alguns grupos privados, como é o caso da CUF Porto, que há cerca de 15 dias vem apoiando enormemente – não pelo número de camas que são cerca de seis, mas pela ajuda fundamental aos hospitais da região norte que, como se sabe, têm sido os mais pressionados.
Admite o cancelamento total da actividade não urgente dos hospitais como aconteceu na primeira vaga?
Penso que é relevante referir que estamos num momento diferente e portanto o esforço será sempre o de preservar o mais possível o equilíbrio entre as respostas à doença covid e à doença não-covid. Concretamente, por exemplo, na região do Algarve neste momento a actividade assistencial mantém-se dentro daquilo que são as rotinas normais, na medida em que felizmente a situação epidemiológica da região é muito distinta da do Norte. Teremos de ir avaliando diariamente e semanalmente com as instituições e as regiões.
Professores, funcionários públicos, militares podem ser requisitados para ajudar no SNS. Quantos foram até agora? O que estão a fazer? E os alunos de Enfermagem? Já estão a trabalhar?
Neste momento no Norte estão a ser formados diariamente cerca de uma dúzia de militares que estão a colaborar numa metodologia específica de primeiro contacto com as pessoas que são casos de infecção. E estão a trabalhar num modelo de formação intensiva para responderem aos agrupamentos de centros de saúde que têm um maior número de novos casos e consequentemente maior atraso na realização dos inquéritos epidemiológicos. É um método de trabalho que exige este investimento inicial na formação, mas que depois permite melhorar, progredir mais rapidamente na resposta e principalmente dar algum apoio e libertar as autoridades de saúde para outros actos que, esses sim, só podem ser realizados por elas, designadamente declarações de isolamento profiláctico, declarações de saúde que dependem do exercício de um poder da autoridade. É um trabalho complementar no qual estamos bastante esperançosos, na medida em que temos um número significativo de inquéritos epidemiológicos em atraso, sobretudo na região norte.
Mas são só militares?
Neste momento nas equipas já formadas e no terreno houve sobretudo militares e houve também alunos das escolas de Enfermagem.
E funcionários públicos e professores?
Já estão identificados penso que cerca de 500, mais de 500, diria eu, não tenho a informação detalhada dos grupos profissionais de origem, mas serão profissionais com vínculo à administração pública de várias áreas consideradas como potencialmente adequadas à realização deste trabalho. Já estão contactados, a questão é a da formação. A formação é rápida, a DGS preparou módulos de formação online que são relativamente acessíveis, mas que depois têm de ser complementados por alguma formação em sala e a supervisão de profissionais/autoridades de saúde para que as pessoas possam fazer este trabalho com qualidade e com segurança elas próprias.
E quando começarão a trabalhar?
À medida que formos tendo a capacidade de acabar esta formação dos militares, que é a primeira linha de montagem, digamos assim, com a qual estamos neste momento no terreno. E agora estamos a preparar outros elementos da administração pública.
Mas continuamos sem saber a origem de 80% dos casos?
Permita-me corrigir esse erro, uma informação que tem sido mal passada. É importante falar nisso, para que as pessoas saibam do que se trata. Quando um caso é identificado como positivo, a seguir um médico avalia esse caso e contacta o doente, [recolhendo] alguma informação. Da junção desta primeira informação laboratorial e médica resulta uma resposta a um inquérito a que são feitas ao doente três perguntas. Identifica alguma ligação possível? Não identifica uma ligação possível? Pura e simplesmente não sabe? E é relativamente a esta primeira inquirição que as respostas de que nós dispomos são as seguintes: há 80% de situações em que não há registo nenhum. O campo é omisso.
Depois, há cerca de 20%, em que 13% das pessoas dizem “Sim, sei com quem contactei que me poderá ter infectado”, cerca de 7% em que as pessoas dizem “Não sei” e depois há um número residual em que aparece o registo desconhecido. É deste universo de primeiro contacto de 100% de casos em que em 80% o profissional que está a fazer o registo não regista. Porquê? Porque esta informação pode ser recuperada posteriormente no tal inquérito epidemiológico.
Quando a Alemanha decidiu tomar as primeiras medidas de confinamento, a senhora Merkel teve a oportunidade de dizer que isso também decorria da circunstância de se estarem a identificar pouco mais de 20% das cadeias de transmissão e estes valores são coincidentes com a literatura. Estamos bem? Não estamos. A situação ideal é identificar todas as cadeias de transmissão. Isso significa que a transmissão ainda está controlada. Neste momento a transmissão está a correr na comunidade e é isso que é complexo e preocupante.
Pensa que estes confinamentos pontuais são suficientes para se achatar a curva, ou vamos chegar, como tem acontecido noutros países, ao ponto em que vamos ter de confinar totalmente? Da percepção que tem acha mesmo que estas medidas estão a ser ou vão ser suficientes?
Depende da decisão de cada um de nós. Aquilo que fizemos foi procurar o melhor equilíbrio possível entre a necessidade sanitária de conter a transmissão da doença e a necessidade social de preservar postos de trabalho, de preservar a aprendizagem das pessoas, de preservar algum equilíbrio psicológico, afectivo, social. Mas isso depende de cada um de nós ter a adopção de comportamentos compatíveis com o momento, que é de uma extraordinária gravidade, e portanto não podemos descartar a necessidade de ter de tomar medidas mais restritivas. Mas daqui até lá continuamos empenhadamente a fazer o possível por reforçar as respostas do SNS, identificar cadeias de transmissão, interromper cadeias de transmissão, avaliar todos os dias como está a evoluir o Rt, o número de novos casos, a utilização de cuidados intensivos, a utilização de serviços de cuidados de saúde primários, para a resposta à covid, para as outras respostas, as listas de espera, os rastreios. E ao mesmo tempo esperamos que cada um faça a sua parte.
Mas não acha que esta informação é um pouco confusa para as pessoas?
É. É difícil.
Não nota que há uma concentração enorme de pessoas num curto período de tempo, por exemplo, aos fins-de-semana, em que se vêem imensas filas nos supermercados... Isto faz sentido?
Nós estamos a viver uma experiência única nas nossas vidas que depende muito dos comportamentos e da racionalidade individual e portanto eu diria que cada um de nós deve tentar [fazer] os seus contactos e a sua vida de forma a evitar a utilização dos serviços nesses momentos. Mas sabemos que nalguns casos isso não é possível e que se geram por vezes essas situações, às quais temos de estar atentos e [sobre as quais] temos de ponderar, naturalmente.
Quando pedimos que a partir das 13h ou nas vésperas do feriado a partir das 15h ficassem em casa, não foi para [as pessoas] fazerem tudo o que pretendiam fazer nesse dia no período da manhã – foi para evitarem contactos. É difícil passar esta mensagem. É muito difícil, sobretudo porque não há agora uma coesão social como existia na primeira onda. E, portanto, quando a coesão social começa a deslassar, é natural que também haja alguma tentativa de aproveitamento de mensagens que na realidade são difíceis de passar.
Mas eu acredito que os portugueses são sábios e genericamente bem-intencionados e portanto compreendem que é muito difícil fazer este equilíbrio. E que passa por cada um de nós tentar interpretar, ler, analisar. Não podemos combater esta pandemia sem boa informação, sem boa leitura, sem boa reflexão. Infelizmente se calhar é também um sinal dos nossos tempos – estamos a lidar com uma doença que exige uma grande maturidade social, uma grande maturidade cívica. E isso depende de escolhas que fizermos em termos de políticas públicas, que nos prepararam para chegar até aqui e estarmos mais aptos para responder – mas depende de cada um de nós.
Foi divulgado um estudo que diz que os restaurantes representariam um risco mínimo. No entanto, foram impostas grandes restrições ao funcionamento da restauração. Dá credibilidade a estes estudos? Sabemos exactamente qual é o risco afinal?
Todos os estudos têm um alcance que depende do que foi o objecto de estudo, o seu contexto e normalmente, quando lemos um estudo publicado numa revista científica, a última parte do refere-se às limitações e aos resultados de estudos semelhantes. Nós temos estudos contraditórios em relação a esta questão dos espaços de restauração. E se calhar podemos perceber porque temos resultados distintos. Tudo depende da adesão que os próprios espaços de restauração têm em relação às regras de higiene, de distanciamento... e também da adesão daqueles que frequentam estes espaços em relação a essas mesmas regras.
Aquilo que encontrámos num estudo caso/controlo realizado em Portugal pela ENSP [Escola Nacional de Saúde Pública] e o instituto SPUP [Segurança Social] foi uma baixa relação, uma não relação, entre os infectados num determinado período de tempo – vale a pena recordar que estávamos a falar de finais de Setembro/Outubro, um momento em que a transmissão comunitária era muitíssimo mais baixa, eram 200, 300 novos casos por dia; hoje estamos a falar de 4000, 5000, 6000 – e em que não foi encontrado de facto uma relação entre a frequência de restaurantes e as pessoas que se infectaram. Foram encontradas outras relações. Noutros estudos realizados noutros países foi encontrada uma relação entre a utilização de restaurantes e o número de infectados.
Então a decisão em Portugal é uma decisão política, não é uma decisão técnica...
Não há nada que se possa fazer sem tomar em linha de conta a melhor evidência disponível e neste caso esta é uma das nossas dificuldades. Nós estamos a falar de uma doença para a qual nós temos ainda pouca informação disponível e relativamente à qual somos chamados a tomar decisões. Gostava de sublinhar, sem qualquer pretensão de culpabilizar ninguém, que, quando decidimos o encerramento das escolas, não havia consenso técnico e, se houvesse algum, era no sentido do não encerramento e a opção foi o encerramento das escolas.
Sobre a utilização das máscaras não havia informação técnica que a recomendasse sem dúvida; a utilização de um conjunto de metodologias de testes que estamos a fazer e recomendamos também tem informação umas vezes contraditória, outras vezes de suporte. Portanto, não há forma nenhuma de o decisor político não tomar decisões, porque essa é a sua função, procurando rodear-se da melhor evidência, lê-la com cuidado, interpretá-la. Também para os políticos, não só para a população em geral, este é um tempo de maturidade.
Qual é a meta para que a curva comece a achatar-se? Se daqui a uma semana a curva não começar a achatar-se, isso é grave?
Existe um número que é o número de 1 em termos de risco de transmissão efectivo que é o número a partir do qual sabemos que a curva começará a descer. Esperamos que comece a descer, porque, como têm explicado várias vezes os especialistas, podemos atingir o 1 e permanecer no 1. Isso seria muito mau e não é isso que queremos. Nós neste momento estamos com um valor de 1,09, temos vindo a baixar muito lentamente e custosamente este Rt. Queremos ficar abaixo de 1, mas depois sobretudo queremos manter-nos abaixo de 1.
Mas até quando podemos esperar até se terem de tomar medidas mais duras?
Mas os portugueses querem medidas mais duras?
Creio que não, mas se calhar vai acontecer, porque continuamos aqui num planalto...
Estamos a aguentar-nos. Estamos a aguentar-nos, a procurar quebrar a curva, garantindo aquele equilíbrio que referi há momentos. Sob o ponto de vista da saúde é muito simples dizer a toda a sociedade: “Vamos todos para casa, fechem as portas e deixem-se ficar [aí] até aparecer a vacina.” Isto não é possível. Nenhum ministro da Saúde pode decidir isto sem cuidar dos impactos que resultariam de uma decisão destas na saúde mental, na economia, na sobrevivência. A saúde há muito tempo que não é só a saúde, é tudo o que está à sua volta e esta pandemia veio mostrar isso. O que devemos esperar? Devemos esperar que neste estado de emergência consigamos baixar mais a curva e baixar o número de novos casos por dia. Se conseguirmos fazer isso, conseguiremos dar um primeiro passo.
Baixar até quanto? Há um número?
Eu diria que 0,9 de Rt é um número que já alcançámos...
Isso corresponderia a quantos novos casos por dia?
São realidades distintas. Nós neste momento estamos no 1,09 e estamos com 4000, 5000 casos. O risco de cada caso gerar um outro caso é distinto do número de casos diários. O que queria dizer é que nós devemos esperar que, quando atingirmos esse tal pico, ainda continuemos com hospitalizações elevadas durante vários dias, e depois letalidade ainda elevada durante vários dias, ou seja, o mês de Dezembro vai ser necessariamente um mês muito difícil e um mês particularmente exigente para todos, até porque é um mês que é normalmente de afectos, de comemorações, de festas, e este ano não nos podemos desprender daquilo que é esta preocupação com a pandemia.