Com o OE aprovado, o caminho do Governo é cada vez mais estreito
As dificuldades negociais deste orçamento mostram que o caminho do Governo será cada vez mais difícil e que a execução do que agora aprovou será a prova de fogo para o de 2022.
A coligação negativa que juntou PSD e Bloco para impedir a transferência de 476 milhões de euros para o Novo Banco foi a gota de água que levou o Governo a quebrar a diplomacia com que tem tratado os sociais-democratas desde o início da pandemia e a endurecer o discurso contra Rui Rio. Com o Bloco, o divórcio já estava praticamente consumado e agora foi assinado com palavras agressivas de António Costa e da líder parlamentar.
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A coligação negativa que juntou PSD e Bloco para impedir a transferência de 476 milhões de euros para o Novo Banco foi a gota de água que levou o Governo a quebrar a diplomacia com que tem tratado os sociais-democratas desde o início da pandemia e a endurecer o discurso contra Rui Rio. Com o Bloco, o divórcio já estava praticamente consumado e agora foi assinado com palavras agressivas de António Costa e da líder parlamentar.
Com o Bloco a votar contra, pela primeira vez desde 2016, a versão final de um orçamento do PS, os socialistas ficaram sozinhos no momento em que Ferro Rodrigues perguntou quem votava a favor. Tal como acontecera há um mês, a versão final do OE foi viabilizada pela abstenção do PCP, PAN, PEV e das duas deputadas não-inscritas, e teve os votos contra do PSD, CDS, Chega e Iniciativa Liberal.
Antes da votação final, ainda nas votações dos artigos, os deputados do PSD levantaram-se ao lado do PCP, Bloco, PEV, Chega e Joacine Katar Moreira para aprovar a proibição de mais dinheiro para o Novo Banco. O momento causou embaraço e teve até uma reviravolta rocambolesca quando os dois deputados do PSD-Madeira quase chumbaram a proposta do BE.
As críticas ao PSD e ao Bloco — o Governo só poupou o PCP, que se encontrou no duplo papel de viabilizar o OE, mas também a única medida que o PS considerou ser uma “bomba atómica” — não se fizeram esperar. O ministro das Finanças acusou Rui Rio de “obrigar o Estado a entrar em incumprimento”. A líder parlamentar socialista Ana Catarina Mendes assinalou que a posição do PSD causa “dano reputacional ao país” e momentos depois António Costa reforçou a condenação aos dois partidos.
“É muito triste” ver o BE que “não hesitou em “desertar” neste Orçamento e “outros políticos com tanta experiência como Rui Rio, que se permite deitar pela janela a credibilidade das suas afirmações, para obter uma popularidade efémera”, afirmou aos jornalistas no Parlamento. Por várias vezes, o primeiro-ministro assegurou que o contrato com o Novo Banco será cumprido. “O Governo tudo fará para que aqueles que quiseram brincar com o fogo não queimem o país”, disse.
Depois de ter ouvido a direita, dentro do hemiciclo, a vaticinar pouco tempo de vida ao Governo e, quiçá, a contar com eleições antecipadas, António Costa quis deixar a ideia contrária: “Quanto mais difícil é, mais determinado eu estou em seguir em frente. Ninguém pense que nos vai amedrontar com coligações negativas. Se não há cão haverá gato”.
#Portugal é um Estado de direito que cumpre as suas obrigações contratuais. Falei com a Presidente do BCE, @Lagarde, a quem garanti o escrupuloso cumprimento dos compromissos assumidos no quadro da venda do Novo Banco. pic.twitter.com/Noas8HjOr7
— António Costa (@antoniocostapm) November 26, 2020
Rio alega “transparência"
Rui Rio veio defender a sua posição, recusando críticas de irresponsabilidade e a ideia de que pretende um incumprimento contratual. O líder social-democrata insistiu que esta decisão impõe transparência e que se o Governo quiser aprovar uma verba para o Novo Banco terá de voltar ao Parlamento e explicar os motivos de uma nova injecção.
Foi nesse sentido que o PSD se disponibilizou para viabilizar um orçamento rectificativo que permita a transferência de verbas para o Novo Banco tendo em conta os resultados da auditoria em curso. O apoio do PSD a uma eventual nova injecção foi o argumento usado pelo deputado do Chega para ter mudado o seu sentido de voto inicial de contra para favorável no final e apesar de ter sugerido durante o debate que se ia abster.
Mesmo sem o episódio do Novo Banco, a tensão já era palpável no debate. PSD, CDS e Chega mostraram antever o fim do ciclo socialista por causa da dependência face ao PCP, PAN e a duas deputadas não inscritas. É uma “geringonça coxa” como lhe chamou Isaura Morais, vice-presidente do PSD. “O PCP conseguiu colocar o Governo de joelhos ao impor tudo o que lhe apeteceu”, apontou a social-democrata, numa negociação que resulta num impacto de “mil milhões de euros”. O centrista João Almeida vê o Governo “à mercê do anacronismo comunista e do radicalismo animalista” e a “dar sinais” de não querer governar mais um ano.
PSD e BE foram também os alvos da líder parlamentar socialista ao mesmo tempo que elogiava a “responsabilidade” de PCP, PAN, PEV e das duas deputadas não-inscritas. O Bloco “não conta para a solução mas apenas para a pequena confusão” por ter ido negociar à última hora com o PSD, acusou Ana Catarina Mendes. E extremou o discurso: “O BE quer abrir caminho a que Portugal volte à austeridade, com uma direita de braço dado com a extrema-direita populista.” Mas mesmo assim disse que o PS continua disponível para conversar com o Bloco.
A “cheguização” do PSD é o novo gás da esquerda
Antes de ouvir o discurso agressivo da socialista, a coordenadora do Bloco descartara responsabilidades pela instabilidade de que o PS se chora. Não foi o BE quem desertou da esquerda, mas sim o Governo que desertou de dar uma “resposta consistente à crise e de soluções capazes”. Foi o executivo quem recusou um acordo de legislatura com o Bloco, e agora falhou nas respostas na saúde, e votou contra a recusa ao Novo Banco. Mas Catarina Martins olhou a médio prazo para deixar uma porta aberta. Com a “cheguização do PSD”, o PS “só poderá governar se procurar um acordo com a esquerda”
As bancadas que deram a mão ao PS – as deputadas não-inscritas não puderam discursar – exibiram as longas listas de medidas que conseguiram do Governo mas deixaram o aviso de que a exigência com que negociaram este orçamento se irá estender durante a sua execução. “Tão ou mais importante do que aprovar propostas nesta Assembleia é a vontade política do Governo para as concretizar”, realçou o líder parlamentar João Oliveira, insistindo na ideia de que a grave situação económica e social do país “exige medidas que não se esgotam no orçamento”. Os comunistas agarram-se às promessas do executivo de aumentar salários e reverter normas laborais que os fizeram dar este voto de confiança no orçamento.
Já o PAN autoelogiou-se pelas “pontes” que fez, por fazer valer as suas causas sem ficar na “trincheira política do ‘nós contra eles’” e por ter negociado “com responsabilidade orçamental”. Apesar de conseguir apoio do Governo para matérias que lhe são caras, ficaram “insuficiências” no documento que ditaram a abstenção, justificou André Silva. E ficou também um alerta a António Costa: o PS e o Governo “não têm maioria absoluta” por isso o PAN espera que “substituam o diálogo de conveniência em momentos de aperto por uma postura construtiva e conciliadora”.
O ecologista José Luís Ferreira congratulou-se com a aprovação de medidas que o PEV considerava essenciais, mas defendeu que era “possível e desejável ter ido mais longe”. E, como o Governo tem agora “mais instrumentos para responder aos problemas”, avisou: “Cá estaremos para lhe cobrar isso.”