As artes morrem de pé… ou salvam-se?
Músicos e outros artistas estão a viver de atenções e caridades várias, quando o que queriam era poder trabalhar – com segurança, sem precisarem de subsídios.
Quem passar por Benfica, pelo (agora menos) buliçoso passeio fronteiro à Igreja de Nossa Senhora do Amparo, ouvirá com agrado o som de um saxofone melodioso, afinadíssimo, que capta desde logo as atenções e a que é difícil ficar indiferente. Não, não se trata de um pedinte mais categorizado nas artes musicais, mas sim de um músico de uma orquestra agora sem trabalho e, por isso, a mostrar na rua dignamente a sua arte, a troco de umas moedas. Sem outros palcos, ou com eles reduzidos a ínfima amostra, músicos e outros artistas estão neste momento a viver de atenções e caridades várias, quando o que queriam era poder trabalhar – com segurança, sim, devido à pandemia, mas trabalhar sem precisarem de subsídios.
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Quem passar por Benfica, pelo (agora menos) buliçoso passeio fronteiro à Igreja de Nossa Senhora do Amparo, ouvirá com agrado o som de um saxofone melodioso, afinadíssimo, que capta desde logo as atenções e a que é difícil ficar indiferente. Não, não se trata de um pedinte mais categorizado nas artes musicais, mas sim de um músico de uma orquestra agora sem trabalho e, por isso, a mostrar na rua dignamente a sua arte, a troco de umas moedas. Sem outros palcos, ou com eles reduzidos a ínfima amostra, músicos e outros artistas estão neste momento a viver de atenções e caridades várias, quando o que queriam era poder trabalhar – com segurança, sim, devido à pandemia, mas trabalhar sem precisarem de subsídios.
Esta crise, que a covid-19 veio acentuar de forma avassaladora, tem raízes numa situação bem mais antiga: a absoluta precariedade da esmagadora maioria dos trabalhadores da área da Cultura (deixemos de lado o termo “agentes culturais”, de estranho toque policiesco), e talvez por isso agora se prometa, como promete a ministra Graça Fonseca e se pode ler nas Grandes Opções do Plano 2021/2023 (cujo projecto foi aprovado no dia 10 de Setembro em Conselho de Ministros), a criação de um “estatuto do intermitente”, nome algo bizarro, mas que já diz muito da situação dos trabalhadores da Cultura e das artes em Portugal. Porém, como não são intermitentes as contas que todos eles (artistas, técnicos, promotores) têm para pagar, pelo contrário, são fixas e mensais (rendas, água, luz, gás, escolas dos filhos, etc.), não será fácil conjugar a “intermitência” da sua situação profissional com as exigências dos cobradores.
E é a isso que se tem assistido nos últimos tempos, com algumas situações dramáticas e até com recurso a cabazes alimentares, em iniciativas como as que têm sido promovidas pela União Audiovisual e pela nosSOS, esta ligada à companhia de teatro Palco 13. A primeira disse, em Julho (e a situação não melhorou, desde então), estar a apoiar, em todo o país, “entre 150 e 160 pessoas” por semana, enquanto a nosSOS garantia também entregas semanais. Um concerto no Village Undergound, em Lisboa, feito para apoiar esta causa (e onde participou The Legendary Tigerman), aceitou como pagamento contribuições alimentares, que depois foram integradas no lote a distribuir pela União Audiovisual aos artistas mais necessitados. E instituições como a Sociedade Portuguesa de Autores acudiram de outra maneira: com adiantamentos aos associados e reforçando “o mecanismo do subsídio de emergência.”
Isto porque os apoios são insuficientes. Já em Agosto, a Acção Cooperativista se queixava de que os apoios ao abrigo do Programa de Estabilização Económica e Social (PEES), deixavam “de fora grande parte das pessoas que trabalham no sector”. E já em Novembro, no dia 9, artistas protestaram frente à Assembleia da República, num momento em que os deputados discutiam o Orçamento do Estado, dizendo que “a cultura está nos cuidados paliativos”.
Soluções? A Associação de Promotores de Espectáculos Festivais e Eventos (APEFE) fez uma manifestação-encontro no Campo Pequeno, para afirmar publicamente o seu manifesto, em quatro pontos: 1. Apoio a fundo perdido da “Bazuca Europeia” correspondente a 20% da quebra de facturação das empresas e a 40% no rendimento de artistas, técnicos e profissionais dos espectáculos, a ser pago em duodécimos, de Janeiro a Dezembro de 2021; 2. Adiamento, por mais um ano, das moratórias e dos créditos empresariais até Setembro de 2022; 3. Acesso a linhas de crédito com carência de capital por 1 ano e meio e máximo 1% de spread e comissões bancárias incluídas. 4. Que não afastem o público, sabendo que todos os espectáculos ao vivo são realizados de acordo com as regras sanitárias. Quem lá esteve bateu palmas.
E agora? Agora, várias coisas coincidem no tempo: os apoios em entreajuda; o manifesto a reclamar resposta; o estatuto anunciado, que se espera (e a ministra prometeu-o em Maio) exista até ao final do ano e possa vigorar já em 2021. Talvez por graça (ou para Graça?), a Acção Cooperativista tem no seu site um relógio digital em contagem decrescente com o título: “Tempo restante ao Ministério da Cultura para aprovar o Estatuto de Trabalhador Intermitente.” Hoje deverão faltar 35 dias.
Enquanto isso, há um saxofone a tocar belamente nas ruas, para que não nos esqueçamos.