“Disseram para nos adaptarmos e eu adaptei-me. Peguei num megafone e vim para a rua”

O “Movimento Sobreviver a Pão e Água” junta restaurantes, bares, discotecas, pastelarias, e “toda a gente que trabalha para o divertimento”. Nasceu no Porto e desceu a Lisboa onde marcou presença em frente à Assembleia da República para um ruidoso protesto.

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Houve apelos e avisos, indignação e palavras de nenhuma esperança ​na manifestação organizada pelo “Movimento Sobreviver a Pão e Água” em Lisboa. Em frente à Assembleia da República, nesta quarta-feira, ouviram-se discursos emocionados numa tarde cinzenta em que também pairou a sombra da crise, da austeridade e da troika. Poucas centenas de manifestantes deram corpo ao protesto.

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Houve apelos e avisos, indignação e palavras de nenhuma esperança ​na manifestação organizada pelo “Movimento Sobreviver a Pão e Água” em Lisboa. Em frente à Assembleia da República, nesta quarta-feira, ouviram-se discursos emocionados numa tarde cinzenta em que também pairou a sombra da crise, da austeridade e da troika. Poucas centenas de manifestantes deram corpo ao protesto.

“Mandaram-nos emigrar há uns anos”, disse o DJ Miguel Rendeiro. Mas não: pequenos, médios ou grandes empresários dos restaurantes, bares, discotecas, eventos e da noite ficaram, o turismo prosperou e com ele também Lisboa e o Porto cresceram. “Houve milhões para a TAP, milhões para o BES”, continuou. “Gostava que experimentassem estar sem trabalhar nove meses e a continuar a cumprir obrigações. Lembro que estamos abandonados e sem futuro. Desculpem.”

José Rendeiro quer que todos sobrevivam. “Mas vai ser difícil. Há milhares de desempregados, são pessoas que trabalham para o divertimento.” O protesto foi marcado contra as medidas restritivas de horários e “a democracia suspensa” pelo recolher obrigatório, como se lia numa das frases que passavam em fundo no palco.

Do lado de fora, os manifestantes gritavam. “Espero que António Costa nos oiça. Espero que eles nos oiçam.” Os deputados que, àquela hora, votavam na especialidade do Orçamento do Estado, dificilmente terão escutado. “Bom Natal é para vocês aí em cima que não vos falta nada.”

E houve avisos pela voz dos que iam desfilando em cima do palco montado de frente para o Parlamento. “Já não pedimos, exigimos”; “Nós, na noite, fechámos. Primeiro por consciência social, depois por decreto governamental. Respeitámos as regras, agora chegámos ao limite.” Ou ainda palavras entoadas em coro: “Nem apoios nem medidas. Estão a acabar com as nossas vidas.” Já no fim, foram lançadas tochas que cobriram o céu de São Bento de fumos rosa, azul, verde, mas que se anularam numa grande nuvem de fumo negro. Antes, alguém falara da violência latente ou de violência doméstica, do desespero e de quem pense pôr fim à vida. “A saúde mental é sabermos que não falta nada aos nossos.”

Sofia Rocha, em representação dos empresários da capital, deu o mote para o “abandono” sentido e referido pelos vários oradores da manifestação. “Lisboa era uma vila.” O turismo deu-lhe grandeza e riqueza, continuou. “A Web Summit não perde dinheiro com a pandemia e os pequenos de Lisboa perdem tudo o que têm”, disse. “O [presidente da câmara Fernando] Medina em tempos disse que o turismo em Lisboa vale seis Auto-Europas e agora anuncia apoios.”

"20 milhões de euros para oito mil empresários"

Mas que apoios e quais as condições?, questiona. “São 20 milhões de euros para oito mil empresários e estes abrangem 100 mil trabalhadores, mas só para quem não tem dívidas à Segurança Social ou ao fisco. Digam lá, nesta altura do campeonato, quem aqui não deve um tostão ao Estado?”, pergunta arrancando palavras solidárias de manifestantes e aplausos. “Mas não é por querer, é por não ter.”

“Sabemos que o mais importante do nosso negócio são os nossos colaboradores. E hoje, sem querer, estamos a falhar”, disse Alberto Cabral a quem pesa o despedimento colectivo de 37 pessoas na semana passada. “Foi a pior coisa que fiz na vida.” Mas fê-lo, explicou, porque “se não nem poderia retomar quando isto passar”.

Alberto Cabral, representante das discotecas do Norte, tem 70 empregados e todos em casa, e 17 em lay-off, e eleva a voz em revolta, “aquele fundo de desemprego que existe agora em que nós é que pagamos”. E termina: “A economia, os restaurantes, o comércio estão mal. Nós, empresários da noite, estamos na miséria. Disseram-nos para nos adaptarmos. Eu adaptei-me. Peguei num megafone e vim para a rua.”