Covid-19 em crianças
Com os conhecimentos que temos, é necessário contextualizar a importância da covid-19 nas crianças, e saber interpretar a importância de todas as informações que recebemos.
Informação vinda recentemente a público, sobre sequelas cardiovasculares em crianças afectadas pelo coronavirus-2, seguida por dados recentes da Direção Geral da Saúde, em que se dava conta do aumento do número de crianças infectadas, foram motivo de preocupação e dúvida na nossa sociedade.
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Informação vinda recentemente a público, sobre sequelas cardiovasculares em crianças afectadas pelo coronavirus-2, seguida por dados recentes da Direção Geral da Saúde, em que se dava conta do aumento do número de crianças infectadas, foram motivo de preocupação e dúvida na nossa sociedade.
A primeira informação baseou-se na abordagem feita a um artigo científico, publicado na revista Circulation, revista de prestígio na comunidade médica internacional. Nesse artigo, foram documentadas alterações clínicas, laboratoriais e imagiológicas cardiovasculares em 286 crianças com uma mediana de idade de 8,4 anos, observadas em 55 centros de 17 países europeus que, três ou quatro semanas antes, tinham estado infectadas.
Assim informados, que precisamos mais de saber sobre a importância dos factos relatados? Em finais de Abril, uma nova entidade clínica, associada à covid-19, foi reconhecida em crianças infectadas pelo antigénio coronavirus-2, três a quatro semanas após o sindroma respiratório agudo, uma resposta inflamatória desregulada à infecção. Esta entidade, que na linguagem internacional tem o nome de “multisystem inflammatory syndrome”, que em português podemos intitular “sindroma inflamatório multissistêmico” (SMC), tem em comum com outras doenças vasculares, como a doença de Kawasaki, uma inflamação vascular que, preferencialmente, afecta artérias de calibre médio, para além de lesões do miocárdio, pericardite, arritmias e lesões das válvulas cardíacas. Sintomas gastrointestinais, como vómitos, diarreia e dor abdominal, são comuns em cerca de 60 a 97% dos casos, sendo os sintomas neurológicos dor de cabeça, letargia ou confusão, presentes em cerca de 30 a 50% das crianças infectadas.
Uma vez analisados estes dados, é importante dizer que a susceptilidade à infecção e os sintomas clínicos em indivíduos infectados são dependentes da idade. Crianças ou adolescentes, até aos 18 anos, são menos susceptíveis de ficar infectados pela exposição ao coronavirus-2, sendo a taxa de desenvolvimento de infecção na ordem dos 40%, praticamente metade dos 80% de detecção em adultos. Entre as crianças e adolescentes que desenvolvem a infecção vírica, as manifestações clínicas da covid-19 estão presentes em cerca de 20 a 30% dos casos, quando em indivíduos com mais de 60 anos, os sinais, mais ou menos severos de infecção, aparecem, aproximadamente, em 60% dos doentes. A prevalência da covid-19 na criança é baixa (<2%), apesar das crianças representarem 22% da população. Também a hospitalização das crianças é baixa (<2%), quando comparada com outros grupos etários. Aproximadamente 6% das crianças com diagnóstico de covid-19 têm doença severa ou crítica, sendo mais frequente nos casos de comorbilidade, especialmente crianças obesas, diabéticas, com cardiopatia congénita ou asma. Este último grupo representa cerca de 5% do internamento em unidades de cuidados intensivos. Finalmente, é importante constatar, com a experiência adquirida até agora, que o envolvimento cardíaco é comum em crianças com SMC associado à pandemia da covid-19; contudo, quando comparada com doentes adultos, a mortalidade é incomum, apesar das alterações laboratoriais importantes e da necessidade frequente de suporte intensivo.
Assim, com os conhecimentos que temos, é necessário contextualizar a importância da covid-19 nas crianças, e saber interpretar a importância de todas as informações que recebemos.
O autor escreve segundo o novo acordo ortográfico